UM TEXTO LIGHT PARA UM FIM DE SEMANA AGRADÁVEL. ENCONTREI-O EM MINHAS ANOTAÇÕES, JÁ REDIGIDO HÁ ALGUM TEMPO MAS EXTREMAMENTE ATUAL. FOI PUBLICADO NO JORNAL ZERO HORA E É DE AUTORIA DE MOACYR SCLIAR INTITULADO "O PREÇO DE UMA TRAIÇÃO"
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“Vem de Minas Gerais, terra de ficcionistas
famosos, uma notícia tão curiosa quanto reveladora, uma notícia sobre a qual
vale a pena pensar.
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Um casal se separou. Nada de mais, acontece todos
os dias. E também, como é frequente, o juiz determinou que o homem pagasse uma
pensão para garantir o sustento da filha recém-nascida.
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Aí começou o conflito. O ex-marido recusou-se a
arcar com a pensão, alegando que a mulher o traía, fato público e notório. Um
exame de DNA confirmou que, de fato, a filha não era dele. Mais: o homem entrou
com pedido de indenização por danos morais e materiais (o dinheiro pago por
mais de cinco anos como pensão alimentícia para a criança). A Justiça
concedeu-lhe apenas a indenização por danos morais, no valor de R$ 40 mil. A
ex-mulher recorreu; alegou que o ex-marido não havia sofrido danos morais
porque sabia do relacionamento extraconjugal. O valor da indenização foi então
diminuído para R$ 25 mil. Cabe recurso.
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Detalhe significativo: a decisão ocorreu na mesma
semana em que era evocado o centenário da morte de Euclides da Cunha. Como
contamos aqui no domingo passado, o escritor morreu porque tentou matar o
amante de sua mulher, sendo por este baleado. Euclides estava tentando lavar a
honra com sangue, de acordo com um costume milenar.
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Que parece estar mudando. O marido traído lá em
Minas não queria mortes, queria dinheiro. Não só ele está de acordo com a
mentalidade da economia de mercado em que vivemos, como também foi muito mais
prático e direto: tratava-se de quantificar a ofensa em moeda corrente do país.
E a pergunta então se impõe: como fazer essa quantificação? Duas cifras
emergiram, uma de R$ 40 mil e outra, posterior, de R$ 25 mil, considerada,
pelos desembargadores, “adequada e suficiente para compensar o transtorno moral
sofrido pelo ex-marido, sem resultar em enriquecimento, e, ao mesmo tempo, penalizando
a ofensora”. A pergunta é: de onde saíram esses números? Que tabela emocional
os fornece? Por que R$ 25 mil e não R$ 24 mil ou R$ 26 mil?
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Discussões à parte, a verdade é que o desfecho tem
seus pontos positivos. Em primeiro lugar: não morreu ninguém, ninguém foi
agredido, o que, num país que pode ser bem violento, é uma boa notícia. Em
segundo lugar, o acontecido envolve uma lição: ensina que, de vez em quando,
temos de transformar nossos conflitos em questões objetivas: o que fazer, como
fazer. Ah, sim, e nos ensina também a quantificarmos nossos problemas. Vocês
dirão que transformar emoções em quantias é coisa de mercenário. Talvez seja.
Mas não é inusitado. Lembrem Memórias Póstumas de Bras Cubas, de Machado:
“Marcela me amou durante 11 meses e 15 contos de réis”.
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É melhor transformar emoções em grana do que
transformá-las em crime. E é mais prático também. No caso, permitirá que duas
pessoas se separem e que cada uma delas siga seu caminho, uma levando um
cheque, outra não, mas sem outras mútuas dívidas.
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Os numerologistas dizem que os números governam
nossas vidas. Pode ser. Os números e os cifrões que com eles muitas vezes estão
convenientemente associados.”
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