por Guilherme Fiuza Um togado com vontade férrea pode até dizer que o roubo do pré-sal só pode ser julgado em vara submarina
Depois que o Supremo Tribunal Federal reabilitou politicamente Lula, condenado a mais de 20 anos de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, o mundo do crime ficou mais leve.
Não pense que é fácil você passar anos da sua vida assaltando e depois não ter paz para desfrutar tudo que você conquistou com o suor alheio.
O STF resolveu essa injustiça e agora muita gente que estava vivendo nessa insegurança jurídica — na dúvida se precisa ou não continuar fugindo da polícia — está resolvendo a sua vida também.
O ex-ministro Guido Mantega já obteve um bom upgrade com a turma do Gilmar — que, conforme já assinalamos, é uma turma que não entra em briga para perder.
Mantega não foi ministro do sítio de Lula, mas foi ministro da Fazenda de Lula, o que não é pouco.
Tomar conta do dinheiro num governo que virou quadrilha dá trabalho.
E ele ainda continuou por lá com Dilma, aquela que caiu por pedalar — ou seja, por transformar contabilidade fiscal em ficção científica. Imagina a trabalheira que esse pobre ministro não teve.
Gilmar foi compreensivo e passou uma borracha nisso tudo — ou ao menos em parte disso.
O recurso usado foi aquele mesmo que consagrou Lula como o ladrão mais honesto do país: afirmar que a tramoia foi julgada pelo juiz errado.
É uma tecnologia fantástica que economiza um trabalhão para ficar negando crimes flagrantes que todo mundo viu. Isso é muito desgastante — mas acabou.
Nem é mais preciso falar de crime. Basta falar de “competência” — e “plim”, some a dor de cabeça.
A “competência” do juízo que condenou Lula já tinha sido confirmada até em tribunal superior.
Mas isso não é nada diante da vontade de ajudar os homens de bens.
E vamos combinar que a sociedade está meio aparvalhada mesmo com a normalização da pancada em quem anda na rua, a assimilação do toque de recolher ditatorial como gesto de “empatia” e a onda de tarados querendo transformar em cidadão de segunda classe quem não tomar agulhada com aquela poção mágica feita na velocidade de um hambúrguer.
O que é uma doce hipnose jurídica diante disso tudo?
Relaxa.
Alvo da Operação Pentiti da Lava Jato, Mantega foi iluminado pelo farol de Gilmar e sua turma, que enxergaram imediatamente problemas de “competência” na investigação do ex-ministro.
E lá se foi outro processo para gavetas bem mais competentes.
A tese é aquela: a vara de Curitiba só pode julgar delitos relativos à Petrobras.
Como você e todo mundo sabe, a Petrobras era só o centro de um sistema de corrupção montado no Palácio do Planalto e executado em escala nacional (e internacional).
Mas um togado com vontade férrea pode até dizer que o roubo do pré-sal só pode ser julgado em vara submarina.
Eles descobriram que competência territorial é um poder extraterreno.
O ex-ministro de Lula era investigado, entre outras coisas, por supostamente ordenhar os arquivos de contratos da Petrobras para preparar pedidos de propina aos fornecedores.
O STF está certíssimo: fornecedor da Petrobras não tem nada a ver com Petrobras.
Cada um na sua — e a propina na minha, que ninguém é de ferro.
Fica combinado assim: quem tiver sido pego com dinheiro roubado na cueca deve pedir imediatamente ao STF a averiguação de competência judicial.
O meliante que está sendo investigado na área de jurisdição do flagrante pode pedir a suspensão do processo porque o roubo foi em outra localidade.
Questão de competência.
Mas, se o roubo tiver ocorrido desgraçadamente na mesma localidade do flagrante, não é o caso de perder a esperança: o dinheiro estava na cueca, portanto a cueca é o local do crime. Se ela for importada, o juiz natural do processo não pode estar no Brasil.
Entendeu?
A diferença da Constituição para o Kama Sutra está no intérprete.
No moderno direito nacional, em se plantando tudo dá.
Revista Oeste
PUBLICADAEMhttp://rota2014.blogspot.com/2021/04/a-constituicao-e-o-kama-sutra-por.html
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