Jornalista Andrade Junior

quarta-feira, 11 de outubro de 2017

Corrupção, instituições e desenvolvimento -

MARIA CRISTINA PINOTTI ESTADÃO

Países mais desenvolvidos tendem a apresentar níveis menores de corrupção e países mais pobres, níveis mais elevados. Há, assim, uma forte correlação inversa entre a renda per capita e o índice de percepção de corrupção da Transparência Internacional, por exemplo. Mas não há uma relação de causalidade: nem a corrupção elevada causa o aumento da pobreza, nem o contrário. Defendo, neste artigo, a tese de que uma causa comum – a qualidade das instituições – determina a associação entre essas duas variáveis. Ao redesenhar as instituições que falham em aumentar o bem-estar social, os países atingem níveis mais elevados de desenvolvimento econômico e níveis mais baixos de corrupção.

Há muito foi abandonada a explicação ingênua que as diferenças geográficas e étnicas determinavam o desenvolvimento dos países – o exemplo das duas Coreias é eloquente. Também é insatisfatória a teoria que enfatiza apenas a criação de poupanças e o progresso tecnológico, por nos condenar a esperar grandes invenções para atingir o desenvolvimento, e relega as políticas públicas a papel secundário. Maior poder explicativo é obtido pela contribuição de Douglas North e de Daron Acemoglu, que abriram nossos olhos para o papel desempenhado pelas instituições na explicação das diferenças de desempenho entre os países.

Segundo North (1990), “instituições são as regras do jogo numa sociedade”. Simplificando, há dois grandes blocos de instituições formais relevantes para o crescimento econômico. O primeiro é formado pelas instituições contratuais horizontais, que regulam as relações entre indivíduos, facilitando, principalmente, os contratos entre poupadores e investidores, que só serão eficientes se forem garantidos por leis, Cortes e regulações apropriadas. O outro é formado pelas instituições verticais, que regulam o direito de propriedade, incluindo as que protegem os cidadãos contra o poder abusivo das elites, dos políticos e grupos de privilégios corruptos.

Se existe corrupção, essas instituições não estão sendo norteadas segundo valores públicos, e sim para enriquecimento pessoal e benefício dos corruptos; e instituições pobremente desenhadas levam as economias à estagnação. É sempre importante perguntar quem faz as regras, para quem, e quais seus objetivos.

No Brasil, em geral, as regras são cumpridas pelo cidadão comum, hoje perplexo diante da dimensão atingida pela corrupção. Se um contribuinte cometer um pequeno erro involuntário na sua Declaração de Imposto de Renda, gastará um bom tempo para resolver o problema na Receita Federal. Esse é um exemplo de punição que inibe fraudes. Mas os grandes devedores são beneficiados por decisões pouco transparentes do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) e/ou por pelas inúmeras anistias dos “Refis”, decididas por congressistas que, além de se beneficiarem com o perdão, usam a aprovação como moeda de troca na obtenção de vantagens do governo. No mesmo sentido, o pequeno correntista que precisou retirar R$ 6 mil em moeda teve de passar por um calvário de avisos ao gerente do banco, ao passo que cenas inesquecíveis de apartamento com mais de meia centena de milhões de reais aparecem nos jornais sem que se saiba sua origem e como esse dinheiro lá chegou.

Será que as nossas regras mudam de acordo com as pessoas? Se não alterarmos essa sensação de regras “feitas sob medida”, estaremos a um passo do completo descrédito das instituições democráticas do País.

As instituições formais são sustentadas por pilares culturais, ou seja, por instituições informais compostas pelas crenças, expectativas e normas de comportamento. A impunidade mina a crença de que a lei se aplica a todos, reduzindo a importância do que está na Constituição e nas demais leis, por exemplo.

São complexas as interações de instituições formais e informais, com inúmeros mecanismos de retroalimentação. Poderíamos pensar que se ninguém pagasse propina não haveria corrupção, mas, na verdade, o comportamento humano não é tão simples. Como lembram Rose-Ackerman e Palikfa (2016), o detetive Serpico, em 1971, lamentava o fato de 10% dos policiais da cidade de Nova York serem absolutamente corruptos, 10% absolutamente honestos e os 80% restantes adorariam ser honestos. Outros autores chamam esses 80% – número impreciso que designa maioria – de oportunistas, ou de pragmáticos, ou ainda de “mais corruptíveis que corruptos”, dependendo das pressões externas. O ganho esperado pela adesão ou não a um ato corrupto depende do número de pessoas que o praticam, revelando uma espécie de “comportamento contingente” da maior parte dos indivíduos, que agem de acordo com a expectativa do que fará a maioria. O pensamento subjacente seria: se todos recebem propina, por que eu também não deveria receber?

Esse comportamento produz uma espécie de duplo equilíbrio. Num extremo o “bom equilíbrio” mantém os países pouco corruptos, porque a sanção social e penal inibe a corrupção. No “mau equilíbrio”, ao contrário, permanecem os países cujas instituições levam à impunidade dos crimes de corrupção e até mesmo à punição dos que ousam denunciá-la. São duas situações de equilíbrios estáveis.

É muito difícil quebrar a inércia do mau equilíbrio, perto de onde se encontra o Brasil, mas a gravidade e extensão das revelações feitas pela Lava Jato abrem a maior oportunidade que já tivemos de mudar esse quadro. É crucial alterar a estrutura de incentivos aos políticos, cuja existência se justifica para que representem os interesses dos seus eleitores. Se há desvios de conduta, não será o seu acobertamento que nos levará a um País mais justo e próspero. O grito dos perdedores, minoria que há anos acumula privilégios em detrimento do bem-estar da sociedade, não pode inibir as reformas, as mudanças ou os avanços institucionais que trarão benefícios à maioria. Esse é o nosso grande desafio.

*Economista





















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