Jornalista Andrade Junior

sexta-feira, 2 de abril de 2021

'Os rufiões de quartel",

  por Augusto Nunes

Comparado à turma do PT, Braga Netto merece mais que o Ministério da Defesa. Deveria virar em vida estátua equestre, inaugurada ao som de tambores e clarins

FOTO ANDRADE JUNIOR

Em paragens menos esquisitas, a era dos generais-presidentes inaugurada em 1964 por Castello Branco e desativada vinte anos depois com a partida de João Figueiredo já seria coisa para historiadores e memorialistas desde 1984. 

Mas o País do Carnaval, como vivia lembrando Tom Jobim, decididamente não é para principiantes (talvez tenha deixado de ser até para profissionais). 

Faz 57 anos que está na prorrogação o Fla-Flu que deveria ter terminado naquele 31 de março (1º de abril, corrigem os perdedores). 

Os dois times saíram de campo, foram-se os protagonistas e quase toda a plateia. 

Filhos e netos de espectadores inconformados com o placar adverso seguem adiando o apito final. 

A Revolução de 1964 (golpe militar, corrigem os perdedores) não consegue repousar nos livros de História. 

No Brasil, o passado não passa.

Naqueles idos de março, eu tinha 14 anos e acabara de fundar, em companhia de quatro colegas da quarta série ginasial, a Frente Nacionalista Taquaritinguense. 

Consumada a queda do presidente João Goulart, combati os vitoriosos nas páginas de um diário interrompido em maio, ao compreender o que havia acontecido. 

Inimigos divididos em dois conglomerados político-militares apostaram corrida para ver quem dava o golpe primeiro. 

Ganhou a aliança conservadora, apoiada pela maioria das Forças Armadas. 

Os cérebros em bom estado deviam ser mais numerosos no agrupamento vencedor. 

Mas nos dois lados sobravam imbecis. 

Conselheiro de Jango, o general Assis Brasil dizia ao presidente, de meia em meia hora, que podia dormir em sossego. 

O sono seria velado por um “dispositivo militar” invencível. 

No lado contrário, o general Olimpio Mourão antecipou sabe-se lá por que o desencadeamento da insurreição marcada para o dia seguinte. 

Se a História fosse justa, os dois seriam derrotados.

Assis Brasil nunca explicou por que suas tropas imaginárias se renderam sem disparar sequer uma bala de festim. 

Mourão tampouco revelou o que lhe deu na telha para botar a soldadesca na estrada. 

“Em matéria de política, sou uma vaca fardada”, definiu-se ao descobrir que nada lhe fora reservado na divisão do butim. 

Também não tinha talento para livros de memórias. 

Escreveu mais de mil páginas sublinhadas pelo humor involuntário. 

Duas palavras resumem o forte impacto que lhe causava a passagem pela sala da empregada doméstica: “Que bunda!”, deslumbra-se. 

O mesmo capítulo é encerrado pela delirante frase de efeito: “Vou dormir. 

Sozinho, infelizmente, não posso salvar o Brasil!”, exclama de novo. Idiotas ou sagazes, triunfantes ou derrotados, todos os militares estrelados envolvidos nos barulhos de 1964 pertenciam à geração dos tenentes da década de 1920.

Com o triunfo da Revolução de 1930, os jovens oficiais conheceram os encantos da política e os prazeres do poder. 

Animados com o que viram, transformaram o Exército no Partido Verde-Oliva e até os anos 60 estimularam a proliferação do anfíbio. 

Os exemplares da espécie ora empunhavam o bastão de mando nos quartéis, ora expediam ordens alojados em cargos civis. 

Enquanto acumulavam promoções que os levariam ao generalato, alternavam a farda e o terno comandando tropas, reinando em governos estaduais, aprendendo a arte da guerra em missões no exterior ou exercendo a Presidência da República. 

Veja-se o caso do Marechal Cordeiro de Farias. 

