por Augusto Nunes
A geração de Aranha foi capaz de lidar com o primitivismo da República Velha, a gripe espanhola, eleições fraudulentas, golpes de Estado, uma guerra mundial, a ditadura do Estado Novo e muito mais
Prefeito de Alegrete com pouco mais de 30 anos, o gaúcho Oswaldo Aranha ingressou numa escola em que ensinavam e aprendiam a arte da política figuras como Borges de Medeiros, Assis Brasil, João Neves da Fontoura, Batista Lusardo e Flores da Cunha. Um dos líderes da Revolução de 1930, Aranha somou ao círculo de gaúchos gente originária de outras paragens — por exemplo, o sergipano Siqueira Campos, o cearense Juarez Távora ou o paulista Armando Salles de Oliveira. Adversários ou aliados, eram homens públicos de fina linhagem. E ninguém conviveu tão intimamente com Getúlio Vargas quanto o filho da fronteira do Rio Grande do Sul que presidiu a assembleia da ONU que oficializou a criação de Israel.
Se qualificou o Brasil em que vivia de “um deserto de homens e ideias”, o que diria Oswaldo Aranha do país em que vivemos? Como reagiria se visse na Presidência da República, durante oito anos, um analfabeto funcional que acabaria na cadeia por ladroagem? E o que pensaria de Dilma Rousseff, uma cabeça desprovida de neurônios e infestada de ideias imbecis, que desgovernou o Brasil por cinco anos e meio? A geração de Oswaldo Aranha parecia um criadouro de possíveis presidentes. Nesta segunda década do século 21, a paisagem política induz à suspeita de que Brasília é uma usina de patifes prontos para assaltar até o cofrinho do neto.
A geração de Aranha lidou com o primitivismo da República Velha, a gripe espanhola, eleições fraudulentas, golpes de Estado, insurreições militares, uma guerra mundial, a ditadura do Estado Novo, a industrialização do país rural, a expansão comunista, o início da Guerra Fria, o suicídio de um presidente da República e outras complicações de bom tamanho. Neste estranhíssimo 2020, um bando de poderosos ineptos não sabe o que fazer para sobreviver a um vírus chinês. Governadores não se entendem com o presidente e começam a desentender-se entre si. Prefeitos que tentam caminhos alternativos esbarram no autoritarismo dos ditadores de província. O Congresso obriga o presidente da República a distribuir bilhões de reais que não existem. Os corruptos que sobreviveram à Lava Jato se livram da síndrome de abstinência com o furto em larga escala de verbas destinadas à contenção da pandemia.
O sumiço de governantes competentes e carismáticos é um fenômeno mundial, mas o Brasil anda exagerando.
Nestes trêfegos trópicos, a galeria de retratos presidenciais sempre lembrou um desfile de demagogos, oportunistas exóticos e doidos de pedra, interrompido de vez em quando por figuras ali infiltradas para lembrar que o gabinete do chefe de governo não abrigou apenas esquisitices. O Congresso já foi menos lastimável. Onde houve um Ulysses Guimarães agora há Rodrigo Maia. Davi Alcolumbre ocupa o lugar que já foi de Auro de Moura Andrade. Saiu Tancredo Neves, entrou um Renan Calheiros. Com a extinção dos cardeais, o baixo clero está no comando.
Nelson Rodrigues constatou há 50 anos que os idiotas haviam perdido o pudor e estavam por toda parte.
Não poderiam ficar fora do Supremo Tribunal Federal. A toga, como vive reafirmando Gilmar Mendes, transforma qualquer bacharel em Direito num semideus de botequim, pronto para deliberar sobre tudo, em especial sobre assuntos que desconhece profundamente. Um ministro decidiu recentemente que o escolhido pelo presidente da República não poderia assumir a direção-geral da Polícia Federal. Outro está decidindo se deve ser exibido na íntegra ou parcialmente o vídeo que registra uma reunião do ministério de Jair Bolsonaro. Meses atrás, o time das 11 Excelências resolveu uma pendência que se arrastava desde o século passado: pertence mesmo ao Flamengo um título contestado de campeão nacional de futebol.
Há semanas, o Pretório Excelso proibiu o chefe do Executivo de dar palpites no combate ao coronavírus.
O comando da guerra foi entregue a governadores e prefeitos, mas nenhum tiro pode ser disparado sem a aprovação da Justiça. A ressalva malandra subordinou os métodos de combate concebidos pelas administrações estaduais e municipais aos humores do Ministério Público e à vontade dos juízes de distintas instâncias. Se mesmo infectologistas renomados andam batendo cabeça, pode-se inferir que, como a maioria dos prefeitos e governadores, também promotores de Justiça e juízes de Direito lidem melhor com física quântica do que com o coronavírus de última geração.
Quando não se sabe o que fazer no campo de batalha, melhor ficar em casa, certo?
É compreensível que, no momento, a maior parte dos magistrados simpatize com o isolamento social e veja com desconfiança a retomada gradual da vida econômica. O confinamento não funcionou? Que seja prorrogado por mais algumas semanas. A prorrogação não resultou no sonhado achatamento da curva? Que se endureça o jogo com a decretação do lockdown, palavra inglesa que camufla uma nova modalidade de prisão domiciliar. É essa a novidade em gestação na cabeça de Bruno Covas. O prefeito de São Paulo tem combatido a pandemia com mudanças no trânsito. A mais recente é o rodízio que, desde 11 de maio, obriga os veículos com placas pares a circular só em dias pares. Nos dias ímpares, é a vez das placas ímpares.
A ideia acabou com os engarrafamentos de carros. Em contrapartida, vem mantendo superlotados os ônibus e os vagões de metrô — e concentrações humanas são tudo o que desejam as esquadrilhas de coronavírus. Milhões de paulistanos precisaram de meia hora para constatar que Bruno Covas cometera um erro colossal. Em vez de revogar a decisão e pedir perdão aos paulistanos, o prefeito agora flerta com o lockdown. Com isso, conseguiria remover das ruas todos os veículos e expulsar das calçadas todos os moradores da maior metrópole brasileira. O Judiciário parece gostar da coisa.
Se vivesse para ver o que anda acontecendo, Oswaldo Aranha saberia que seu deserto de homens e ideias era muito menos perigoso que um ajuntamento de homens que têm ideias tão cretinas quanto as produzidas pelos brunos covas. Quando não se sabe o que fazer, ensinou dom João VI, melhor não fazer nada. E passar o bastão a figuras que não morram de medo do vírus chinês.
PUBLICADAEMhttp://rota2014.blogspot.com/2020/05/oswaldo-aranha-e-o-pais-das-ideias.html
0 comments:
Postar um comentário