por Fernando Gabeira
Temer sabe muito bem que incluir corruptos no seu indulto de Natal vai
abrir um abismo maior ainda entre ele e a sociedade, que condenou pelo
voto as velhas práticas da política brasileira. Mas, por outro lado, vai
aumentar seu crédito junto aos presos, não só os que participavam da
aliança no governo, mas também os do seu próprio partido: ex-ministros,
parceiros como Eduardo Cunha.
Pezão declarou que tinha saudades de Sérgio Cabral e gostaria de
abraçá-lo na cadeia. Disse também que gostaria de encontrar Lula. Nunca
se sabe para onde vão te levar após a prisão.
Não é correta, se essa ideia for verdadeira, a tese de que os políticos
brasileiros não veem um palmo diante do nariz. Quando houver tempo,
poderemos até investigar os reflexos da passagem de tantos dirigentes
pelas cadeias que alguns até ignoravam como funcionam.
Por enquanto, ainda temos que lidar com os seus rastros em liberdade. O
indulto é um deles. É possível indultar presos por corrupção? A maioria
dos ministros disse sim, afirmando que não há restrições a esse crime.
Tratam de um presidente abstrato. Temer é investigado, duas vezes a
Câmara lhe forneceu uma blindagem. Ele vai libertar presos da Lava-Jato,
a mesma operação que desmantelou toda a quadrilha da qual é um dos
principais remanescentes em liberdade.
Nessas circunstâncias, só resta o protesto nas ruas. Mas, ainda assim, o
tema nos colhe num mês ingrato para protestos. Há 50 anos, o regime
militar lançou o AI-5, endurecendo sua política e realizando a censura
nos jornais com a presença de seus agentes no interior das redações.
O aniversário de meio século do AI-5 será no dia 13. Uma das lembranças
mais nítidas que tenho do período foi, precisamente, a dificuldade de
protestar. Não nos prendiam por isso, mas era um período de Natal: o
“blim blão” dos sinos, o farfalhar de papéis enrolando presentes, o
panetone em promoção. Ninguém queria saber de AI-5. Ainda bem que
dezembro de 68 está longe, tanto o país quanto o Natal devem ter mudado
nesse período. De qualquer forma, cuidado com dezembro.
Mais próximo de minha memória está a aventura de ter feito política no
Rio de Janeiro e tentar, de alguma, forma derrubar a máfia bilionária
que acabou arruinando o estado.
Em 2010, por exemplo, Cabral já gastava fortuna com robôs na internet.
Chegamos a reunir documentos para oferecer à imprensa. Os robôs não
falavam inglês, mas tinham um forte sotaque, escreviam frases
grosseiramente traduzidas. Ninguém se interessou. O tema era era muito
abstrato naquela época. Era o mesmo que falar do rombo na camada de
ozônio: ninguém o notava a olho nu.
Apesar de tudo, não restou ressentimento. Sobretudo no caso de Pezão. Em
muitos desastres, o encontrei trabalhando. Sérgio Cabral não visitava
os locais de tragédia. Como jornalista, entretanto, não pude deixar de
comentar um tema, naquela época do escândalo dos guardanapos. O
apartamento de Pezão tinha sido assaltado no Leblon e, segundo a
notícia, foram levadas muitas joias. Soou estranho para mim que um homem
aparentemente simples tivesse muitas joias em casa. O tempo passou,
eles foram sendo presos aos poucos, hoje quase todo o governo está na
cadeia, inclusive sua base parlamentar.
O Rio quebrou, foi preciso uma intervenção federal na segurança pública,
o estado elegeu um homem desconhecido do grande publico até as vésperas
da eleição. Às vezes tento esquecer todo esse período sinistro. Os
principais atores estão presos. Isso conforta parcialmente a opinião
pública. Mas o legado ainda vai nos assombrar durante muitos anos. Foi
uma calamidade que passou em nossa vidas e algumas consciências se
deixaram levar. Agora é juntar os cacos, abastecer o motor econômico do
Rio com o petróleo que restou, e subir de novo a montanha. Pra cima, é
preciso fôlego.
Pezão entrou, outros serão soltos por Temer, que um dia será preso
tambem. Não é um caminho linear. Murilo Mendes tem um verso em que diz:
“Ainda não estamos habituados com o mundo/ Nascer é muito comprido.”
No caso do Brasil, então, o parto é muito prolongado.
O Globo
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