por Guilherme Fiuza
— Olá. Sou da agência de checagem Fato Sagrado.
— Pois não. Em que posso ajudar?
— Preciso checar alguns fatos.
— Imaginei. Quais fatos?
— Em primeiro lugar, estaremos verificando se você é você.
— Como assim? Claro que eu sou eu! Quem mais eu poderia ser?
— Não sei. Hoje em dia estão espalhando muita fake news. Mas não se preocupe, nossa missão é a verdade. O fato é sagrado. Se você é você mesmo, não há o que temer.
— Que bom. Estou à sua disposição. Quer ver minha carteira de identidade?
— Não será necessário mostrar documentos.
— Ah, OK. Então o processo é bem simples mesmo, né?
— Muito simples. Não existe nada mais simples do que a verdade.
— Tá. Sendo assim podemos começar logo, pra acabar logo?
— Você parece um pouco ansioso.
— Desculpe, não quis menosprezar o seu trabalho.
— Tudo bem. Mas cuidado com o que fala. Qualquer fresta é suficiente para a verdade aparecer.
— Mas eu não estou escondendo nada.
— Isso é que a nossa lente vai dizer. Temos lentes poderosas.
— Estou ficando com medo.
— Não precisa ter medo. Quem não deve não teme.
— É que lembrei de um filme sobre perseguição fascista.
— Você gosta de filmes fascistas?
— Eu não disse isso.
— Mas eu só posso perguntar o que você já disse? Não acha isso um pouco autoritário?
— Você pode perguntar o que quiser. E a minha resposta é só o que eu responder.
— Depende. Nosso trabalho é verificar verdades escondidas sob respostas aparentemente perfeitas.
— OK. Que tal então você iniciar o seu questionário pra fazer a verificação?
— Já iniciei. E estou anotando agora: “Mais um sinal de ansiedade, típico de quem quer esconder algo”.
— O que você acha que estou escondendo?
— Está me pressionando a antecipar a conclusão da checagem?
— Não. Pode continuar checando.
— Ótimo. Próxima pergunta: em quem você votou na eleição passada?
— Não entendi. Você não disse que queria verificar se eu sou eu?
— Exato.
— E em que a informação sobre o meu voto vai te servir para me comparar comigo?
— Temos parâmetros científicos que não podemos revelar. Limite-se a responder o que foi perguntado.
— Estou só querendo ajudar. Como o voto é secreto, se eu mentir você não vai ter como checar. Isso pode comprometer a sua apuração da verdade.
— Por dever de transparência vou lhe reportar o que estou registrando agora na ficha de checagem: “Evasivo diante de pergunta embaraçosa. Indício claro de personalidade oculta, portanto potencial propagador de fake news”.
— OK.
— Vou precisar marcar os seus perfis como suspeitos e as suas postagens como desinformação, recomendando o banimento das suas contas.
— OK.
— O que você está fazendo?
— Telefonando.
— Pra quem?
— Pra polícia.
— Polícia?!
— Calma. Eles só vão te fazer umas perguntas sobre falsidade ideológica, constrangimento ilegal, difamação e tentativa de coerção.
— Mas…
— Não se preocupe. Quem não deve não teme.
0 comments:
Postar um comentário