CELSO ARNALDO ARAÚJO
A cena não é real, mas o diálogo faz muito sentido. Um homem de 67 anos, corpulento, cabelos grisalhos escorrendo sobre a nuca, entra com passos lentos no quatro-estrelas St. Peter, o maior hotel da área central de Brasília, com 423 apartamentos, e se encaminha à recepção.
─ Vocês têm vaga?, pergunta o homem, com forte sotaque do interior de São Paulo.
─ Temos, sim, quantos dias o senhor pretende ficar conosco?
─ Sete anos e 11 meses. Mas não é para dormir.
─ Como, senhor? Quer se hospedar no hotel só durante o dia? E por sete anos? Perdão, mas nós não trabalhamos com o sistema de estadias prolongadas diurnas.
─ Acho que houve um mal entendido: eu perguntei de vagas de emprego no hotel.
─ Ah, temos várias. Mas isso é com o RH. Segundo andar, sala 21, Robson.
********************
─ Bom dia, sr. Robson?
─ Sim.
─ Vocês têm vagas no quadro de funcionários?
─ Diversas. Que área o senhor procura?
─ Cargo de chefia.
─ Pode resumir seu currículo?
─ Sou formado em Direito, mas nunca exerci. Fui líder estudantil, tive alguns problemas e precisei sair do Brasil. Morei muitos anos no México e em Cuba, onde não exerci nenhuma atividade profissional. Quando voltei, entrei para a política e me tornei funcionário público.
─ Em que área?
─ Funções políticas e partidárias. O senhor sabe, aqui em Brasília é difícil sair disso.
─ Alguma experiência em hotelaria?
─ Só de ficar hospedado. Mas conheço cinco estrelas do mundo todo.
─ O que o senhor considera como sua principal qualidade?
─ Eu abro portas.
─ Muito bem, mas acho que o emprego de chefe de portaria está fora de cogitação. O senhor merece coisa melhor. Que mais destacaria em seu perfil?
─ Como estamos falando de hotelaria, eu arrisco dizer: acomodo bem e no lobby sou muito articulado. Aliás, quando o senhor perguntou sobre minha experiência em hotel, esqueci de mencionar que fiquei algum tempo no lobby do hotel Naoum, aqui do lado, mas nada oficial. Não pus nem no currículo. E, se isso interessar à sua empresa, tenho excelentes contatos. Talvez os melhores do país no momento.
─ Ótimo. O senhor é o homem para preencher nossa vaga de gerente administrativo. Vínhamos tendo muitas dificuldades para contratar a pessoa certa. Foi uma longa busca, mas sinto que valeu a espera. O salário é de 20 mil reais por mês. O senhor aceita?
─ Fixo ou variável?
─ Para começar, fixo. Mas, dependendo do seu rendimento no posto, temos um sistema de participação nos lucros.
─ É como costumo trabalhar. Aliás, gostei daqui. Gostei do vai e vem, do entra e sai. Um detalhe: só posso trabalhar das 8 às 5. Algum problema?
─ Nenhum. Mas é uma pena que o senhor não possa estar conosco em nossos eventos noturnos, jantares, conferências, simpósios. São muito concorridos. Até ministro do Supremo frequenta aqui. Mas vamos ao que interessa. Trouxe a carteira de trabalho? Já sai daqui registrado.
─ Está aqui. Mas tenho que resolver alguns probleminhas antes de começar. Algum problema?
─ Nenhum. Com a carteira assinada, o senhor começa a ganhar a partir de agora. Faça o que precisa fazer e nos avise. Mas deixa eu preencher uma fichinha básica. Nome?
─ José Dirceu de Oliveira e Silva.
─ Endereço?
– Rodovia DF 465, quilômetro 04, Fazenda Papuda.
─ O endereço me parece familiar… Ah já sei! É aquele condomínio fechado aqui em São Sebastião, Distrito Federal, né? Aqui em Brasília só se fala nele como o novo endereço do poder. O senhor tem banqueiros, publicitários e até deputados como vizinhos, não é mesmo?
─ Isso mesmo.
─ Só falta uma informação na ficha. Ocupação atual?
─ Presidiário.
─ Ninguém é perfeito.
─ Muito grato por sua atenção. Ah, deixa eu lhe perguntar uma coisa. Tenho um grande amigo, vizinho de condomínio, que também procura uma colocação.
─ O que ele faz?
─ Já foi diretor financeiro de uma grande instituição. A contabilidade mensal dele é impecável. Mas, se não houver vaga nessa área aqui no hotel, ele se daria muito bem na lavanderia.
