O governo não acredita em dietas - CARLOS ALBERTO SARDENBERG
Vamos supor que você se
coloque como meta manter os 70 quilos. Estando abaixo disso, está
beleza, não é mesmo? Mas não significa que você pode largar os
exercícios e cair na farra. Significa apenas que você não precisa de
sacrifícios. Basta levar a vida - e os vinhos, as comidas, com
temperança.
É o contrário, claro, se você estiver acima da meta, mas sua reação depende de quão longe está e há quanto tempo. Aos 80 quilos, depois de alguns meses de progressiva expansão, você tem que fazer alguma coisa drástica para inverter a curva, como se diz em economia. Ou, se confia na sua perseverança, pode optar por uma dieta de resposta gradual, lenta e segura.
Ou então pode simplesmente decretar: quer saber? Esse oitentinha já está muito bom.
E tocar a vida da mesma maneira que antes. Sabe o que vai acontecer? Você vai estourar a nova meta, pois esta terá sido fixada não por virtude, mas por preguiça, falta de vontade e até uma ignorância oculta.
É a mesma coisa que o governo federal está fazendo com suas duas principais metas econômicas, a de inflação e a do superávit primário (a economia feita para pagar despesas de juros e financiamento de dívida).
Na verdade, é até um pouco pior, pois o governo está se enganando ou está tentando enganar a gente. Nos documentos oficiais, as metas estão mantidas, de 4,5% ao ano para a inflação e de R$ 155,9 bilhões para o superávit primário (equivalente a 3,1% do Produto Interno Bruto -PIB).
Ao mesmo tempo, porém, autoridades da área econômica distribuem comentários cujo sentido é o seguinte: as metas estão aí, mas não são obrigatórias, pelo menos não para este ano nem para o próximo; além disso, os números atuais, embora fora do alvo, já são suficientes.
Ou seja, 80 quilos está mais que bom, não é preciso mudar a política econômica e nem as metas, pois um dia, quem sabe, a gente chega lá. E, se não chegar, qual o problema?
Se fosse o marido dizendo para a mulher (ou, ok, o contrário), a crise estaria instalada: afinal, a gente faz o quê? Alguma dieta para salvar os 80 ou deixa tudo como está? É grave, mas é doméstico.
Imaginem a dúvida dos chamados agentes econômicos -nome que se dá a todo mundo que toma decisões, do consumidor ao empresário, passando pelo líder sindical que negocia salários e pelo comerciante que fixa seus preços. Então, para compensar a inflação, preciso reajuste de quanto? Qual aplicação vai bater a inflação?
A inflação é facilmente percebida pelas pessoas. E isso está acontecendo. Recentes pesquisas - como as que medem a confiança do consumidor - mostram que a alta de preços, a velha carestia, já é a principal preocupação, com expectativa de alta.
O superávit primário, claro, é tema mais restrito, mas não menos impactante na vida das pessoas. O gasto público maior significa que o governo continua comendo sem controle e que isso vai levar a mais inflação.
Ora, se isso tudo é verdade, por que o governo não reage com uma dieta rigorosa, no caso, com o Banco Central elevando a taxa básica de juros com mão pesada e com o governo, no conjunto, controlando seu desejo de gastar mais?
É por que o governo, a começar pela presidente Dilma, não acredita no atual regime de política econômica, que vem desde o tempo do Plano Real. Sabe aquele sujeito que não acredita em dietas, porque seu metabolismo é diferente, seus ossos são pesados, sua digestão é especial?
Pois, então, o pessoal do governo, no fundo, não acredita que metas de inflação e de superávit primário - bases da política macroeconômica lançada por FHC e mantida em boa parte por Lula - formem a teoria mais adequada para o país.
Isso cria um baita problema cognitivo. Sim, porque, no oficial, a meta de inflação, por exemplo, continua sendo de 4,5%, mas no paralelo pode ser 6,5% ou até mais. Ora, pensam as pessoas de fora: a gente incorpora os 6,5% ou será que em algum momento o governo vai apertar os cintos para buscar os 4,5%, como o Banco Central às vezes diz que vai fazer?
Por que, então, a presidente Dilma não muda tudo? Por que não anuncia as bases de uma nova política, dizendo que a prioridade é expandir o consumo, que isso é o caminho do crescimento, e que a inflação será o que der? Que o governo vai gastar e que o superávit primário, se der, será o que vier?
Seria oficializar o neodesenvolvimentismo, inclusive com as políticas protecionistas e real mais desvalorizado. Tem teoria e teóricos para isso.
De certo modo, algumas autoridades têm dito isso, mas fica assim meio no provisório, informal. Talvez não oficializem por medo da repercussão negativa. Ocorre que, apesar de todo o debate econômico mundial, os fundamentos são os fundamentos: a inflação tem que ser baixa e controlada (até 3% para os emergentes), e a dívida total, bruta, não deve estar em tendência de alta insustentável.
