Jornalista Andrade Junior

domingo, 19 de julho de 2020

"Saneamento e interesse público",

editorial do Estadão

FOTO ANDRADE JUNIOR
O Congresso aprovou e o presidente Bolsonaro sancionou a Lei 14.026/2020, com o novo marco legal do saneamento básico. Ainda que tenham gerado desconforto em alguns parlamentares, os vetos presidenciais ao texto são positivos, reafirmando os propósitos da nova lei – modernizar o setor e atrair investimentos para que todos possam ter, no menor tempo possível, acesso aos serviços de água e esgoto. Se é uma vergonha que parte significativa da população tenha de viver em condições sanitárias do século 19, ainda mais vergonhosa é a utilização desse atraso para interesses políticos. Sempre, mas especialmente em tema tão fundamental, o interesse público deve prevalecer. Os vetos devem ser mantidos.
Entre os vetos apostos pelo presidente Bolsonaro, a maior controvérsia surgiu em relação à renovação de contratos por estatais que prestam atualmente serviços de saneamento por mais 30 anos e sem necessidade de licitação. Segundo o texto aprovado pelo Congresso, os contratos vigentes de prestação dos serviços públicos de saneamento básico por empresa pública ou sociedade de economia mista, bem como as situações de fato do setor – quando nem sequer há contrato entre a empresa e o poder público –, poderiam ser renovados mediante acordo entre as partes até 31 de março de 2022, sem que fosse preciso realizar nenhum processo licitatório.
Essa possibilidade de renovação sem licitação adiaria os benefícios do novo marco legal do saneamento, além de suscitar evidente problema moral. Como consta nas razões do veto, ela “prolonga de forma demasiada a situação atual, de forma a postergar soluções para os impactos ambientais e de saúde pública decorrentes da falta de saneamento básico e da gestão inadequada da limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos”.
A possibilidade de renovação de contratos sem licitação foi incluída no texto legal por pressão de governadores, mais preocupados em manter o controle sobre as companhias estaduais de saneamento, quase todas à míngua de recursos, do que em resolver o problema dos serviços de água e esgoto. Vem de longa data a oposição de alguns chefes do Poder Executivo estadual a toda e qualquer modernização do setor. Basta lembrar, por exemplo, a resistência levantada contra as duas Medidas Provisórias (MPs) 844/18 e 868/18 editadas pelo presidente Michel Temer. Não foi, pois, nenhuma novidade que, um dia antes da sanção do novo marco, 16 governadores tenham enviado uma carta ao presidente Bolsonaro pedindo que fosse mantida a possibilidade de renovação dos contratos atuais por 30 anos sem licitação.
Ao justificar o veto a essa permissão, o governo federal também lembrou que “a proposta, além de limitar a livre-iniciativa e a livre concorrência, está em descompasso com os objetivos do novo marco legal do saneamento básico que orienta a celebração de contratos de concessão, mediante prévia licitação, estimulando a competitividade da prestação desses serviços com eficiência e eficácia, o que por sua vez contribui para melhores resultados”. O processo licitatório é instrumento para assegurar a concorrência e a transparência na celebração dos contratos pelo poder público, com o objetivo de prover melhores serviços à população. Não faz nenhum sentido que o diploma legal que veio estabelecer um novo padrão de conduta autorize que, pelos próximos 30 anos, os contratos sigam o padrão anterior.
Outro veto importante se refere à desobrigação da licitação para serviços de resíduos sólidos e drenagem. O texto aprovado no Congresso exigia processo licitatório apenas para os serviços de água e esgoto. Com o veto, todos os contratos de saneamento precisam se submeter à licitação.
O Legislativo fez um excelente trabalho aprovando a Lei 14.026/2020. Especial menção merece a atuação do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), relator do projeto no Senado, cuja dedicação foi decisiva para a aprovação do novo marco do saneamento. Não é momento de o Congresso reduzir essa contribuição ao interesse público. Lideranças partidárias e Executivo devem trabalhar coordenadamente para manter os vetos.






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