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Alguns afoitos e apaixonados têm feito alarde sobre a tardia e suspeitíssima acusação do empresário Paulo Marinho, direcionada ao senador Flavio Bolsonaro (Republicanos-RJ) e seu pai, o presidente da República. Contudo, é preciso muita responsabilidade na apuração e no tratamento desse tipo de acusação, posto que interfere, de forma grave, no desenvolvimento político e econômico do país e na sua aparência perante os demais países com os quais se relaciona.
Exatamente por isso e por muito mais que o legislador constituinte foi prudente em dedicar parte do seu texto para estabelecer ritos, ou seja, procedimentos especiais para o processamento dessa questão, que passo a descrever.
O presidente da República, como chefe do Poder Executivo Federal, possui imunidades que assim se dividem: (i) imunidade formal quanto à prisão (art. 86, § 3º, CF) e; (ii) quanto ao processo (art. 86, caput, c/c 51, I, CF).
Tais prerrogativas, ao contrário do que muitos alardeiam, não significam privilégios, mas parte das garantias destinadas à proteção e a preservação da independência dos Poderes da República. Destina-se ainda a resguardar a ordem democrática, o poder político confiado ao chefe da nação pela manifestação soberana da maioria do eleitorado. É, portanto, uma proteção ao próprio cidadão e a sua garantia constitucional de eleger e confiar o poder político, com a necessária segurança, ao candidato de sua preferência.
No que diz respeito ao art. 86, § 3º, a Constituição é clara ao dispor que a prisão somente será possível após sentença penal condenatória. Não obstante, a doutrina e a jurisprudência orientam –segundo a interpretação do conjunto de normas constitucionais– que o chefe do Executivo Federal está resguardado pela cláusula da irresponsabilidade penal relativa, ou cláusula de imunidade processual temporária, conforme bem assentado em decisão no Inquérito 672, da relatoria do ministro Celso de Mello.
Tal cláusula dispõe que não cabe a responsabilização do chefe do Executivo por atos supostamente praticados antes do início do mandato, e que somente poderá ser investigado sobre os possivelmente exercidos em razão do ofício de presidente, conforme disposto no art. 86, § 4º, do Texto Magno.
Quanto ao processo, na hipótese de crime comum ou crime de responsabilidade, o sistema é bifásico. Em ambos, compete à Câmara dos Deputados fazer o juízo de admissibilidade pelo quorum de 2/3, ou seja, 342 votos nominais (art. 86, caput, da CF). Em sendo crime comum, será encaminhado ao Supremo Tribunal Federal; no caso de crime de responsabilidade, ao Senado Federal.
Crimes comuns são quaisquer delitos penais, contravenções e crimes eleitorais. Nesses casos, como não há legislação específica, convencionou-se que o processo especial será regido pelo Regimento Interno do STF e pela Lei nº 8.038/1990, que institui normas procedimentais para processos específicos perante o STJ e o STF.
Por se tratar de processo constitucional e, portanto, especial, a práxis orienta que, concluído o inquérito, o ministro se dedica a uma primeira análise sobre a chamada irresponsabilidade penal relativa (art. 86, §§ 3º e 4º). Assim, examina se o ato questionado como crime comum foi praticado no exercício do cargo e em razão do cargo e, ainda, se foi praticado antes ou após o início do mandato. Antes dessa análise, contudo, é de praxe solicitar a manifestação do Ministério Público.
Feito isso, se o ministro relator concluir que o fato impugnado não tem relação com o ofício do cargo ou que tenha sido praticado antes do início dp mandato, proclamará a irresponsabilidade penal temporária e, em consequência disso, haverá a suspensão da prescrição, assim como decidido no Inquérito 4.517 (relatado pelo ministro Edson Fachin), mediante o qual se investigava o ex-presidente Michel Temer. Caso eventualmente entenda que não há configuração de crime, determina o arquivamento do inquérito.
Noutra conclusão, ou seja, caso o relator entenda que o fato é típico (punível, antijurídico e culpável) e diz respeito ao ofício do cargo de presidente e após o início do mandato, passa-se à análise e direcionamento em duas vertentes: (i) se o suposto crime for de ação penal pública, o inquérito é encaminhado ao procurador-geral da República ou; (ii) se o crime for de ação penal privada, o seguimento do inquérito dependerá da apresentação de queixa-crime, pelo ofendido ou seu representante legal.
