Jornalista Andrade Junior

quinta-feira, 22 de abril de 2021

"Cheque sem fundo",

 por Flávio Quintela

Quando eu era criança, não entendia o motivo de meus pais não comprarem tudo o que eu e meu irmão pedíamos. Na minha cabecinha infantil, bastava que eles preenchessem um cheque e estaria tudo resolvido. Lembro-me de ter-lhes dito isso mais de uma vez: “Mas, pai, por que você não faz um cheque e compra?” 

Eu não fazia ideia de como cheques funcionavam. Não sabia que só podiam ser usados se houvesse dinheiro na conta bancária. Aliás, não sabia sequer o que era uma conta bancária. A única coisa que eu entendia é que, quando um adulto preenchia a assinava um cheque, aquilo valia como se fosse dinheiro.


No dia 15 de dezembro de 2020, a câmara de vereadores da cidade de Long Beach aprovou, por unanimidade, um adicional obrigatório de US$ 4 por hora no salário de qualquer funcionário horista de qualquer supermercado que tenha mais de 300 empregados nacionalmente (ou seja, toda e qualquer rede de supermercados). 

O pagamento extra, que acabou sendo adotado em outras cidades da Califórnia, foi apelidado de “hero pay”, ou “pagamento do herói” em tradução livre. A justificativa: compensar o trabalho heroico daqueles que arriscaram suas vidas para que os supermercados pudessem continuar abertos em meio à pandemia.


O Estado, especialmente quando é comandado por políticos de esquerda, acha que para pagar contas basta preencher um cheque


O prefeito de Long Beach, Robert Garcia, tuitou na época: “Se as grandes corporações não se movem para prover um pagamento pela periculosidade aos trabalhadores de supermercados, nós interviremos para proteger esses heróis”.

Quatro meses depois, a rede de supermercados Kroger anunciou o fechamento de duas lojas na cidade de Long Beach. O porta-voz da rede disse, em relação à decisão: “Como resultado da decisão da cidade de Long Beach de aprovar uma lei que obriga os supermercados a pagar salário extra a seus empregados, tomamos a difícil decisão de fechar permanentemente lojas que vinham há bastante tempo apresentando resultados ruins.

Esta ação errada da câmara de vereadores de Long Beach passa por cima do processo tradicional de negociação salarial e se aplica somente a alguns trabalhadores de supermercados da cidade, não a todos”.


Resumo da história: em vez de ganharem US$ 4 a mais por hora, os funcionários dessas duas lojas ganharão zero dólares por hora, 100% a menos que ganhavam antes do fechamento.


O Estado, especialmente quando é comandado por políticos de esquerda, acha que para pagar contas basta preencher um cheque. As grandes redes de supermercados já haviam dado um aumento de US$ 2 por hora a seus funcionários, logo no início da pandemia. Foi um aumento negociado e aceito por empregadores e empregados. 

A fim de sinalizar virtude e de fazer caridade com o dinheiro alheio, os vereadores e o prefeito da cidade resolveram que as empresas poderiam pagar US$ 4 a mais por hora e ponto final. Detalhe: o salário mínimo na Califórnia é de US$ 14 por hora. 

Ou seja, o “hero pay” corresponde a um adicional de quase 30% sobre o salário mínimo do estado. 

Qualquer empresário ou gerente sabe que um aumento dessa magnitude na folha de pagamento, de um dia para o outro, pode ser desastroso para as contas de uma empresa.


Malvados são os empresários, que criam empregos em troco de lucro. Anjos mesmo são os políticos, que criam pobreza em troca de votos


Outras cidades californianas aprovaram leis semelhantes, algumas com até US$ 5 por hora de bônus obrigatório. E as redes de supermercados fecharam lojas nesses lugares também. Supermercados são empresas, empresas existem para dar lucro, e sem lucro a solução costuma ser fechar. Políticos são pessoas que vivem de dinheiro público, que por sua vez vem de impostos, que são cobrados de indivíduos e empresas. 

Portanto, somente por existirem, políticos são ralos de recursos. Quando aprovam leis desse tipo, multiplicam seu efeito tóxico e prejudicam a economia e, por conseguinte, a vida das pessoas que os elegeram.

É por esse tipo de coisa que eu sou a favor do Estado mínimo. Já assumi, aqui mesmo nesta coluna, que admito exceções em determinadas condições. Uma delas, inclusive, é a pandemia. Mas as intervenções que entendo serem justificáveis são as que colocam dinheiro do Estado de volta no bolso das pessoas, como foram os cheques de inventivo econômico do governo federal. 

Obrigar empresas de um certo setor a aumentar salários é algo injustificável, uma intervenção sem cabimento. Infelizmente, é o tipo de intervenção que seduz as pessoas, ainda mais quando se tenta demonizar os empresários, como fez o prefeito de Long Beach. 

Sim, malvados são eles, que criam empregos em troco de lucro. Anjos mesmo são os políticos, que criam pobreza em troca de votos.


Gazeta do Povo














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