Jornalista Andrade Junior

terça-feira, 26 de dezembro de 2023

Ex-presidiário Lula defende endividar o país para o PIB crescer.

 Uma receita que já deu em desastre


O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) admitiu recentemente a disposição de aumentar o déficit público para impulsionar a economia. "Se for necessário este país fazer endividamento para crescer, qual o problema? De você fazer uma dívida para produzir ativos produtivos para este país?”, questionou, numa reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social Sustentável, o "Conselhão", no Palácio do Planalto.

A declaração preocupou quem acompanha a situação das finanças públicas, mas agradou à ala mais à esquerda do Partido dos Trabalhadores, liderada pela presidente Gleisi Hoffmann (PT-PR), que tem pressionado o governo a abandonar a meta fiscal de déficit zero para o ano que vem, conforme prevê o arcabouço fiscal.

Em recente evento eleitoral do PT, Gleisi defendeu um déficit de até 2% do PIB para não deixar "a economia desaquecer". Na essência, traduziu o pensamento enraizado nos governos petistas de que "déficit gera crescimento" ou de que "gasto é vida".

Economistas ouvidos pela Gazeta do Povo discordam da premissa. Para José Marcio Camargo, sócio e economista-chefe do Banco Genial, a afirmação de que déficit necessariamente gera crescimento é errada. "Não é sustentável manter uma trajetória de aumentos de gastos públicos", diz.

O coordenador do MBA de Gestão Estratégica e Econômica de Negócios da FGV, Mauro Rochlin, afirma que o endividamento tem um custo, que são os juros. "Quanto maior a dívida, maior a taxa que os compradores de títulos exigem para financiá-la", explica.

Luiza Benamor, da Tendências Consultoria, diz que gasto exagerado não se traduz em crescimento. "Um déficit elevado não vai fazer com que a gente tenha um crescimento maior, porque prejudica a visão externa dos agentes em relação ao ambiente econômico brasileiro."

Hélio Beltrão, do Instituto Mises Brasil, aponta para as consequências. "O endividamento do governo vai ser pago por quem? Pela população, por meio dos impostos. Já vimos este filme e o pobre é quem paga a conta no final", disse Beltrão à CNN Brasil. "O que o presidente Lula está dizendo é que ele gostaria que o governo se endividasse, tomasse emprestado da população, violando, como ele mencionou, a Lei de Responsabilidade Fiscal."

Lula afirmou, no mesmo evento, que alcançar o superávit primário, conter a inflação e as limitações da Lei de Responsabilidade Fiscal são “pedras no caminho” para o crescimento do país.


Déficits sucessivos resultam em inflação e aumento da taxa de juros

Entre os economistas, o consenso é que a pedra no caminho do crescimento é o déficit fiscal – e não um eventual superávit. "O roteiro seguro para o crescimento sustentável no longo prazo é um cenário fiscal equilibrado", afirma Camargo.

Cenário fiscal equilibrado significa dizer que o governo não pode gastar mais do que arrecada em impostos. Quando o gasto público supera a receita, ocorre o chamado déficit primário. À medida que vai acumulando déficits primários, a União precisa emprestar dinheiro para bancar suas despesas, e começa a pagar juros sobre o montante, aumentando a dívida bruta do país.

O endividamento elevado impacta a percepção de risco e os juros futuros, independentemente da atuação do Banco Central. Ao mesmo tempo, o cenário desencoraja o BC a promover cortes mais fortes na taxa de juros de curto prazo, a Selic, porque precisa controlar a inflação gerada pela emissão de moda e aumento da demanda.

Lula e o PT têm criticado, ao longo do ano, a atuação do Banco Central por resistir a cortes de juros, mas é justamente o déficit público que obriga o BC a manter as taxas altas para impedir novas altas inflacionárias.


Cenário fiscal se deteriora no governo Lula

Desde 2014, após o rombo das contas públicas promovido pelo governo Dilma Roussef (PT), que apostou em aumento de gastos e levou o país a uma recessão recorde, o governo federal tem registrado sucessivos déficits primários.

A exceção foi 2022, na gestão de Jair Bolsonaro, quando o governo conseguiu conter gastos (que subiram de 18,1% do PIB em 2021 para 18,2%, segundo o Tesouro) e se beneficiou de um forte aumento na arrecadação (a receita líquida passou de 17,7% para 18,7% do PIB).

