Terror noturno - LUIS FERNANDO VERÍSSIMO
Seja o que for que respira na escuridão, não conhece o seu quarto tão bem quanto você
Você acorda no meio da noite com o som de alguém respirando. Você mora sozinho. Não tem cachorro, ou qualquer outro animal. Mas não duvida: alguém, ou algo, está respirando na escuridão do seu quarto, além de você.
Você estende a mão para acender a lâmpada de cabeceira. Hesita. Talvez seja melhor ficar no escuro. Assim você não vê quem ou o que respira na escuridão, mas também não é visto. Seja o que for que respira, também não está enxergando nada. Se for um ladrão, é um ladrão sem lanterna. Se for um bicho, a não ser que tenha visão noturna, também não está enxergando.
Mas aí você pensa: se não vê onde anda, o outro, a coisa arfante, deve esta tateando no escuro. Você tem a terrível premonição de uma mão fria ou uma garra pegajosa agarrando o seu braço. Melhor acender a luz. Mas aí você perde sua vantagem. É visto. Se expõe. E outra coisa: você não tem certeza que quer ver o que está respirando na escuridão. E se for um monstro, um grande réptil escamado? E se for a morte que veio buscar você? E se for a retribuição esperada para todos os seus pecados, na forma de um arcanjo arquejante?
A escuridão lhe protegerá. Seja o que for que respira na escuridão, não conhece o seu quarto tão bem quanto você. Você pode deslizar para fora da cama e ir, pé ante cauteloso pé, até o banheiro, se trancar no banheiro e... E o quê? O celular. Levar o celular para o banheiro e pedir ajuda.
O celular está sobre a sua mesa de cabeceira. Você pode pegar o celular, se deslocar em silêncio até o banheiro, fechar a porta e chamar a polícia. Mas se encontrar o monstro no meio do caminho? O som da respiração está vindo da sua direita, logo a sua esquerda está, em tese, desimpedida. Mas se você esbarrar num corpo quente a caminho do banheiro, aí sim gritará de terror e provavelmente desmaiará.
Calma, pensa você. Muita calma. Está bem, você está pagando pelos seus pecados. Merece uma alucinação como esta, para aprender. Na noite anterior bebeu demais, nem sabe como chegou em casa. A única coisa a fazer agora é voltar a dormir. De manhã, tudo se esclarecerá. Foi um pesadelo, um delírio de culpa, um revide da consciência. Nada disso está realmente acontecendo.
E então você se lembra. Na noite anterior, trouxe alguém para dormir com você. Quem está respirando ao seu lado é... Quem mesmo? Só há uma maneira de descobrir quem você, bêbado, trouxe para a sua cama: acender a lâmpada de cabeceira. Mas de novo você hesita. Não tem certeza que quer ver quem dormiu ao seu lado. O que a luz acesa revelará a seu respeito? Você prefere não saber. Pelo menos até o amanhecer, a escuridão lhe protegerá.
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