Uma era secular - HÉLIO SCHWARTSMAN
SÃO PAULO - A pesquisa Datafolha feita às vésperas da chegada do papa ao Brasil mostra que os católicos estão se tornando menos numerosos, menos fiéis (vão pouco a missas) e menos obedientes (são tolerantes para com temas que o Vaticano considera tabu). Este é, se quisermos, um retrato quase perfeito do secularismo, o processo de transformação religiosa que é a marca do Ocidente nos últimos 500 anos.
Um dos bons livros que peguei nestas férias é "A Secular Age" (uma era secular), do filósofo Charles Taylor. Ainda não terminei as quase 900 páginas da obra, escrita num estilo acadêmico que não é exatamente cativante, mas já li o bastante para perceber que se trata de um texto capital. Um de seus principais méritos é mostrar que a narrativa-padrão, segundo a qual o avanço das ciências foi empurrando a religião para as margens da sociedade, tem mais buracos do que um queijo suíço.
Em seu lugar, o autor apresenta uma história bem mais rica e complexa, na qual o Iluminismo teve um papel, mas menos determinante do que se apregoa. Tão ou mais importantes foram a Reforma, o desencantamento do mundo (a magia perdeu credibilidade) e o advento do deísmo, no qual a religião das Escrituras cedeu espaço para um Deus impessoal deduzido da natureza pela razão.
Segundo Taylor, tudo isso somado e outras coisas mais acabaram resultando numa revolução cognitiva que permitiu que passássemos de um registro em que era virtualmente impossível não acreditar em Deus, por volta de 1500, para um em que fazê-lo não só é fácil como até inescapável. Hoje, no Ocidente, seguir ou não uma fé se tornou uma entre muitas possibilidades de escolha individual.
Taylor é católico praticante, mas não sei se sua obra, em que pese a tentativa de preservar espaço e sentido para a religião, agrada muito ao Vaticano. Ela, afinal, consagra a ideia de supermercado da fé que a Igreja Católica tanto combate.
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