RODRIGO CONSTANTINO GAZETA DO POVO - PR
Em Beyond Democracy, Frank Karsten e Karel Beckman sistematizaram os principais pontos fracos do modelo democrático. Ligados à Escola Austríaca, os autores holandeses adotam uma postura radical sobre o assunto. Mas mesmo que suas receitas sejam rejeitadas como inalcançáveis, o diagnóstico que fazem é válido e interessante.
Seguem a linha de Hans Herman Hoppe, que, em The God that Failed, faz um duro ataque ao regime idolatrado no Ocidente. Se você encara a democracia – o “governo do povo para o povo e pelo povo” – como uma espécie de religião, capaz de entregar as mais estapafúrdias promessas, então certamente sua desilusão será grande. O “Deus”, no caso, fracassou, e basta apontar para Lula ou para Trump, dependendo do viés ideológico, para concluir isso. Alguém vai sustentar que os melhores chegam ao poder por esse meio?
Para os libertários, a democracia não é sinônimo de liberdade. Na verdade, é seu oposto, pois inerente ao modelo democrático está um processo coletivista de escolha, que seria tão inviável quanto o socialismo. Vale notar que esta não era a opinião de um dos pais da Escola Austríaca, Ludwig von Mises, para quem o liberalismo era indissociável da democracia. Mas Mises nunca idolatrou esse sistema, que era um meio, não um fim em si.
Em vez de levar tão a sério os políticos e a eleição, os autores acham que deveríamos fazer troça deles, ridicularizá-los. Dessa forma, a legitimidade do poder seria esvaziada, e esse poder tem sido, com muita frequência, utilizado contra a liberdade individual, não a favor dela. Governos democráticos pelo mundo todo têm deixado um rastro de dívida pública, elevados impostos, crises intermináveis, além de péssimos serviços e muita corrupção. Essa tem sido mais a regra do que a exceção, e o caso brasileiro é ainda pior, como sabemos.
Se você encara a democracia como uma espécie de religião, capaz de entregar as mais estapafúrdias promessas, então sua desilusão será grande
Quando o assunto é a previdência social, praticamente nenhum país democrático foi capaz de criar um fundo com lastro para garantir a aposentadoria dos mais velhos. A burocracia é excessiva em todo lugar, variando de grau, mas sempre dando um jeito de prejudicar a vida dos indivíduos. Há regras para tudo, cada vez em mais detalhes. Se a democracia é uma religião secular, então parece acertado concluir que ela realmente falhou.
É preciso ter em mente, porém, a falácia do nirvana, que é apontar para falhas do mundo real e apresentar como solução uma utopia qualquer. O que colocar no lugar da democracia de massas? O propósito do livro não é tanto fornecer um modelo pronto como alternativa, e sim mostrar os riscos inerentes à democracia. E, se a maioria estiver ao menos consciente de tais riscos, então eles podem ser mitigados, quem sabe?
O primeiro ponto relevante é entender que a democracia, na prática, é um processo de escolha coletiva, bastante imperfeito. Não há motivo, portanto, para endeusá-lo, para considerá-lo infalível, repetindo que “a voz do povo é a voz de Deus”, até porque sabemos que as urnas não gritam exatamente a “voz do povo”. E mesmo que fosse o caso, o “povo”, essa abstração, pode muito bem desejar crucificar Cristo e soltar Barrabás, ou eleger Lula, Chávez ou Hitler. Não há garantias.
Outro ponto importante é que a democracia funciona melhor em comunidades menores, como nos cantões suíços ou nas ágoras gregas, onde quase todos se conhecem e decidem sobre coisas locais. Um parlamento nacional eleito por 200 milhões de eleitores vai certamente colocar no poder gente muito distante do esperado pela população, com seus próprios interesses afastados dos tais “interesses nacionais”.
Logo, a descentralização do poder e sua aproximação do cidadão, por meio do federalismo e do voto distrital, são fundamentais para um melhor funcionamento democrático, para se evitar a “tirania da maioria” sobre a qual Tocqueville alertava. Quanto mais distante do indivíduo, maior será a semelhança entre democracia e socialismo, pois os políticos vão concentrar benefícios e dispersar custos, jogando sobre ombros alheios o fardo dos privilégios que distribuem em troca de votos. E seu voto, em meio a tantos, não vale nada, sejamos francos. Garante somente uma ilusão de liberdade, nada mais.
Na metáfora dos autores, a democracia é como um ônibus cheio de passageiros que precisam decidir coletivamente seu destino. O “progressista” quer San Francisco; o conservador, Texas; e o libertário, Las Vegas. Eventualmente, o ônibus vai chegar a um local que simplesmente ninguém realmente desejava (Washington?). O ponto central aqui é que nem tudo na vida deve passar pelo processo democrático de escolha. A politização de esferas cada vez maiores da vida privada é um dos grandes problemas do mundo moderno.
O tom e o teor do livro podem ser contraproducentes para uma mente revolucionária, pois a mensagem transmitida pode ser a de simplesmente não agir, ignorar a política. O problema é que a política não vai nos ignorar. Logo, é suicídio os liberais adotarem essa postura contrária à própria política, pois deixarão o caminho livre para seus inimigos reais.
Dito isso, o livro pode ser importante, se for absorvido como um alerta para não esperar demais da democracia, para não encarar o governo como um Papai Noel, e sim um monstro em potencial com apetite voraz por nossos recursos. Reconhecer as coisas como elas são, sem romantismo, pode ser um primeiro passo para não ser refém de grandes enganos. Isso não é uma conclusão antidemocrática. Um casamento em que se espera a perfeição acabará em divórcio, mas, ciente dos desafios concretos, há chances de relativo sucesso, de bodas de diamante.
No mais, se dois lobos e uma ovelha querem decidir qual o jantar de forma democrática, isso deve ser enaltecido como um método justo?
Rodrigo Constantino, economista e jornalista, é presidente do Conselho do Instituto Liberal.
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