MARIO MESQUITA Valor Econômico
As candidaturas e as equipes de assessores econômicos ainda estão, em muitos casos, em formação, mas os temas mais importantes já são conhecidos, e já há manifestações de lideranças políticas sobre eles. Há tantas notáveis convergências quanto divergências.
Entre as convergências, vale destacar a necessidade de se adotar medidas de ajuste fiscal. A aritmética acaba se impondo, e há uma compreensão razoavelmente generalizada de que, sem um maior controle sobre o ritmo de crescimento do gasto público, como prevê a Emenda Constitucional nº 95/2016, a chamada "PEC do Teto", controlar o crescimento da dívida pública torna-se algo extremamente desafiador. O teto para o crescimento de gastos primários federais tende a se tornar insustentável a partir de 2020, sem a reforma da Previdência Social.
Assim, um divisor de águas, durante a campanha, deve ser a atitude de cada candidatura perante o teto de despesas e a reforma da Previdência - com manutenção do regime atual ou transição para um de capitalização. Se viver com o teto é considerado inviável, ou indesejável, o que se pretende colocar no lugar?
O teto já faz parte de uma estratégia de ajuste fiscal bem gradualista, sob a qual não se antevê a geração de superávits primários antes de 2021. Cada candidato e sua equipe deveriam, a seu tempo, se pronunciar se tal gradualismo é correto ou se preferem um ajuste mais rápido, ou ainda mais lento, e por quê.
Estimamos, no Itaú, que o desafio fiscal brasileiro chegue a cerca de 5 pontos percentuais do PIB, ou seja, sair de um déficit primário de 2,5% para um superávit dessa magnitude. Tal ajuste dificilmente será feito só com contenção de despesas ou unicamente via aumento de impostos. Ambos são necessários, mas em proporções distintas. Há evidências, compiladas por Francesco Giavazzi, Carlo Favero e Alberto Alesina (The output effect of fiscal consolidation plans, de 2015), que um ajuste voltado para o aumento de receitas tende a ser mais contracionista que os processos baseados no controle de gastos.
Mesmo assim, razões ideológicas podem levar um futuro governo a optar por uma relevante elevação da carga tributária - assim, durante a campanha seria ideal se os candidatos fossem cândidos em relação a seus planos (além de repetir algo com que todos concordam: é preciso simplificar nossa carga tributária).
E a política monetária? A atuação técnica do Banco Central (BC) não tem merecido maiores reparos entre economistas e tampouco tem sido objeto de críticas no meio político. Inflação e juros em queda e estabilidade cambial em um patamar aparentemente confortável para amplos segmentos da economia tendem a gerar esse tipo de cenário. De fato, um BC bem administrado cria na sociedade a ilusão de que sua autonomia formal seria desnecessária. Seria interessante saber o que as diferentes campanhas pensam sobre a questão da autonomia, atualmente perante o Congresso, bem como qual o seu grau de tolerância para com inevitáveis períodos de alta de juros e maior volatilidade cambial.
Se é (quase) consensual a necessidade de ajuste fiscal como o cerne da política macroeconômica de curto prazo, parecem existir muitas divergências no que tange à agenda microeconômica, tão ou mais importante para o potencial de crescimento do país. O Congresso aprovou uma importante medida (Lei de Responsabilidade das Estatais, Lei nº 13.303/16) sobre a governança das empresas estatais, que limita o escopo para nomeações políticas em cargos decisórios - não parece haver concordância entre todos os principais candidatos quanto a essa proposta.
Recentemente, o BC propôs, ainda que o formato legal siga incerto, passar a ter sobre as nomeações para a diretoria dos bancos públicos o mesmo poder de veto que detém no caso dos bancos privados. As mudanças na governança da Petrobras, bem como sua política de preços, também foram muito importantes para a virada na situação da empresa. Todos esses temas merecem debate detalhado na campanha eleitoral.
Uma das principais iniciativas do atual governo, que é apontada por economistas do trabalho e microeconomistas de renome como ensejando potenciais ganhos de produtividade importantes, foi a reforma trabalhista. Há pré-candidatos frontalmente opostos a ela e outros que têm mantido um silêncio ambíguo. Fica a questão: a reforma vai "pegar" ou, sob pressão de grupos de interesse e do próprio Executivo, vai virar letra morta?
Outro ponto importante é a alocação de capital. Em governos passados, se acreditou que o Estado, em especial por meio do controle sobre meios de financiamento, deveria ter papel central sobre isso, escolhendo campeões nacionais e setores privilegiados - os resultados, sabemos, ficaram bem aquém das expectativas. O Congresso aprovou em 2017 a criação da Taxa de Longo Prazo (TLP), que deve reduzir o escopo para subsídios creditícios, favorecendo indiretamente um papel de maior relevância para o mercado de capitais e o setor privado na alocação de recursos para investimento. Será que os candidatos querem voltar à estratégia de crescimento liderado pelo Estado, ou preferem deixar ao setor privado, no qual recompensas e penalidades inerentes ao processo de investimento são mais diretas e os incentivos melhor alinhados, as principais decisões?
Uma tradicional convergência no Brasil é a preferência pelo protecionismo. Não é por acidente que somos a economia mais fechada do G-20, um pouco mais fechada que a da Argentina, segundo dados do Banco Mundial para 2016. Infelizmente, o protecionismo não tem contribuído para fazer do Brasil uma economia dinâmica, nem uma em que se absorvam rapidamente os frutos do progresso técnico global. O Brasil pode e deveria abrir sua economia. O que pensam as equipes dos candidatos sobre esse tema?
Políticas educacionais não costumam ter papel de destaque nos programas econômicos dos candidatos, mas as dificuldades nesse setor têm papel muito importante para explicar nosso atraso relativo nas últimas décadas. Seria interessante saber o que os candidatos e suas equipes pensam a respeito, além da habitual menção à necessidade de se gastar mais com a educação.
Enfim, há alguma convergência sobre a necessidade de ajuste fiscal, embora menos sobre a urgência e a composição desse processo. Há certa trégua quanto ao BC, mas é difícil saber se se trata de algo estrutural ou de reflexo do momento do ciclo em que estamos. E há, aparentemente, muito menos convergência quanto aos cruciais temas microeconômicos acima citados, que vão definir nossa capacidade de crescimento. As eleições importam, e muito.
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