por Fernando Fabbrini
Meu pai cuidava com carinho e ciúmes do seu velho radio Pilot, um monstrengo envernizado em tons escarlates. Sintonizado na Rádio Nacional ouviu os choros de Jacob do Bandolim; sambas do Bando da Lua e acompanhou as transmissões internacionais dos jogos das Copas de 58 e 62 na voz do locutor que oscilava em meio aos chiados da estática.
Pontualmente às 8 da noite ele postava-se ao lado do Pilot para escutar “o primeiro a dar as últimas”, o seu "Repórter Esso". Viajando pelo éter, desde os pampas até os cafundós da Amazônia, os quilohertz da Nacional atualizavam milhares de brasileiros com notícias do país e do mundo. O que chegava através do rádio no timbre potente e dramático de Heron Domingues era a verdade indiscutível – e estamos conversados.
- Ouvi ontem no "Repórter Esso"!
Com a expansão das TVs, novos porta-vozes assumiram os papéis de arautos das boas e más notícias. Durante décadas os programas jornalísticos vinham revestidos dessa estranha infalibilidade; recheados de sapiência; incontestáveis nas informações que espalhavam.
- É verdade; deu no "Jornal Nacional".
Otto von Bismarck, o chanceler de ferro, ponderou que os cidadãos não dormiriam tranquilos se soubessem como são feitas as salsichas e as leis. Caso vivesse hoje, o prussiano certamente ampliaria seu mote inserindo ao final, após salsichas e leis, o complemento “...e as notícias”.
Além dessa pretensa primazia, protegida num pedestal soberano, a televisão ainda criou filhotes especializados em economia, esportes, sociologia, beleza, moda, gerenciamento de riscos, medicina, psicologia, acidentes aéreos, naufrágios, sobrevivência na selva, criação de cangurus e sabe-se lá mais o quê. Tais figuras pontificavam; mantinham-se firmes, serenas e, sobretudo, muito bem pagas pelas emissoras com contratos de exclusividade.
Daí, as redes sociais surgiram e bagunçaram tudo. Umberto Eco já alertara para os milhões de idiotas que ganhariam voz pela internet. Porém, não se pode negar o lado bom da coisa: a rede abriu canais de informação, comunicação e discussão até então inéditos. As emissoras levaram um susto, sentiram o golpe e continuam atordoadas até agora. De repente, não detinham mais a exclusividade da notícia, da interpretação conveniente do fato e – pior! - do viés político-ideológico com o qual manipulavam o conteúdo em função de seus próprios interesses e dos interesses de seus anunciantes. Perderam a valiosa exclusividade, milhões de telespectadores e patrocínios vultuosos.
Feito um petardo desorientado, o estrago alcançou de tabela os especialistas em assuntos diversos da TV. Antes, tinham as agendas cheias (e bolsos idem) como convidados de honra e palestrantes em seminários, congressos, encontros empresariais, universidades, eventos diversos. Emanavam confiança, orientação e sabedoria naquilo que diziam ao microfone para a plateia atenta. Uma dessas famosas jornalistas-especialistas chegava a atender a quatro ou cinco compromissos por semana, pelos quais recebia cachês na faixa de dezenas de milhares de reais.
Vários deles tentam se adaptar como podem ao modo “streaming” de viver. O problema é que, antes, gozavam da blindagem provida pela via de mão única da televisão: falou para a câmera, transmitiu, acabou. Já agora, pelas redes, se expuseram à realidade da interação imediata. Falam e são bombardeados em segundos por internautas; devem conviver com a crítica sem filtros, “haters”, anônimos e demais personagens. E mais: a cada dia perdem a concorrência para youtubers, influencers e novas celebridades reveladas no embalo caótico - mas democrático - da internet.
Agora, todo mundo tem um celular – esta pequena e fantástica emissora que levamos no bolso. Cada cidadão ganhou voz própria e virou testemunha ocular da história, como dizia o slogan do velho "Repórter Esso".
*Publicado originalmente em O Tempo, de BH
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