por Bruna Frascolla
No último texto, estávamos na maravilhosa oferta de motoristas de Uber com doutorado, prontos para oferecer conhecimento altamente especializado para os seus clientes. Se a esquerda vivia reclamando do taxista reaça, o problema foi mesmo resolvido.
Nesta semana, a UNIFESP nos brindou com uma resolução institucional em que “para a criação da Política de de promoção de equidade e igualdade étnico-racial, prevenção e combate ao racismo da Unifesp, considera-se: […] interseccionalidade: conceito/categoria que indica a inseparabilidade estrutural do racismo, capitalismo e cisheteropatriarcado [sic]. Oriundo das experiências afrodiaspóricas das mulheres negras, funda-se no mundo atlântico como locus de opressões cruzadas em que as dimensões de raça, classe, gênero, sexualidade, orientação sexual, origem, território, geração, dentre outras, se articulam na configuração dos sistemas de opressão.”
Entendeu? Nem eu, mas aonde isso leva, a gente já sabe: só com o fim do capitalismo o racismo, o machismo e as fobias todas vão acabar. E nós financiamos isso.
Perdoem o salto do Uber para o combate institucional da UNIFESP ao cisheteropatriarcado capitalista. É que a finalidade deste texto é mostrar como uma coisa está conectada à outra e a conexão entre ambas é o Plano de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais, vulgo Reuni, anunciado em 2007 pelo ministro Fernando Haddad.
Correntes de esquerda extintas
Hoje a esquerda pode ser facilmente atrelada à obsessão por raça, gênero e sopa de letras, mas quem não nasceu ontem há de se lembrar que o comunismo sempre tratou a homossexualidade como “desvio burguês” e a raça como menos relevante do que classe social. Um proletário negro era tão proletário quanto um proletário branco e a questão racial era mais fácil de resvalar para um antissemitismo circunstancial (a identificação de judeus com banqueiros) do que para uma causa pró-negro.
Carlos Marighella certamente ficaria surpreso ao se ver pintado como herói negro, dado que ele se considerava mulato com muita naturalidade, e aprendera com seu pai, operário italiano, a ser um subversivo. Pelas lentes esquerdistas de hoje, Marighella não só é negro, como seu pai era um opressor por ser homem, branco, cis e hétero que objetificou pelo menos uma mulher negra (a esposa). Depois o próprio contribuiu para a “solidão da mulher negra” e seus netos são brancos.
A esquerda brasileira mais ou menos organizada surge no começo do século passado no seio do Exército. Deslizava do positivismo comteano para o marxismo, e seu pioneiro, segundo Paim, é Leônidas de Rezende (1889-1950), cuja obra visava mostrar que Comte e Marx defendiam a mesma coisa, divergindo somente no método. Assim brota dos quartéis a Intentona Comunista de 1935, que é esmagada por Getúlio Vargas. Hoje esquecido, por uns cinquenta anos o capitão Luís Carlos Prestes seria o primeiro nome que brotaria na cabeça de um brasileiro como ícone do comunismo neste país.
Só em 1964 se extirparia o comunismo das Forças Armadas brasileiras, por um processo interno ancorado pelo poder Executivo. Durante a última ditadura, em meio aos rachas entre soviéticos (do PCB de Prestes), guevaristas e maoístas (uma miríades de siglas de guerrilheiros), além de albaneses (do PCdoB), entraram em cena os católicos organizados (AP). Num processo difícil de explicar ou de detalhar, parece que foram desaparecendo essas facções especificamente comprometidas com a URSS, Mao, Guevara ou Enver Hoxha, e despontando um esquerdismo difuso, ao estilo da teologia da libertação, que prega a revolução e o terrorismo para libertar os pobres já neste mundo. O primeiro ataque terrorista contra civis é de autoria da católica AP, em Guararapes, e foi o gatilho para o AI-5.
Esquerdas sobreviventes
A esquerda disciplinada, militar e otimista foi substituída por uma outra, catártica, universitária e depressiva. O único vínculo histórico entre ambas era a oposição a Getúlio, haja vista que tanto a AP (que terminou absorvendo o PCdoB) quanto a Ação Integralista advêm da Ação Católica. A esquerda católica segue firme e forte, fomentando invasões de terras (pastoral da terra e MST), abolicionismo penal (pastoral carcerária), ataques terroristas, golpes de narcoditadores (vide a Revolução Sandinista), tráfico de drogas, consumo de crack disfarçado de caridade (vide a atuação da Igreja na Cracolândia). A meu ver, esse é um assunto que deveria receber tanta atenção dos católicos ibero-americanos quanto a pedofilia, no mínimo. Considerar a Teologia da Libertação uma heresia de pouco ou nada vale, se as pastorais continuam agindo do mesmo jeito, sob a égide da Igreja.
A outra corrente sobrevivente – essa que gosta de falar coisas como “cisheteropatriarcado – surgiu mais tarde, com a Escola de Frankfurt, a chamada Nova Esquerda. Por alguma razão que me escapa, eles tiraram a economia de Marx, a Revolução propriamente dita (com armas e tudo) e o fim da propriedade privada, mas, por alguma razão, continuam se dizendo marxistas. Do marxismo, mantiveram somente a ideia de haver uma luta entre grupos oprimidos e opressores.
