por J. R. Guzzo
O jurista Walter Maierovitch, um dos mais competentes comentaristas da atual cena jurídica brasileira, propõe uma hipótese interessantíssima para a possível consideração dos nossos senadores e ministros do Supremo Tribunal Federal. \
Digamos que um senador da República mate a própria mãe (Maierovitch não entra nesses detalhes; refere-se apenas a um possível homicídio por parte do senador) e esconda a ossada, ou os chamados restos mortais, num armário no seu gabinete de trabalho. \
A polícia passa a investigar o crime. Se quiser, como manda o manual de instruções mais elementar de qualquer trabalho policial, entrar no gabinete do senador à procura de provas, vai ficar sabendo que não pode — o Supremo não deixa.
É precisamente o que acaba de acontecer com o senador José Serra, acusado de corrupção passiva em São Paulo na época em que mandava no governo. A Polícia Federal, cumprindo sua obrigação de investigar um crime previsto no artigo 317 do Código Penal Brasileiro, precisava examinar o seu gabinete em busca de provas.
O presidente do Senado, David Alcolumbre, pediu imediatamente que o Supremo proibisse a entrada dos policiais na sala de Serra. Foi atendido na hora por Antonio Toffoli.
Isso aqui é o Brasil, estão dizendo os dois para a PF e para os 200 milhões de brasileiros — a polícia não pode investigar os crimes que a gente não deixa. Moral da história: se você for senador e quiser esconder um cadáver em seu gabinete, é só pedir uma liminar para o Toffoli.
A Justiça brasileira virou uma alucinação. Entre outros delírios, ela torna impossível saber se Serra é culpado ou não — se é legalmente proibido investigar o que ele fez, como é que se vai descobrir alguma coisa?
A traficância exposta acima não é um surto passageiro de insânia safada — é descrita pelos gigantes do nosso atual pensamento “civilizado” como uma demonstração admirável da “democracia no Brasil”, e uma prova superior de que “as nossas instituições estão funcionando”. Não é nada disso, é claro.
Uma criança de 10 anos de idade seria capaz de perceber que esse arranjo é uma óbvia evidência de “troca de chumbo”, como se dizia na Bolsa de Valores — você compra de mim, eu compro de você e as ações disparam.
No caso, uns julgam os outros. Só o Senado pode julgar os crimes dos ministros do STF. Só os ministros do STF podem julgar os crimes dos senadores. Vai ser mais fácil o camelo da Bíblia passar pelo buraco de uma agulha do que senadores e magistrados se incomodarem algum dia.
É curioso.
Quando a PF invade as casas de deputados de direita às 6 horas da manhã, apreende celulares e intima os parlamentares a prestar depoimento, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e seus companheiros de resistência democrática não dão um pio.
Mas basta falar em roubalheira para o senador Alcolumbre se ligar em menos de três segundos. É o modelo 2020 da democracia brasileira.
Revista Oeste
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