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artigo de Marco Antonio Villa
Completaram-se 15 anos do falecimento de André Franco Montoro. Ele
percorreu um caminho raro entre os políticos brasileiros: foi vereador,
deputado estadual, deputado federal, senador, governador e ministro de
Estado. Contudo nunca afastou o exercício da função pública da
elaboração de ideias que tivessem aplicação prática na vida das pessoas.
O fortalecimento da sociedade civil sempre foi uma preocupação central
da sua ação, isso num país onde o papel do Estado foi superdimensionado,
tanto pela direita como pela esquerda.
Montoro teve na democracia cristã do pós-guerra a sua matriz
ideológica. E com base nesse pensamento agiu como um pedagogo da
política, escrevendo, debatendo e formando militantes. Por onde passou
foi deixando a sua marca. Nos dez meses em que esteve à frente do
Ministério do Trabalho, durante o Gabinete Tancredo Neves, foi pioneiro
no incentivo à sindicalização rural – tema, à época, explosivo – e criou
o salário-família.
Na Câmara dos Deputados destacou-se na defesa dos trabalhadores e
da democracia. Tanto que, após a extinção dos partidos políticos, em
1965, foi um dos primeiros a organizar o MDB. Cinco anos depois foi
eleito senador, numa eleição marcada pelo medo, no auge do regime
militar.
Nos anos de vida parlamentar foi um incansável propagador da
integração econômica e cultural com a América Latina. De início foi voz
solitária. Poucos se interessavam. Mas a pregação foi ganhando adeptos
até ser incorporada à Constituição de 1988.
Assumiu o governo de São Paulo em março de 1983. O País estava em
recessão – o produto interno bruto (PIB) caiu 2,9% – e com uma inflação
anual de 211%. A economia estadual passava por uma profunda crise. O
número de desempregados não parava de aumentar. E as finanças estaduais
estavam em petição de miséria após o trágico quadriênio Maluf-Marin.
Organizou um secretariado de nível ministerial. Teve entre seus
principais colaboradores (incluindo os bancos e empresas estatais
paulistas) José Serra, João Sayad, Luiz Carlos Bresser-Pereira, Almino
Affonso, Miguel Reale Júnior, Almir Pazzianotto, José Gregori, Paulo
Renato e Paulo de Tarso, entre outros. Nomeou para a Prefeitura de São
Paulo Mário Covas. Entendeu que na administração pública deviam ser
escolhidos os melhores. E que o governador não devia temer a competência
dos seus auxiliares, muito pelo contrário.
Pôs em prática os princípios defendidos desde os anos 1950. Fez da
descentralização um dos carros-chefes do governo. Insistiu na tese de
que o município é a base da democracia, da boa gestão e onde o cidadão
vive. Fez o saneamento financeiro zerando o déficit orçamentário graças à
austeridade nos gastos. Diversamente do governo anterior, deu à ética
um papel central. Relacionou-se com a Assembleia Legislativa de forma
republicana. Acentuou a necessidade da participação do cidadão nos
negócios públicos. E foi o primeiro governador a ter preocupação (e
ação) com o meio ambiente – basta recordar o tombamento da Jureia, onde
Paulo Maluf queria construir duas usinas nucleares.
Conviveu com diversos movimentos grevistas. Reivindicações contidas
à força pelos governos anteriores acabaram eclodindo. Soube buscar
soluções harmoniosas em meio à tensão política. No tristemente célebre
episódio da derrubada das grades do Palácio dos Bandeirantes agiu com
moderação. Sabia que estavam em jogo a abertura democrática e o
exercício da autoridade. Era uma provocação arquitetada pelos
extremismos à direita e à esquerda. Tomou as decisões necessárias e saiu
engrandecido.
A campanha das diretas teve início – efetivamente – no dia 25 de
janeiro de 1984, no comício da Praça da Sé. Foi um ato de ousadia e
coragem política. Poucos acreditaram no sucesso do comício. E a
participação de 300 mil pessoas demonstrou a correta análise de
conjuntura do governador Montoro. A partir daí, a campanha deslanchou.
Foram realizados dezenas de atos por todo o Brasil. E em São Paulo, em
16 de abril, foi encerrada com o maior comício da História do Brasil.
A derrota da Emenda Dante de Oliveira não desanimou o governador.
Tornava-se indispensável a união da oposição. Passou a articular uma
frente de governadores. Era natural que fosse o candidato oposicionista
no Colégio Eleitoral. Afinal, o PMDB de São Paulo tinha a maior bancada
na Câmara dos Deputados, o presidente nacional do partido era paulista,
governava o mais importante Estado da Federação e tinha sido eleito com
mais que o dobro de votos do segundo colocado.
O interesse do País, porém, estava acima de qualquer veleidade
pessoal. Montoro identificou no governador de Minas Gerais, Tancredo
Neves, o nome ideal para unir a oposição e dividir o PDS, estimulando o
surgimento de uma dissidência, essencial para obter a maioria no Colégio
Eleitoral. E foi no Palácio dos Bandeirantes que Tancredo foi lançado
candidato do PMDB à Presidência da República. Não deve ser esquecido que
naquele momento, agosto de 1984, a sorte da sucessão presidencial não
estava decidida. O País corria o sério risco de ter Paulo Maluf como
presidente da República por seis anos e com poderes arbitrários
garantidos pela desastrosa Emenda Constitucional n.º 1 de 1969.
Desiludido com os rumos do PMDB, foi fundador do PSDB, em 1988.
Criou o símbolo do partido: o tucano. Foi um defensor do
parlamentarismo. Mesmo adoentado continuou entusiasmado pela política.
Morreu quando estava a caminho de um seminário no México.
O esquecimento de Franco Montoro é um ato perverso. Perverso para a
jovem democracia brasileira, tão carente de exemplos que dignifiquem o
compromisso com o interesse público. Perverso porque vivemos um momento
em que abundam políticos profissionais e são cada vez mais raros os
homens públicos.
*MARCO ANTONIO VILLA É HISTORIADOR





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