Replicamos nos leilões de privatizações a técnica de tia Inácia para atrair as galinhas mais gordas
Tia Inácia era a cozinheira da minha família na longínqua Pouso Alegre de minha infância. Meus tios moravam em um desses casarões antigos com uma ampla cozinha que se abria para um terreiro imenso também. Nela reinava uma senhora, de doces hábitos e pratos deliciosos, cozinhados lentamente em um fogão de lenha.
A cozinha era meu espaço favorito por razões óbvias. Mas também prendiam minha atenção de criança da capital as histórias e hábitos da tia Inácia.
Aprendi com sua sabedoria uma lição que me foi muito útil décadas depois, quando, como presidente do BNDES, tive a responsabilidade de comandar uma série de privatizações importantes.
Para cumprir parte das minhas missões constitucionais --a de procurar vender os ativos públicos pelo melhor preço possível, dadas as regras do leilão de venda--, lembrei-me da querida tia Inácia e de sua técnica para escolher uma galinha para suas inesquecíveis canjas. Ela chegava ao portão da cozinha e pronunciava certas palavras mágicas enquanto jogava grãos de milho no chão: "Quit..quit...quit", e as galinhas, já acostumadas a esse pequeno ritual quase diário, aproximavam-se do portão.
Então, com os olhares profissionais, escolhia a mais gorda segurando a infeliz galinha pelas asas.
Pois nos leilões de privatização --ou concessão de serviços públicos, como são chamados hoje-- a técnica para seu sucesso replicava o modelo da tia Inácia. Só que o chamariz era outro, diferentemente dos grãos de milho da velha cozinheira.
O que oferecíamos para atrair os concorrentes ao leilão era uma taxa de rentabilidade do projeto um pouco mais gorda do que a que a calculada apenas por modelos matemáticos. Se o crescimento do PIB aceitável pelo mercado no cálculo do retorno da concessão era de 3,5% ao ano, colocávamos no modelo algo como 2,8%.
Se a variável principal da concessão fosse o tráfego futuro de uma estrada de rodagem, reduzíamos o número ideal em cerca de 20% e esse passava a ser o parâmetro oficial. E assim por diante.
E por que esse pequeno artifício funcionava tão bem? Porque as empresas interessadas precisavam mobilizar uma equipe grande de consultores externos e funcionários próprios para atender as demandas legais e avaliar os ganhos com o investimento. E só fariam isso se visualizassem ganhos futuros no investimento. E aprendemos no nosso dia a dia que, depois de realizar todo esse investimento, os interessados acabavam por pagar, em seus lances no leilão aberto, ágios até maiores do que os que estavam preparados para oferecer.
No governo Dilma, essa sabedoria foi deixada de lado e substituída por um dirigismo científico, e os preços mínimos estabelecidos para o leilão não mais continham a "gordura" tucana. Com isso, os termos do edital jogavam uma ducha de água gelada no espírito animal das empresas privadas, afastando-as do leilão. E sem o clima competitivo dos leilões os ágios não apareciam e o governo é quem acabava perdendo.
Esse modelo foi testado várias vezes no mandato presidencial atual e sempre com o mesmo resultado: fracassos ou leilão com apenas um consórcio e, portanto, sem ágio. Isso aconteceu inclusive na licitação do gigante campo de Libra, quando a gula pela parte do governo no petróleo a ser extraído inviabilizou a disputa e, certamente, trouxe prejuízos econômicos e de imagem ao governo e ao país.
Mas o importante para um analista econômico não são os fracassos do passado, mas sim se lições foram entendidas e se um novo caminho está aberto no futuro. E isso parece ter ocorrido com novas regras nos leilões dos aeroportos do Galeão e Confins e agora com a concessão da rodovia BR-163.
Os ajustes foram feitos de forma correta, respeitando as incertezas que um investimento de 30 anos sempre traz e criando as condições para que os participantes com qualificação superior aparecessem.
Os resultados são promissores, e as condições para que os investimentos em infraestrutura em 2014 tenham uma nova dinâmica parecem estar postas. É só continuar a trilhar o caminho aberto pela tia Inácia, 60 anos atrás.
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