A cena não é real, mas o diálogo faz muito sentido. Um homem de 67 anos, corpulento, cabelos grisalhos escorrendo sobre a nuca, entra com passos lentos no quatro-estrelas St. Peter, o maior hotel da área central de Brasília, com 423 apartamentos, e se encaminha à recepção.
─ Vocês têm vaga?, pergunta o homem, com forte sotaque do interior de São Paulo.
─ Temos, sim, quantos dias o senhor pretende ficar conosco?
─ Sete anos e 11 meses. Mas não é para dormir.
─ Como, senhor? Quer se hospedar no hotel só durante o dia? E por sete anos? Perdão, mas nós não trabalhamos com o sistema de estadias prolongadas diurnas.
─ Acho que houve um mal entendido: eu perguntei de vagas de emprego no hotel.
─ Ah, temos várias. Mas isso é com o RH. Segundo andar, sala 21, Robson.
********************
─ Bom dia, sr. Robson?
─ Sim.
─ Vocês têm vagas no quadro de funcionários?
─ Diversas. Que área o senhor procura?
─ Cargo de chefia.
─ Pode resumir seu currículo?
─ Sou formado em Direito, mas nunca exerci. Fui líder estudantil, tive alguns problemas e precisei sair do Brasil. Morei muitos anos no México e em Cuba, onde não exerci nenhuma atividade profissional. Quando voltei, entrei para a política e me tornei funcionário público.
─ Em que área?
─ Funções políticas e partidárias. O senhor sabe, aqui em Brasília é difícil sair disso.
─ Alguma experiência em hotelaria?
─ Só de ficar hospedado. Mas conheço cinco estrelas do mundo todo.
─ O que o senhor considera como sua principal qualidade?
─ Eu abro portas.
─ Muito bem, mas acho que o emprego de chefe de portaria está fora de cogitação. O senhor merece coisa melhor. Que mais destacaria em seu perfil?
─ Como estamos falando de hotelaria, eu arrisco dizer: acomodo bem e no lobby sou muito articulado. Aliás, quando o senhor perguntou sobre minha experiência em hotel, esqueci de mencionar que fiquei algum tempo no lobby do hotel Naoum, aqui do lado, mas nada oficial. Não pus nem no currículo. E, se isso interessar à sua empresa, tenho excelentes contatos. Talvez os melhores do país no momento.
─ Ótimo. O senhor é o homem para preencher nossa vaga de gerente administrativo. Vínhamos tendo muitas dificuldades para contratar a pessoa certa. Foi uma longa busca, mas sinto que valeu a espera. O salário é de 20 mil reais por mês. O senhor aceita?
─ Fixo ou variável?
─ Para começar, fixo. Mas, dependendo do seu rendimento no posto, temos um sistema de participação nos lucros.
─ É como costumo trabalhar. Aliás, gostei daqui. Gostei do vai e vem, do entra e sai. Um detalhe: só posso trabalhar das 8 às 5. Algum problema?
─ Nenhum. Mas é uma pena que o senhor não possa estar conosco em nossos eventos noturnos, jantares, conferências, simpósios. São muito concorridos. Até ministro do Supremo frequenta aqui. Mas vamos ao que interessa. Trouxe a carteira de trabalho? Já sai daqui registrado.
─ Está aqui. Mas tenho que resolver alguns probleminhas antes de começar. Algum problema?
─ Nenhum. Com a carteira assinada, o senhor começa a ganhar a partir de agora. Faça o que precisa fazer e nos avise. Mas deixa eu preencher uma fichinha básica. Nome?
─ José Dirceu de Oliveira e Silva.
─ Endereço?
– Rodovia DF 465, quilômetro 04, Fazenda Papuda.
─ O endereço me parece familiar… Ah já sei! É aquele condomínio fechado aqui em São Sebastião, Distrito Federal, né? Aqui em Brasília só se fala nele como o novo endereço do poder. O senhor tem banqueiros, publicitários e até deputados como vizinhos, não é mesmo?
─ Isso mesmo.
─ Só falta uma informação na ficha. Ocupação atual?
─ Presidiário.
─ Ninguém é perfeito.
─ Muito grato por sua atenção. Ah, deixa eu lhe perguntar uma coisa. Tenho um grande amigo, vizinho de condomínio, que também procura uma colocação.
─ O que ele faz?
─ Já foi diretor financeiro de uma grande instituição. A contabilidade mensal dele é impecável. Mas, se não houver vaga nessa área aqui no hotel, ele se daria muito bem na lavanderia.
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