Marcelle Ribeiro
SÃO
PAULO Desobedecer à lei é fácil, ainda mais para um povo acostumado a
"dar um jeitinho" para tudo. Essa ideia do imaginário popular ganhou
comprovação em estudo da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas de
São Paulo (Direito GV) divulgado ontem, que procurou entender a
percepção do brasileiro em relação ao respeito das normas e às ordens de
autoridades. O estudo mostra que 82% dos brasileiros reconhecem
facilidade em descumprir leis no Brasil, e que 79% acreditam que, sempre
que podem, as pessoas apelam para o "jeitinho" para evitar cumprir as
normas legais. Além disso, 54% acham que existem poucas razões para
obedecer às leis no país.
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As pessoas não têm a sensação de que é importante, para a coletividade,
obedecer à lei. Elas acham que cumprir a lei não vale a pena, não
percebem que é importante, independentemente de seu ganho individual e
imediato. Elas não encontram razões e acham que, em geral, os outros não
obedecem - disse Luciana Gross Cunha, coordenadora da pesquisa.
Ao
mesmo tempo, porém, segundo o estudo, 80% dos entrevistados consideram
que alguém que desobedece à lei é malvisto pelas pessoas.
Os
pesquisadores entrevistaram 3.300 pessoas em oito estados, entre
outubro de 2012 e março de 2013. Eles criaram o Índice de Percepção do
Cumprimento da Lei (IPCLBrasil), que leva em conta se as pessoas cumprem
a lei, se enxergam a possibilidade de punição e repreensão por amigos
no caso de descumprimento, e se acham que certas condutas ilegais são
realmente erradas. No país, o IPCL foi de 7,3 numa escala de zero a 10
(sendo 10 o total comprometimento com o cumprimento da lei).
Os
especialistas analisaram, por exemplo, como as pessoas veem a
probabilidade de serem punidas se cometerem delitos como pequenos
furtos, direção após consumo de bebida alcoólica, pagamento de propina,
estacionamento irregular, despejo de lixo em local proibido, fumo em
área não permitida, barulho, uso de carteira de estudante falsa,
travessia de rua fora da faixa de pedestres e compra de CDs piratas. E
perguntaram se os entrevistados haviam cometido esses atos nos últimos
meses.
Os
entrevistados acham que é mais provável haver punição e repreensão por
amigos se eles cometerem pequenos furtos em lojas do que por pagarem
propina a funcionário público para evitar multas (conduta que 3%
admitiram ter cometido) ou usarem carteira de estudante falsa (infração
realizada por 5%). E acreditam que é mais errado jogar lixo em local
proibido do que comprar CD falso.
Mais pobres têm melhor nota
Quem
ganha até dois salários mínimos e tem escolaridade baixa apresentou
índice de percepção do cumprimento da lei mais alto do que os que
recebem mais de 12 salários e têm escolaridade média ou alta. E, quanto
mais velhos eram os entrevistados, maiores eram os índices de percepção
do cumprimento da lei.
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A percepção do "jeitinho" é mais das elites do que da população como um
todo. O "jeitinho" supõe a lógica de conhecer pessoas, ter relações
dentro do Estado que podem trazer benefícios - disse Leonardo Avritzer,
cientista político da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Os
brasileiros dão menos importância às ordens de policiais que às de
juízes: 81% entendem que devem obedecer a decisões judiciais que
determinem pagamento a alguém, e 41% acreditam que precisam cumprir
ordens de policiais, mesmo que discordem delas. Isso, na opinião do
coordenador da Direito GV, Oscar Vilhena Vieira, é preocupante.
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Um dos instrumentos de eficiência policial é a confiança. Quando o
cidadão confia na polícia, ele leva informações que permitem que a
polícia previna e busque a punição - afirmou Vieira.
Para
os responsáveis pela pesquisa, os dados sobre obediência à norma que
criminaliza a compra de produtos piratas também chamam atenção. Apenas
54% dos entrevistados responderam que é provável ou muito provável que a
compra de um CD ou DVD falso resultará em punição, e só 64% acham que,
se fizessem isso, seriam reprovados moralmente por amigos e familiares. E
91% das pessoas que responderam à pesquisa disseram ter comprado CD ou
DVD pirata nos últimos 12 meses.
Para
o professor emérito de Direito da USP Fábio Konder Comparato, achar que
é fácil desobeceder às leis é algo histórico no país.
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Durante o período colonial, os administradores enviados por Portugal
não obedeciam às leis do Reino e eram senhores absolutos no Brasil. Uma
lei de 1831 proibiu o transporte de escravos da África para o Brasil e
tinha penas severas para quem os trouxesse. E durante 20 anos essa lei
não foi aplicada: entraram 750 mil africanos escravos no país - disse
Comparato
O Globo
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