Não é fácil mantê-los. Mais difícil é não respeitá-los e dizer que os cumpre. 80 quilos não são 70.
É o contrário, claro, se você estiver acima da meta, mas sua reação depende de quão longe está e há quanto tempo. Aos 80 quilos, depois de alguns meses de progressiva expansão, você tem que fazer alguma coisa drástica para inverter a curva, como se diz em economia. Ou, se confia na sua perseverança, pode optar por uma dieta de resposta gradual, lenta e segura.
Ou então pode simplesmente decretar: quer saber? Esse oitentinha já está muito bom.
E tocar a vida da mesma maneira que antes. Sabe o que vai acontecer? Você vai estourar a nova meta, pois esta terá sido fixada não por virtude, mas por preguiça, falta de vontade e até uma ignorância oculta.
É a mesma coisa que o governo federal está fazendo com suas duas principais metas econômicas, a de inflação e a do superávit primário (a economia feita para pagar despesas de juros e financiamento de dívida).
Na verdade, é até um pouco pior, pois o governo está se enganando ou está tentando enganar a gente. Nos documentos oficiais, as metas estão mantidas, de 4,5% ao ano para a inflação e de R$ 155,9 bilhões para o superávit primário (equivalente a 3,1% do Produto Interno Bruto -PIB).
Ao mesmo tempo, porém, autoridades da área econômica distribuem comentários cujo sentido é o seguinte: as metas estão aí, mas não são obrigatórias, pelo menos não para este ano nem para o próximo; além disso, os números atuais, embora fora do alvo, já são suficientes.
Ou seja, 80 quilos está mais que bom, não é preciso mudar a política econômica e nem as metas, pois um dia, quem sabe, a gente chega lá. E, se não chegar, qual o problema?
Se fosse o marido dizendo para a mulher (ou, ok, o contrário), a crise estaria instalada: afinal, a gente faz o quê? Alguma dieta para salvar os 80 ou deixa tudo como está? É grave, mas é doméstico.
Imaginem a dúvida dos chamados agentes econômicos -nome que se dá a todo mundo que toma decisões, do consumidor ao empresário, passando pelo líder sindical que negocia salários e pelo comerciante que fixa seus preços. Então, para compensar a inflação, preciso reajuste de quanto? Qual aplicação vai bater a inflação?
A inflação é facilmente percebida pelas pessoas. E isso está acontecendo. Recentes pesquisas - como as que medem a confiança do consumidor - mostram que a alta de preços, a velha carestia, já é a principal preocupação, com expectativa de alta.
O superávit primário, claro, é tema mais restrito, mas não menos impactante na vida das pessoas. O gasto público maior significa que o governo continua comendo sem controle e que isso vai levar a mais inflação.
Ora, se isso tudo é verdade, por que o governo não reage com uma dieta rigorosa, no caso, com o Banco Central elevando a taxa básica de juros com mão pesada e com o governo, no conjunto, controlando seu desejo de gastar mais?
É por que o governo, a começar pela presidente Dilma, não acredita no atual regime de política econômica, que vem desde o tempo do Plano Real. Sabe aquele sujeito que não acredita em dietas, porque seu metabolismo é diferente, seus ossos são pesados, sua digestão é especial?
Pois, então, o pessoal do governo, no fundo, não acredita que metas de inflação e de superávit primário - bases da política macroeconômica lançada por FHC e mantida em boa parte por Lula - formem a teoria mais adequada para o país.
Isso cria um baita problema cognitivo. Sim, porque, no oficial, a meta de inflação, por exemplo, continua sendo de 4,5%, mas no paralelo pode ser 6,5% ou até mais. Ora, pensam as pessoas de fora: a gente incorpora os 6,5% ou será que em algum momento o governo vai apertar os cintos para buscar os 4,5%, como o Banco Central às vezes diz que vai fazer?
Por que, então, a presidente Dilma não muda tudo? Por que não anuncia as bases de uma nova política, dizendo que a prioridade é expandir o consumo, que isso é o caminho do crescimento, e que a inflação será o que der? Que o governo vai gastar e que o superávit primário, se der, será o que vier?
Seria oficializar o neodesenvolvimentismo, inclusive com as políticas protecionistas e real mais desvalorizado. Tem teoria e teóricos para isso.
De certo modo, algumas autoridades têm dito isso, mas fica assim meio no provisório, informal. Talvez não oficializem por medo da repercussão negativa. Ocorre que, apesar de todo o debate econômico mundial, os fundamentos são os fundamentos: a inflação tem que ser baixa e controlada (até 3% para os emergentes), e a dívida total, bruta, não deve estar em tendência de alta insustentável.
Não é fácil mantê-los. Mais difícil é não respeitá-los e dizer que os cumpre. 80 quilos não são 70.
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