Assim, em vez de o proletariado do mundo se unir para matar os burgueses e instituir uma ditadura classista sem propriedade privada, esses “marxistas” aspiram a uma aliança entre negros, transexuais, lésbicas e até gordos para “ocupar espaços” em posição de poder. Dê um carguinho bem remunerado a uma mulher negra trans lésbica politicamente correta e não é necessário esse negócio trabalhoso de pegar em armas e derrubar um Estado. Revolução para eles é botar cota em absolutamente tudo para garantir renda e poder, além de criar leis que mandem os críticos para a cadeia.
Duvido que uma democracia possa existir em tais condições, mas decerto não é uma revolução tradicional o que se prega. Está mais para corrosão. E o ponto de chegada não é a abolição da propriedade privada. Está mais para um Estado corporativo tal como pregado por Mussolini.
Assim, há duas correntes de esquerda, hoje, juntas e misturadas: a dos leonardos boffes e a das djamilas, ou seja, a corrente católica e a pós-moderna. Que estejam misturadas, vocês podem ver pela nova Campanha da Fraternidade ou pelas pautas foucaultianas da Pastoral Carcerária.
Do CEBRAP para o Brasil
Não é segredo para ninguém que a nova esquerda, no Brasil, fica tentando imitar os Estados Unidos. Tampouco é segredo que as humanidades da USP sejam um antro de esquerdismo. O que pouco se atenta é à formação de duas facções distintas, a petista e a tucana, tendo ambos os partidos fundadores na USP. Por muito tempo, a polarização se dava entre os petistas adeptos de Chaui e os tucanos adeptos do seu colega e rival Giannotti.
Podemos dizer, no entanto, que PT e PSDB, embora parecidos, têm a diferença de o primeiro contar com uma grande influência católica em sua fundação, ao passo que o PSDB tem muito do CEBRAP. Este é um Centro de Estudos fundado pela sinistra Fundação Ford em 1969 para abrigar (e financiar ainda mais) os professores de humanas aposentados pelos militares, tais como Fernando Henrique Cardoso.
A Fundação Ford, que tem raízes antissemitas e racista, financia o progressismo mundo afora. Assim, por muito tempo os petistas da USP viviam dizendo que o CEBRAP era da CIA e os progressistas eram de direita. No entanto, o PT tem em seus quadros uspianos figuras indiscerníveis de um intelectual formado pela Fundação Ford, tais como Florestan Fernandes e Fernando Haddad, que veio a ser ministro da educação no governo Lula.
Foi ele quem criou o Reuni em 2007.
“Reestruturação” é ideologia
Como vimos, o Reuni tem R de reestruturação e é seguido por um E de expansão. A expansão é isto que nós vimos: a abertura de federais por todo o Brasil, com aumento de vagas. As universidades são, em tese, autônomas, por isso as federais, em tese, tiveram a opção de não aderir ao Reuni. Como elas são impedidas de captar recursos de maneira independente e de gerir seu pessoal de maneira racional, essa autonomia é letra morta. Todos os recursos vêm da União, todos os salários são fixados pela União e toda a folha de aposentadoria está incluída nos orçamentos das federais.
O Ministro Haddad colocou a adesão das federais ao Reuni como condição para elas receberem um aumento de 20% da receita. Foi chantagem.
A meta numérica da expansão era fazer com que 90% dos alunos concluíssem os cursos e, ao mesmo tempo, fazer com que houvesse 18 alunos por professor. Esta última só parece uma meta razoável se você esquecer que as federais têm cursos vazios – como física, museologia, grego – e que não podem ser fechados. No caso da UFBA, a relação à época do documento era de 11,4 alunos por professor. Quanto à meta de conclusão de curso, não tem canetada que dê jeito e o aumento de matrículas de calouros foi acompanhado pelo aumento de desistência. Antes do Reuni, mais alunos se formavam do que desistiam. Depois, a coisa mudou de figura.
Além da expansão, formulada em números, era exigido das universidades que adotassem o ideário pós-moderno, que incluíam as cotas raciais. Para o documento do Reuni, é missão da universidade a “construção de novos saberes e de vivência de outras culturas, de valorização e de respeito ao diferente”. Mas há novos saberes dependentes de culturas ou a ciência é uma só? Bom, segundo a UNIFESP de 2021, não só há saberes variáveis conforme a cultura, como merecem as “cotas epistêmicas” (sic), focadas “na busca permanente, consignada nas lutas empreendidas por grupos historicamente subalternizados, no sentido de promover o reconhecimento, a valorização e legitimação de diferentes e variadas formas de saber, conhecer, entender e explicar o mundo.”
E o Uber com isso?
Com a expansão do Reuni, criou-se uma montanha de pós-graduados muito superior à capacidade dos departamentos de absorvê-los. Mas ao mesmo tempo a expansão do Reuni foi uma beleza para quem era recém-doutor em 2007, já que isso implicou concursos e mais concursos pelo Brasil todo, quando se abriam cursos novos e se criavam federais.
Já expliquei aqui como é concurso de professor universitário. Não é impessoal e envolve guerra de facção acadêmica.
A facção acadêmica de esquerda no poder era a uspiana progressista, estilo CEBRAP. Ela açambarcou as vagas de concurso Brasil afora e acabou com a diversidade acadêmica no país. Além disso, a esquerda antiga não era inimiga das ciências duras e os problemas dos departamentos de humanas não se infiltravam para os demais.
O excesso de doutores desempregados e a homogeneização do politicamente correto na universidade são, ambos, consequência desse documento de 2007.
Gazeta do Povo
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