* Sérgio Paulo Muniz Costa
A
resultante das manifestações que se desenvolvem no País não poderia deixar
de ser política e a essa altura ela está por demais evidente. O Executivo se
arroga a convocar um plebiscito sem que ninguém saiba o que vai ser perguntado
à população, mas que ninguém duvida que vai acontecer de acordo com a
vontade dele. Se o noticiado envolvimento de setores do governo com os
primeiros incidentes nas ruas e se a descarada pressão de cúpula exercida
pelo Planalto sobre o Congresso em sincronia com a pressão de base não fossem
suficientes para concluir sobre a manipulação do movimento pelo PT, o
ululante cui prodest (a quem interessa?) que atravessou os séculos nas
penas de Cícero a Lenin não deixa mais quaisquer dúvidas.
O
que começou como manifestação popular por causas tidas como justas - graças
ao oportunismo e a um monumental erro de foco de autoridades, políticos e
formadores de opinião ‐ adquiriu uma dinâmica que agora prescinde de motivos
e justificativas para espalhar o caos nas ruas e continuar a alimentar a
pressão sobre as instituições e lideranças políticas da Nação. Protesta-se
sem que se saiba mais por que. As manifestações que haviam tomado
inicialmente o cenário cívico das cidades se deslocou para as periferias,
numa manobra estratégica que vai reposicioná-‐las nos espaços controlados
pelo PT, justamente onde há os maiores problemas de segurança pública, o que
gera um potencial de agitação e violência muito maior. O que aconteceu na
Maré, no Rio de Janeiro, é uma pálida amostra do que pode vir por aí.
Em
um cenário ampliado, o que se assiste é a tentativa petista de rompimento do
impasse decorrente do esgotamento político, econômico e moral da fórmula
lulista. A resultante disso, materializada na insatisfação crescente da
população, na aproximação entre oposicionistas e setores que apoiam o
governo e na inevitabilidade do desenlace do mensalão, delineiam um revés em
2014 que o PT deseja evitar a todo custo. Não é possível garantir qual será
a via que o PT profundo vai priorizar nos próximos passos: se a
radicalização direta que leve a um vácuo de poder, algo factível com a
possibilidade até aqui contida de colapso da ordem pública, ou a combinação
da pressão de cúpula e de base que dá os seus primeiros frutos. Para quem
gosta de cronologia, repete-‐se o golpismo quadrienal que o PT pratica
desde que assumiu o poder: em 2005, no mensalão; em 2009, com o pacote de
medidas contra a imprensa, forças armadas e agronegócio; e agora, com o
emprego de seus satélites ideológicos radicais para agitação popular, como
sempre, no ano anterior à eleição. É, golpe mesmo, mais um, mais grave e
melhor elaborado.
A
oposição liberal ao regime de 1964 que emergiu vitoriosa em 1985 e fundou a
atual República está sendo irremediavelmente suprimida e com ela a democracia
no Brasil. Cabe perguntar como chegamos até esse ponto e as razões para esse
estado de coisas não poderiam deixar de resultar da história recente do
País, que parece perdida. Um autoritarismo que se reconhecia como tal e que
pregava a auto-‐extinção é julgado univocamente por um autoritarismo muito
mais abrangente que pretende se eternizar no poder, e pior, sob o manto
democrático. E isso ocorre por que a batalha pela história está sendo
vencida pela esquerda revolucionária que conseguiu calar seus companheiros de
palanque das Diretas Já, apagou as próprias responsabilidades pela ruptura
ocorrida em 1964 e pelo posterior endurecimento do regime e, por fim, suprimiu
da agenda nacional o potencial de livre iniciativa, autonomia e valorização
da atividade produtiva que surgira no Brasil na década de 1970, substituindo-‐o
pela quimera do Estado em tudo e em todos.
As
declarações feitas no dia 25 de junho em reação às iniciativas do Planalto
não desmentem os riscos à democracia que estão bem presentes na atual crise.
Mas, neste momento grave, o maior risco, o primeiro, imediato, aquele que abre
um caminho sombrio para o Brasil, é o eclipse das lideranças políticas
comprometidas com a liberdade e a democracia no País, independentemente de
posições ideológicas. Não é só o PMDB a bola da vez, mas todos os
partidos, tal como se entendem numa democracia representativa e plural. Essas
lideranças políticas têm que vir a público, veementes, nas tribunas, nas
ruas, nas páginas dos jornais, nas TV, nos rádios, em todos os espaços
possíveis, para denunciarem o que acontece. Se estamos falando em fim de
conchavos e acordos de gabinetes que corroem a representatividade política no
País, este é o primeiro passo da atitude que tem duas pernas e há de impedir
os efeitos da tsunami que já secou a praia: reação política e resiliência
institucional.
* Historiador
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