- EDITORIAL O GLOBO
Há 60 meses a Operação Lava-Jato expõe o sistema de subornos construído por cartéis privados em parceria com agentes públicos para fraudar contratos com o governo, empresas como Petrobras, Eletrobras, Caixa, BNDES, BB e os seus fundos de pensão.
No entanto, até agora quase nada se conhece sobre o processo de decisões no Palácio do Planalto e nos ministérios que alavancou a concessão de créditos a governos estrangeiros por razões essencialmente políticas — em condições extraordinárias e com garantias do Tesouro brasileiro.
É uma lacuna ainda aberta nas investigações sobre os danos ao setor público causados pela influência político-partidária em contratos feitos na última década e meia.
É preciso apurar os motivos e os resultados efetivos da política de subsídios a negócios investigados por corrupção na América Latina e na África. De 2003 a 2015, os governos Lula e Dilma usaram o BNDES para emprestar dinheiro a países “amigos”, como Venezuela, Cuba, Angola e Moçambique. Multiplicaram-se por dez os desembolsos anuais do banco, sempre com garantia do Tesouro. Somente para esses quatro países foram US$ 12,5 bilhões no período. Comparado ao movimento de empréstimos do BNDES nessa etapa (mais de 3% do Produto Interno Bruto), pode-se argumentar que tal volume de crédito é relativamente reduzido.
As implicações dessas operações, porém, são graves: para cada US$ 1 bilhão desembolsado aos “amigos” na América Latina e na África, tem-se cerca de US$ 400 milhões em inadimplência —debitada no Tesouro, a conta é paga pelos brasileiros.
Essa política não apenas se provou insustentável como, também, abalou a imagem do BNDES, vítima da falta de zelo com a própria independência institucional: aceitou passivamente ordens para dar créditos de US$ 5,7 bilhões a governantes da Venezuela, de Cuba, Angola e Moçambique, e acabou enredado em investigações policiais, devassas dos órgãos de controle e sucessivas comissões parlamentares de inquérito — há uma nova na Câmara.
O foco no BNDES lança luz sobre alguns negócios, mas mantém na escuridão o processo de decisões e os responsáveis por essa política de favores no período entre 2003 e 2015.
Um exemplo é o socorro de US$ 4,9 bilhões a Cuba, equivalente a 10% do PIB do país na época. Foi aprovado em fevereiro de 2010 pelo conselho de ministros da Câmara de Comércio Exterior (Camex), organismo da Casa Civil da Presidência.
Outro caso é o da chancela ao crédito para a obra de um porto no Caribe com lastro (parcial) na venda de charutos cubanos. Não houve estudos prévios de viabilidade ou justificativa jurídica, comprovou o TCU, e sobram evidências de manipulação dos critérios bancários.
Falta apurar, esclarecer e responsabilizar toda a cadeia de comando desse desastre bilionário.
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