Em 2023, por outro lado, as contas do governo deverão fechar com um saldo negativo de R$ 203,4 bilhões, segundo o Banco Central, o equivalente a 1,9% do PIB. Somando o valor gasto com o pagamento dos juros da dívida, o chamado déficit nominal deverá ficar alcançar os R$ 800 bilhões ou 7,5% do PIB.

Por consequência, a dívida bruta do governo, que era de 72,87% do PIB em dezembro de 2022, subiu quase 2 pontos porcentuais em dez meses e fechou outubro em 74,7% do PIB.

"Temos um problema estrutural de gastos elevados, com muitas despesas obrigatórias que nem sempre são bem gastas, parte responsável pelos nossos sucessivos déficits", constata Benamor, da Tendências.

As projeções de analistas de mercado são de que a dívida continuará a crescer e superar a marca de 80% do PIB em 2025, fechando a década acima de 87%, segundo a mediana das expectativas do boletim Focus, do Banco Central.

Na segunda-feira (18), relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) estimou que a dívida pública do Brasil pode chegar a 80% do PIB já em 2024, e a 90% em 2047, se as contas públicas não estiverem em equilíbrio.

Em seu alerta, a entidade relacionou quadro fiscal e crescimento econômico: “A trajetória da dívida é altamente sensível à implementação da agenda de reformas. O fracasso na implementação da reforma fiscal implicaria em um menor crescimento”, diz o texto.

Em resposta, no dia seguinte Lula atacou a OCDE em uma transmissão nos canais do governo. "Eu quero até aproveitar essa gravação aqui para dizer ao pessoal da OCDE que, quando chegar no final do ano que vem, eu vou convidar vocês para tomar um café para provar que vocês erraram com a previsão que vocês têm do Brasil", afirmou.


Juros altos afetam investimentos e crescimento da economia real

Ao contrário do que o governo pretende com o aumento do gasto, a deterioração do cenário fiscal e os juros altos afetam os investimentos da iniciativa privada.

Assim, o crescimento impulsionado pelo aumento do déficit público pode acabar não compensando a retração econômica imposta pelas condições de mercado. "O que faz o Brasil crescer é o setor privado", destaca Hélio Beltrão. "Não cabe, em ciência econômica, equiparar endividamento tomado pelo governo com financiamento que gera crescimento no setor privado."

O investimento estrangeiro aplicado na "economia real" tem despencado no governo Lula. No acumulado de janeiro a outubro deste ano, o saldo do chamado Investimento Direto no País (IDP) foi de US$ 44,9 bilhões, segundo pior resultado em 14 anos – superior apenas ao de 2020, quando os aportes caíram por conta da pandemia. Segundo o BC, o valor representa uma queda de 39,8% em comparação com o mesmo período de 2022.

Os números revelam o saldo da entrada e saída de investimentos voltados para o longo prazo, como ampliação de área de negócios das empresas, abertura de filiais multinacionais e obras de infraestrutura, que realmente se traduzem em crescimento.

O investimento produtivo total na economia brasileira também diminui. Está em queda há quatro trimestres consecutivos, período no qual acumulou baixa de 1,1%, segundo a medição do IBGE.


Haddad tem sido resistência à gastança total

Lula e o PT têm encontrado um anteparo à gastança desmedida no Ministro da Economia, Fernando Haddad, que conseguiu manter a meta fiscal de déficit zero no orçamento enviado ao Congresso, em novembro. Haddad chegou a contrapor os argumento de Gleisi Hoffmann a favor do abandono da meta, dizendo que "déficit não gera crescimento". Mas não há garantias que a sua tese vença.

O mercado aguarda a primeira revisão em março para saber se o governo vai iniciar o contingenciamento de gastos, perseguindo o ajuste, ou se vai abandonar de vez a meta, atendendo às demandas do ano eleitoral.

"A gente incorporou no nosso cenário de que vai haver uma mudança de meta. Mas ainda assim, vemos como positivo a insistência do ministro Haddad [em manter a meta], ao mesmo tempo, em que continua se esforçando para finalizar no Congresso a aprovação as medidas de recomposição de receita", avalia Benamor.

Em sua cruzada para aumentar a arrecadação via projetos de lei, Haddad projetava aumento de R$ 168 bilhões na receita para zerar as contas do próximo ano. Na estimativa da Tendências, as medidas de aumento de impostos aprovadas até agora garantem apenas R$ 42 bilhões. Num cenário mais pessimista traçado pela consultoria, que incorpora tanto um gasto maior como um retorno menor das medidas de receitas, o déficit passaria de 1% do PIB em 2024.

