Jornalista Andrade Junior

terça-feira, 2 de abril de 2013

‘O plano de metas de Haddad’



‘O plano de metas de Haddad’, editorial do Estadão

EDITORIAL PUBLICADO NO ESTADÃO

Todo mundo sabe que, infelizmente, não se deve tomar ao pé da letra as promessas de campanha e os programas de governo, aos quais se acrescenta – no caso da capital paulista – o plano de metas, tornado obrigatório pela Lei Orgânica do Município, em 2008. É assim em toda parte, em maior ou menor grau. Mas o que acaba de fazer o prefeito Fernando Haddad vai além do que se poderia chamar de razoável. E não tanto pelo tamanho do recuo em relação ao prometido, mas pelas manobras feitas de caso pensado para evitar cobranças futuras.
O plano de metas de Haddad fica aquém do que ele disse que faria durante a campanha eleitoral. O que já era esperado, tendo em vista a necessidade de adaptar o devaneio das propostas feitas no calor da hora à dura realidade orçamentária. Não há no plano, por exemplo, o compromisso de realizar obras ou adotar medidas para ajudar na ampliação da rede do metrô – bancada pelo governo do Estado –, revitalizar a região central da cidade e reduzir o tempo de espera nos postos de saúde, como mostra reportagem do Estado.
Mas nem por isso o plano deixa de ser ambicioso. Com custo estimado de R$ 23 bilhões, ele estabelece 100 metas, que preveem mais de 850 obras em áreas consideradas prioritárias como educação, saúde, moradia e mobilidade. Antes de mais nada – e esse é um ponto decisivo – é preciso deixar claro que a Prefeitura só dispõe de pouco mais da metade – R$ 12 bilhões – dos recursos previstos para implementá-lo, como admitiu o próprio Haddad aos vereadores. O restante depende de acordos e parcerias com os governos federal e estadual. Quanto ao mais, se não há reparo a fazer às prioridades – que grosso modo são as mesmas que qualquer governante sensato, não importa de que partido, escolheria –, o mesmo não se pode dizer de dois outros pontos do plano.
O primeiro é a tentativa de engordar as metas, entre elas incluindo procedimentos meramente administrativos e burocráticos, como a criação de novas Secretarias municipais e a revisão do Plano Diretor da cidade, de custo baixo. Não faz o menor sentido colocar tudo isso no mesmo plano em que estão a construção de 150 quilômetros de corredores de ônibus e a melhoria do sistema viário, para citar apenas dois exemplos, obras estas de custo elevado. São coisas importantes – e, portanto, devem ser mesmo feitas –, mas diferentes, que parecem ter sido misturadas apenas para dar a impressão de que o plano de metas tem uma dimensão maior do que a real.
O segundo ponto é a adoção de critérios para a avaliação das obras prometidas, de forma a evitar cobranças com relação ao cumprimento integral das metas. Em várias metas do plano são detalhadas cada uma das etapas necessárias à execução das obras. Um exemplo é a meta 74, que estabelece “projetar, licitar, licenciar, garantir a fonte de financiamento e construir 150 km de corredores de ônibus”. Isso permite considerar um avanço o cumprimento de cada uma dessas etapas e não apenas a conclusão integral da obra. Com isso, o governo pretende dizer que cumpriu a maior parte de sua promessa, se 75 km de corredores forem entregues, outros 30 km estiverem em execução e o restante aprovado e licenciado.
Na verdade tudo isso é muito barulho – ou esperteza – para nada, porque repete de outra maneira, com outras palavras, o que fez o ex-prefeito Gilberto Kassab. Em 2009, seu plano definiu 223 metas. Estava evidente, desde o início, que era impossível atingir todas elas integralmente. Ao fim de seu mandato, só 55,1% de seu plano havia sido cumprido. Isto não o impediu de dizer que o plano teve 81% de “eficácia”. Pelo visto, considerando o cumprimento integral de algumas metas de seu plano e o parcial de outras, o prefeito Haddad não fará coisa muito diferente de Kassab, ao final de seu mandato.
Nada disso quer dizer que Haddad vai fazer bom ou mau governo. Apenas que não precisa desse tipo de expediente. Ele está só começando e todas as possibilidades lhe estão abertas. Mas, se quer vencer, deve enfrentar com realismo os graves problemas da cidade, que dispensam esses artifícios, uma pura perda de tempo e energia.
 

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