CARLOS ALBERTO DI FRANCO ESTADÃO
Cada tema apresentado ao leitor ao longo da série, como reforma da Previdência, ajuste fiscal, cerco à corrupção, desestatização e novo pacto federativo, traz soluções propostas por especialistas da área – Fucs fez mais de 50 entrevistas. A lista reúne nomes de peso, como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, autor do prefácio; o economista Antonio Delfim Netto, ex-ministro da Fazenda, do Planejamento e da Agricultura; os juristas Célio Borja e Nelson Jobim, ambos ex-ministros do Supremo Tribunal Federal (STF); e o cientista político Luiz Felipe d’Avila, presidente do Centro de Liderança Política.
O texto, agradável e elegante, é um magnífico waze jornalístico. Contorna os engarrafamentos provocados pela superficialidade informativa, evita a crescente poluição causada pela praga das fake news – cerca de 12 milhões de pessoas difundem notícias falsas sobre política no Brasil, de acordo com levantamento do Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para o Acesso à Informação (Gpopai) da Universidade de São Paulo (USP) – e ajuda o leitor a contextualizar e separar informação verdadeira do lixo declaratório.
O livro mostra a importância do jornalismo para a construção da democracia. Na verdade, não há um único assunto relevante que não tenha nascido numa pauta do jornalismo de qualidade. Os temas das nossas conversas são, frequentemente, determinados pelo noticiário e pela opinião dos jornais. A imprensa é, de fato, o oxigênio da sociedade. As redes sociais reverberam, multiplicam, agitam. Mas o pontapé inicial é sempre das empresas de conteúdo independentes. Sem elas a democracia não funciona.
O jornalismo não é antinada. Mas também não é neutro. É um espaço de contraponto. Seu compromisso não está vinculado aos ventos passageiros da política e dos partidarismos. Sua agenda é, ou deveria ser, determinada por valores perenes: liberdade, dignidade humana, respeito às minorias, promoção da livre-iniciativa, abertura ao contraditório. Por isso os jornais são fustigados pelos que desenham projetos autoritários de poder. O jornalismo sustenta a democracia não com engajamentos espúrios, mas com a força informativa da reportagem e com o farol de uma opinião firme, mas equilibrada e magnânima.
O bom jornalista ilumina a cena, o repórter manipulador constrói a história. A distorção, no entanto, escapa à perspicácia do leitor médio. Daí a gravidade do dolo. Na verdade, a batalha da isenção enfrenta a sabotagem da manipulação deliberada, da preguiça profissional e da incompetência arrogante. Todos os manuais de redação consagram a necessidade de ouvir os dois lados de um mesmo assunto. Mas alguns procedimentos, próprios de opções ideológicas invencíveis, transformam um princípio irretocável num jogo de aparências.
A apuração de mentira representa uma das mais graves agressões à ética e à qualidade informativa. Matérias previamente decididas em ambientes sectários buscam a cumplicidade da imparcialidade aparente. A decisão de ouvir o outro lado não é honesta, não se apoia na busca da verdade, mas num artifício que transmite uma máscara de isenção, uma ficção de imparcialidade. O assalto à verdade culmina com uma estratégia exemplar: repercussão seletiva. O pluralismo de fachada convoca pretensos especialistas para declararem o que o repórter quer ouvir. Mata-se a notícia. Cria-se a versão.
Certos setores da imprensa, vez por outra, têm caído nessa tentação antijornalística. Trata-se de uma prática que, certamente, acaba arranhando a credibilidade. O leitor não é tonto. A verdade, cedo ou tarde, acaba se impondo. O brilho da pauta construída com os ingredientes da fraude é fogo de artifício. Não é ético e não vale a pena. Ainda não conseguimos, infelizmente, superar a síndrome dos rótulos. Insistimos, teimosamente, em reduzir a vida à pobreza de quatro clichês: direita, esquerda, conservador, progressista. Tais epítetos, estrategicamente pendurados, têm dupla finalidade: exaltar ou afundar, gerar simpatias exemplares ou antipatias gratuitas.
A precipitação e a falta de rigor são outros vírus que ameaçam a qualidade. A incompetência foge dos bancos de dados. Na falta de pergunta inteligente, a ditadura das aspas ocupa o lugar da informação. O jornalismo de registro, burocrático e insosso, é o resultado acabado de uma perversa patologia: o despreparo de repórteres e o descuido com a edição. Quando editores não formam os seus repórteres, quando a qualidade é negligenciada, quando as pautas não nascem da vida real, mas de pauteiros que não sentem a vibração da vida, é preciso ter a coragem de repensar todos os processos.
A revalorização da reportagem, pautas próprias e o revigoramento do jornalismo analítico devem estar entre as prioridades estratégicas. É preciso atiçar o leitor com matérias que rompam a monotonia do jornalismo de registro. Menos aspas e mais apuração. Menos Brasília e mais País real. O leitor quer menos show político e mais informação de qualidade. A Reconstrução do Brasil é um excelente roteiro para entender os desafios e as contradições do País.
O Brasil do Estado ineficiente e da corrupção desenfreada está na berlinda. Como diz Fucs, precisamos construir o Brasil que “valoriza a meritocracia, o esforço individual e o sucesso alcançado sem pixulecos nem favores oficiais”. Vale a leitura.
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