“Em razão da
coluna do Sr. Luiz Garcia em O Globo de hoje enviei esta
mensagem abaixo. Claro que não é destinada a publicação, é apenas uma
manifestação que me julguei no dever de fazer na qualidade de permanente
estudante de História. Tive o cuidado de não tomar partido político no assunto,
apenas de defender a ciência histórica.
Obviamente
será ignorada pelo jornal e pelo articulista, mas não me importa, fiz aquilo
que julguei necessário fazer e posso dormir tranquilo com minha
consciência.
Ao Sr.
Luiz Garcia
Política e
História, como sabemos, são campos distintos, sendo o primeiro caracterizado
por ideias e iniciativas voltadas para a tomada e manutenção do poder, enquanto
o segundo destina-se à elucidação da verdade de fatos pretéritos.
Contudo,
frequentemente, agentes políticos tentam manipular a História para o alcance de
seus propósitos e são sempre perigosos, para a ciência histórica, os trabalhos
realizados sem um adequado tempo de “decantação” dos fatos, que nos permita uma
avaliação técnica, neutra e isenta.
Assim
fizeram Edward Gibbon, Arnold Toynbee, Will Durant, Fernand Braudel, George
Dubuy, David Landes e tantos outros renomados historiadores. Uma pesquisa e
análise de fatos históricos relativamente recentes revela-se, usualmente,
impregnada de paixões e interesses dos diversos atores da cena histórica, não
raramente comprometedoras da veracidade.
Quando uma
chamada Comissão Nacional da Verdade investiga fatos relacionados a dois grupos
em aberto litígio, restringindo seu trabalho a um dos lados e ocultando
deliberadamente o outro, certamente não tem como propósito o enriquecimento da
História e, de fato, presta um desserviço à ciência histórica.
Como
também sabemos, a meia-verdade costuma ser mais nefasta do que a mentira, esta
mais fácil de ser desmontada. Se a finalidade da comissão, como afirma V.Sa., é
“relatar o que aconteceu, simplesmente para evitar que aconteça novamente”,
fica sem sentido uma apuração apenas parcial da realidade.
Pode
contribuir para a disputa política, para eventual auferimento de ganhos
financeiros por parte de alguns, mas definitivamente não para o conhecimento
histórico, completo, abrangente e necessário. No caso específico, “jogar para
debaixo do tapete” os crimes, alguns bárbaros, cometidos pelos grupos
revolucionários os legitima na prática. Isso a mim parece grave. Legitimar, por
ocultação deliberada, crimes de atentados a bomba, assassinatos de inocentes,
tortura, sequestros, “justiçamentos” e outros parece inadequado para a
compreensão do passado e construção de uma nação democrática, além de se
constituir em desonestidade intelectual para com o estudo da História.
Quanto à
revisão do ensino da História nas academias militares, confesso que não tenho
ideia de como ocorra esse ensino, mas o Sr. Paulo Sérgio Pinheiro demonstrou um
espantoso grau de desinformação sobre a História do século XX ao desconhecer,
pelo menos pelo que afirmou, a existência do fenômeno da Guerra Fria.
Classificou como “conto da carochinha” as tentativas de tomada de poder por
grupos de ideologia marxista-leninista, por métodos revolucionários, no Brasil.
Custo a
crer que esse, aparentemente alienado, senhor não tenha tido conhecimento de
toda a evolução dos principais acontecimentos políticos da segunda metade do
século passado, iniciado com o bloqueio de Berlim em junho de 1948, seguido de Guerra
da Coreia, invasão da Hungria em 1956, tomada do poder em Cuba por Castro em
1959, Crise dos Misseis de 1962, apenas para citar os principais. Não posso
crer também que que o Sr. Pinheiro desconheça que a explosão, pelos soviéticos,
em 1949 de sua primeira bomba atômica e os desenvolvimentos nos armamentos nos
anos seguintes, tornou suicídio coletivo a eclosão de uma guerra entre as duas
superpotências líderes de sistemas político-econômicos antagônicos e em
confrontação.
A
consequência disso, sabidamente para quem estuda História, foi o principal
palco de disputa mover-se para as áreas periféricas, a saber, SE da Ásia,
África e América Latina. Acontecer a disputa também por aqui era absolutamente
óbvio, principalmente depois da chegada do grupo de Fidel Castro ao poder em
1959. Esse fato estimulou os grupos radicais existentes no país, de um lado e
do outro, e o Sr. Pinheiro parece não ter tido conhecimento dos “Grupos dos
Onze”, “Ligas Camponesas” de Francisco Julião e toda a efervescência política que
por aqui se viveu nos anos que antecederam 1964.
Talvez
também não saiba ele da Revolta dos Sargentos de Brasília,
da Revolta dos Marinheiros no Sindicato dos Metalúrgicos , da
Reunião dos Sargentos no Automóvel Club do Brasil, com apoio do Presidente da
República, para crítica aos comandantes militares e tantos outros episódios
marcantes da época. Era o clima da Guerra Fria entre nós e os radicais dos dois
lados se movimentavam com maior ou menor exposição, mas se movimentavam muito.
Para o Sr.
Pinheiro isso não aconteceu! Ele também demonstrou, na declaração, não saber
que o governo de Juscelino ocorreu inteiramente dentro do período da Guerra
Fria! E se julga no direito de propor revisão de ensino de História, ele que,
aparentemente, é pouquíssimo ilustrado nessa ciência. Ademais, nada é mais
desonestidade intelectual do que, na ciência histórica, descontextualizar
fatos. Qualquer estudante de História sabe disso.
A Comissão
da Verdade parece a mim uma ótima oportunidade desperdiçada para a revelação de
fatos históricos, contaminada que está, desde o nascedouro, pelo viés político
e revanchista, que nada contribui para a História; mais parece um comitê
stalinista para reescrever os fatos passados de modo conveniente ao governante
do presente.
Uma
comissão séria seria constituída basicamente por historiadores reconhecidamente
idôneos e não por interessados, direta ou indiretamente, em resultados
políticos. Para que contribuísse efetivamente para que fatos semelhantes não
venham a se repetir, a comissão teria que apurar toda a verdade, fazer
História, e não fazer Política, como se evidencia.
Atenciosamente
Marco
Antonio Bompet
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