Antes de tornar-se ministro do Interior do governo de Castello Branco, que extinguiu a espécie, esse anfíbio gaúcho fora líder tenentista, governador de Pernambuco, interventor no Rio Grande do Sul e um dos comandantes da Força Expedicionária Brasileira na 2ª Guerra Mundial.

Os democratas de manifesto foram traídos pela ansiedade golpista

O Exército de 1964 não existe mais. Sumiram há tempos os representantes de sobrenomes indissociáveis da caserna — os irmãos Geisel, os irmãos Andrada Serpa. 

De vez em quando ainda aparece um Etchegoyen, mas as marcas de nascença aristocrata se diluem no universo de sobrenomes comuns. 

A oficialidade distribuída por postos de comando vai refletindo com crescente nitidez o mosaico étnico brasileiro, os oriundos de famílias pobres são bem mais numerosos. 

Sobretudo, as Forças Armadas aprenderam a lição: melhor deixar a política para os políticos e ater-se ao papel estabelecido pela Constituição. 

Ainda não sabem disso os esquerdistas brasucas, reiterou nesta semana o comportamento da tribo. 

Com a cabeça estacionada no século passado, excitados pelo apoio do jornalismo indigente, os revolucionários de picadeiro se alvoroçaram com a troca da guarda no Ministério da Defesa e na chefia das Forças Armadas.

Em 48 horas, o general Fernando Azevedo entregou o gabinete ao general Braga Netto e os comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica foram substituídos. 

Tremenda encrenca, excitaram-se parlamentares e colunistas. 

Bolsonaro virou campeão de impopularidade no universo dos fardados, concordaram os jornais. 

A democracia está em perigo, voltaram a berrar videntes em pânico com a iminência do que chamaram de “autogolpe”. 

O ex-capitão politizou a relação com os generais para colocá-los sob o controle do Planalto, advertiram analistas com doutorado em nada. 

Nenhum deles conseguiu disfarçar a torcida pela quartelada nascida para alcançar um objetivo só: a demissão do Genocida. 

impeachment ficou complicado? 

Que viesse a ordem de despejo pessoal e intransferível: Fora, Bolsonaro.

Os democratas de manifesto foram traídos pela ansiedade golpista (e o latifúndio de papel inteiramente ocupado pela “crise militar” teve de ser parcialmente devolvido à pandemia de coronavírus). 

Se não fossem portadores de cérebros baldios, se não sofressem de estrabismo ideológico, se trocassem a vadiagem pelo estudo da História recente do Brasil, saberiam que o profissionalismo imuniza militares contra rufiões de quartel. 

Foi por isso que em 1999, no segundo mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso, eles aceitaram serenamente a criação do Ministério da Defesa, que retirou dos comandantes das Forças Armadas o status de ministro e subordinou-os a um civil. 

Por que haveriam de rejeitar a troca de um general por outro? 

Se não denunciaram a prevalência de critérios políticos nas nomeações ocorridas nos 13 anos de governo do PT, por que dar atenção a hipócritas patológicos?

Lula e Dilma presentearam com o Ministério da Defesa, por exemplo, o vice-presidente José Alencar, que decerto ignorava a diferença entre uma bota de montaria e um coturno, o melífluo Celso Amorim, um dos parteiros da política externa da canalhice, o comunista de carteirinha Aldo Rebelo, que desde a infância luta para virar genro de algum capitalista selvagem, e o polivalente sindicalista Jaques Wagner, conhecido no Departamento de Propinas da Odebrecht pelo codinome Polo. 

Fora o resto — resto que inclui prontuários ambulantes e nulidades incuráveis. 

Comparado a esse bando, o general Braga Netto merece mais que o ministério. 

Merece virar em vida estátua equestre, inaugurada ao som de tambores e clarins.

Revista Oeste





















PUBLICADAEMhttp://rota2014.blogspot.com/2021/04/os-rufioes-de-quartel-por-augusto-nunes.html



0 comments:

Postar um comentário

Twitter Delicious Facebook Digg Stumbleupon Favorites More