Na primeira hipótese, ou seja, nos crimes de ação penal pública, o Ministério Público não é obrigado a oferecer a denúncia. Nessa fase, ele realiza uma análise técnico-jurídica sobre a possibilidade de oferecimento ou não de denúncia contra o investigado. Com efeito, o mérito cabe a ele, de modo que nenhuma pessoa ou autoridade poderá questionar seu entendimento.
Na hipótese de o PGR oferecer a denúncia, o Supremo Tribunal Federá não poderá apreciá-la e recebê-la de imediato, dado que há um juízo de admissibilidade prévio (art. 86, caput, da CF), de competência política da Câmara dos Deputados. Portanto, o presidente do Tribunal tem o dever de encaminhar a denúncia contra o presidente da República à Câmara dos Deputados.
Realizados os trâmites de estilo, previstos no Regimento Interno daquela Casa política, como, por exemplo, a elaboração de parecer pela CCJ (Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania), o tema é levado à votação no plenário, e o prosseguimento do processo somente será possível caso admitido por 2/3 dos deputados federais, isto é, por 342 votos favoráveis.
De volta ao Supremo Tribunal Federal, o presidente da República deverá ser notificado para oferecer resposta escrita no prazo de 15 dias. Depois disso, realizada a análise do processo e da denúncia oferecida, o relator deverá pedir pauta para julgamento no plenário da Corte, que possui juízo de discricionariedade para decidir pelo recebimento ou não a denúncia.
Passo seguinte: na hipótese da denúncia ou queixa-crime ser recebida pelo Colegiado do Supremo Tribunal Federal, o presidente da República é afastado de suas funções pelo prazo de até 180 dias, que passa a ser o prazo também para o STF instruir e julgar o processo.
Portanto, retornando ao caso concreto e aos mais afoitos, embora estejam afirmando que o procurador-geral não precisaria de prova cabal do cometimento do suposto crime, que bastaria a presença de indícios para a abertura da ação penal, importante lembrar que se trata de denúncia visivelmente oportunista do empresário Paulo Marinho; não passa de “disse me disse”.
Com o devido respeito, considerada a importância do cargo de presidente e, sobretudo, em atenção ao eleitor que a ele dedicou o seu voto, o Ministério Público não deve se influenciar com qualquer denúncia infundada, jogada de uma janela como “penas ao vento”. Com efeito, é preciso cautela e inicialmente verificar a clara disposição política do ex-ministro Sergio Moro para 2022, bem com a ainda mais clara e anunciada pretensão de Paulo Marinho em disputar a Prefeitura do Rio de Janeiro.
Ademais, de estranhar essa tentativa de fazer uma conexão com o presidente por supostos fatos imputados ao senador Flavio. Embora infundada, o próprio denunciante afirma que tudo teria ocorrido no curso da eleição de 2018, ou seja, antes do início do mandato de ambos, o que faz impossível ser considerado crime comum praticado em razão do ofício. Nada mais, portanto, que uma tentativa torpe de caluniar e fazer promoção pessoal na não menos infundada acusação do ex-ministro Moro.
É preciso deixar claro que Paulo Marinho não fez uma só referência a ato cometido pelo presidente da República. Tudo que afirma é de ouvir dizer (hearsay), sem a apresentação de qualquer evidência ou algo minimamente associado, mas apenas fazer coro no leviano discurso de interesse do presidente Bolsonaro em controlar a Superintendência da Polícia Federal, para fins impróprios.
Por fim, evidente que as acusações feitas precisam ser apuradas, conforme já se iniciou pela diligente atuação do procurador-geral da República, inclusive para possível responsabilização civil e criminal do empresário Paulo Marinho por suas declarações, na via da denunciação caluniosa e comunicação falsa de crime, posto que a imunidade material não se estende aos suplentes de senador.
publicadaemhttp://rota2014.blogspot.com/2020/05/acusacao-de-marinho-e-calunia-torpe.html
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