Jornalista Andrade Junior

quarta-feira, 22 de julho de 2020

"Se um senador quiser esconder um cadáver em seu gabinete, é só pedir uma liminar para o Toffoli"

J.R. Guzzo:

     FOTO ANDRADE JUNIOR
O jurista Walter Maierovitch, um dos mais competentes comentaristas da atual cena jurídica brasileira, propõe uma hipótese interessantíssima para a possível consideração dos nossos senadores e ministros do Supremo Tribunal Federal
Digamos que um senador da República mate a própria mãe (Maierovitch não entra nesses detalhes; refere-se apenas a um possível homicídio por parte do senador) e esconda a ossada, ou os chamados restos mortais, num armário no seu gabinete de trabalho. 
A polícia passa a investigar o crime. Se quiser, como manda o manual de instruções mais elementar de qualquer trabalho policial, entrar no gabinete do senador à procura de provas, vai ficar sabendo que não pode – o Supremo não deixa.
É precisamente o que acaba de acontecer com o senador José Serra, acusado de corrupção passiva em São Paulo na época em que mandava no governo. 
A Polícia Federal, cumprindo sua obrigação de investigar um crime previsto no artigo 317 do Código Penal Brasileiro, precisava examinar o seu gabinete em busca de provas. 
O presidente do senado, Davi Alcolumbre, pediu imediatamente que o Supremo proibisse a entrada dos policiais na sala de Serra. 
Foi atendido na hora por Antônio Toffoli. Isso aqui é o Brasil, estão dizendo os dois para a PF e para os 200 milhões de brasileiros – a polícia não pode investigar os crimes que a gente não deixa. 
Moral da história: se você for senador e quiser esconder um cadáver em seu gabinete, é só pedir uma liminar para o Toffoli
A Justiça brasileira virou uma alucinação. 
Entre outros delírios, ela torna impossível saber se Serra é culpado ou não – se é legalmente proibido investigar o que ele fez, como é que vai se descobrir alguma coisa? 
A traficância exposta acima não é um surto passageiro de insânia safada – é descrita pelos gigantes do nosso atual pensamento “civilizado” como uma demonstração admirável da “democracia no Brasil”, e uma prova superior que “as nossas instituições estão funcionando”. 
Não é nada disso, é claro. 
Uma criança de 10 anos de idade seria capaz de perceber que esse arranjo é uma óbvia evidência de “troca de chumbo”, como se dizia na Bolsa de Valores – você compra de mim, eu compro de você e as ações disparam para cima. 
No caso, uns julgam os outros. Só o Senado pode julgar os crimes dos ministros do STF. Só os ministros do STF podem julgar os crimes dos senadores. 
Vai ser mais fácil o camelo da Bíblia passar pelo buraco de uma agulha do que senadores e magistrados se incomodarem algum dia.

É curioso. 
Quando a PF invade as casas de deputados de direita às 6 horas da manhã, apreende celulares e intima os parlamentares para prestar depoimento, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e seus companheiros de resistência democrática não dão um pio. 
Mas basta falar em roubalheira para o senador Alcolumbre se ligar em menos de três segundos. 
É o modelo 2020 da democracia brasileira.

 O Estado de S.Paulo





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