A síndrome da CPMF ataca outra vez - EDITORIAL O GLOBO
Assim como procurou eternizar o ‘imposto do cheque’, governo tenta fazer o mesmo com a multa de 10% sobre o FGTS, também criada com prazo definido de validade
Entre as patologias da administração pública brasileira, destaca-se a insaciável capacidade de extrair renda da sociedade pela via da tributação. Por isso, com 36% do PIB, a carga tributária nacional é a mais elevada entre as economias emergentes, maior que a de muitos países desenvolvidos e equivalente a de alguns “estados de bem-estar” europeus, provedores de serviços de qualidade às populações, situação muito diferente da brasileira.
Tanto que já virou clichê afirmar que o Brasil tributa como país escandinavo e presta serviços de nação africana. E a patologia paira por sobre correntes políticas. Prova disso é que os cerca de dez pontos percentuais de PIB de elevação da carga de impostos a partir da estabilização da moeda, em 94, estão distribuídos entre governos tucanos e petistas.
No momento, trava-se uma luta política exemplar. No centro da desavença está o destino da multa de 10% paga pelo empregador sobre o FGTS resgatado pelo segurado, instituída em 2001 para financiar o rombo aberto no fundo pelos programas econômicos Verão e Collor I.
Como ficou estabelecida a relação entre a multa e o buraco financeiro, assim que a arrecadação do necessário para bancar a defasagem fosse completada, a multa seria suspensa. Foi o que ocorreu, e, para isso, o Congresso aprovou lei, vetada, porém, pela presidente Dilma. Veto este que os parlamentares, com razão, querem derrubar.
Na prática, o governo deseja criar um novo imposto pela manutenção da multa — uma aberração. Mais uma manifestação da conhecida patologia, segundo a qual não existe multa ou imposto temporário no Brasil. O governante de turno procurará eternizá-lo, não importa de qual partido seja. Foi assim com o “imposto do cheque”, criado como temporário em 1993, batizado de Imposto Provisório sobre Movimentação Financeira (IPMF). Vigorou durante todo o ano seguinte, incidindo sobre quase todas as operações bancárias. Extinto em 1994, como previsto, ressuscitou sob a sigla CPMF, dois anos depois, e passou a ser prorrogado até sua extinção em dezembro de 2007, numa decisão corajosa do Senado.
Seria catastrófico para a Saúde — não parou de alertar o governo Lula. Eliminado a CPMF, um imposto tecnicamente ruim — por se propagar em toda a cadeia produtiva — e socialmente iníquo — por atingir mais as pessoas de baixa renda —, nada aconteceu no SUS. Os propalados R$ 40 bilhões tirados do Orçamento pela revogação da CPMF foram repostos no primeiro semestre de 2008 pelo aumento da arrecadação.
Hoje, a situação é outra, mas isso não serve justificativa para transformar a multa sobre o FGTS em imposto sobre o já sobrecarregado setor produtivo. Alega o governo que os R$ 3,5 bilhões arrecadados com a multa farão falta ao Minha Casa Minha Vida. Mas, se considerarmos que só a máquina burocrática federal consome R$ 600 bilhões em custeio, o Planalto tem larga margem para conseguir os recursos em outras fontes.
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