Um problema apontado por especialistas em contas públicas é que a tentativa de Haddad de equilibrar as finanças se dá só por um lado: o aumento da arrecadação. Não há iniciativas para um controle mais consistente do gasto. O próprio arcabouço fiscal desenhado pelo ministro e sua equipe prevê um aumento mínimo de 0,6% no gasto federal a cada ano.


Teto de contingenciamento divide governo

O próximo embate do ministro diz respeito ao tamanho do contingenciamento a ser adotado no próximo ano. Para evitar que bloqueios atinjam o PAC, o que levaria o presidente Lula e abandonar a meta de zerar o déficit, o ministro Haddad defende diz que o teto para contingenciamento é de R$ 23 bilhões. Um estudo elaborado pela Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira (Conof) da Câmara dos Deputados, por sua vez, fala em R$ 53 bilhões.

O cenário considerado provável é que o governo seja obrigado a fazer um contingenciamento maior para dar conta de cumprir a meta fiscal. Trata-se de uma obrigação: se os resultados do início do ano indicarem que a meta não será cumprida, o governo terá de frear as despesas justamente para recolocar as finanças no caminho da meta. Isso tende a ocorrer em março, na divulgação do boletim de receitas e despesas do primeiro bimestre.

Porém, na visão de boa parte dos observadores das contas públicas, esse bloqueio inicial de gastos será imediatamente seguido de uma revisão da própria meta. Em vez de prever resultado primário "zero", ela passaria a autorizar um déficit. O governo, assim, poderia gastar mais, revertendo o contingenciamento, de forma a fazer frente aos fins eleitorais de Lula e do PT – o que será uma derrota para o ministro da Fazenda.

"O Haddad está com uma regra fiscal que ele tem que cumprir ou pode ter até problemas legais. E fica vendo o Lula querendo gastar, gastar. E o mercado torcendo para ele cumprir a regra fiscal. É uma situação dramática", descreve Beltrão.


Incertezas e deterioração fiscal: caminho da Argentina?

Os números mais recentes indicam uma forte desaceleração da economia, e o pequeno avanço que ainda ocorre é muito puxado pelo consumo. Há limites para a continuidade desse movimento, pois a queda do investimento produtivo reduz a capacidade da economia de crescer sem gerar inflação.

O Comitê de Política Monetária (Copom) do BC alertou exatamente para isso em ata divulgada na terça-feira (19): "A persistência de uma conjunção de maior resiliência de consumo e queda no investimento poderia provocar, no médio prazo, um excesso de demanda em relação à oferta, com potenciais impactos sobre os preços".

Com a Bolsa de Valores em alta e o dólar estável, o apito de alarme ainda não soou. Mas as luzes amarelas estão acesas.

Analistas lembram que a deterioração vem aos poucos. Exemplo disso é que a recessão iniciada no fim de 2014, no governo de Dilma Rousseff, foi gestada desde 2009, com políticas fiscais insustentáveis.

"Em algum momento, nós vamos precisar fazer um ajuste equivalente a 2% ou 2,5% do PIB para estabilizar o crescimento da dívida”, disse o economista Luiz Fernando Figueiredo, presidente do conselho de administração da Jive Investiments e ex-diretor de Política Monetária do Banco Central, ao "Estadão".

Por enquanto, nada disso parece estar no radar do governo. "A receita do presidente Lula é gastar, gastar, gastar, e isso, em geral, é o que causa os problemas de qualquer pais, como a gente vê agora na Argentina", afirma Beltrão.

O país vizinho enfrenta uma inflação de cerca de 180% ao ano, pobreza de mais de 40% e reservas líquidas negativas nas contas do Banco Central, em meio à estagflação herdada do peronismo.

O ministro da Economia da Argentina, Luis Caputo, nomeado pelo presidente Javier Milei, citou o fracasso da receita do endividamento em entrevista coletiva após assumir o cargo. “A origem do nosso problema sempre foi o déficit fiscal. Temos sido viciados no déficit e por isso sempre caímos em crises recorrentes”, disse. O ministro anunciou medidas fiscais, cambiais e monetárias para iniciar o ajuste.

Embora ainda estejamos distantes de um cenário como o da Argentina, a crise dos hermanos poderia ser um balizador para o governo brasileiro. "No caso do Brasil, como a relação divida/PIB já é muito alta, o mais responsável é criar as condições para que você gere um superávit primário. Continuar nessa trajetória de aumento do déficit público vai impactar os juros e a atividade, o que tende a reduzir o PIB, como aconteceu no governo Dilma", afirma o economista-chefe da Genial.


Rose Amantéa, Gazeta do Povo

















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