por Fernando Fabbrini
Historicamente livre dos ataques de bombardeiros, o Brasil agora foi atingido por uma guerra diferente. O inimigo, microscópico, está infiltrado e vem fazendo estragos.
Durante 12 anos atuei como consultor de uma das maiores e mais modernas usinas siderúrgicas do país. Nesse período, realizamos uma infinidade de ações de comunicação para o público interno e as comunidades da região, assessorando equipes da empresa. Tive o privilégio de conviver com profissionais como Cláudio Horta, Marluce Fajardo, Gláucia Mendonça, Carmen Calheiros, Valéria Ribeiro e tantos outros.
A unidade, que na época fazia parte de um grupo europeu, marcou gols espetaculares. Desde sua inauguração colecionou certificações da série ISO referentes à gestão, qualidade do produto e proteção ambiental. Foi a primeira siderúrgica do mundo a conquistar a SA-8000, norma internacional voltada para relações pessoais no ambiente de trabalho e “compliance” – muito antes da palavra virar moda. Criou um dos mais atuantes centros ecológicos da época, responsável pela educação ambiental de milhares de jovens. Apoiou valiosas iniciativas culturais, de saúde e de lazer em comunidades carentes. Hoje, vendida a outro grupo, não sei se mantém tal estilo e qualificações.
Tanto tempo ali e acabei por entender um pouco de siderurgia, seus processos e a importância desse setor. Fabricar aço é mais ou menos como preparar um bolo; na receita entram componentes variados nas proporções ideais. Usinas modernas são vorazes consumidores de sucata metálica, reciclando toneladas que o mundo descarta.
Ao longo da história, a tecnologia que permitiu ao homem misturar minerais num panelão incandescente tornou-se um dos degraus importantes da civilização, verdadeiras joias da coroa. Durante as guerras mundiais baterias antiaéreas reforçavam, com prioridade, as usinas siderúrgicas nos países envolvidos. Eles tinham razão: sem aço, a guerra e o futuro estariam perdidos.
Historicamente livre dos ataques de bombardeiros, o Brasil agora foi atingido por uma guerra diferente. O inimigo, microscópico, está infiltrado e vem fazendo estragos. Para piorar, há traidores, sabotadores - esse tipo de gente que se aproveita do transtorno para levar vantagens. E são estes os que inventaram o confronto absurdo entre “proteger a vida” e “ganhar a vida”, como se fossem coisas antagônicas.
Pressionadas pelas decisões políticas, algumas siderúrgicas já pisam no freio. Funcionários especializados - raros, treinadíssimos, experientes - estão confinados. É um contrassenso e uma burrice. Nas empresas, os EPIs, as condições sanitárias, transporte próprio e cuidados de rotina garantem aos empregados mais segurança contra contágio do que se trancados em suas casas ou amontoados em ônibus e metrôs.
A produção de uma aciaria não cessa; funciona dia, noite e madrugada jorrando aço líquido que se transformará em vergalhões, trefilados, chapas. Numa recente entrevista o ministro Paulo Guedes tocou no perigo dos altos-fornos em risco. Muito complicado: não basta desligar e ligar novamente o equipamento, como se fosse um liquidificador. Ele esfria; o revestimento interno se perde; é um transtorno de dimensões inimagináveis. Enfim: um alto-forno parado – condição extraordinária e apavorante - só pode retornar ao serviço muitos meses depois, com sérios prejuízos de tempo e material. Aí, o estrago maior já ocorreu.
O aço está na base de uma infindável cadeia de produtos – desde uma simples panela inox até naves espaciais. Então, imagine os milhões de postos de trabalho que dependem do aço como insumo essencial. Aço cria o produto e também a máquina que o fabrica.
Com bom senso e serenidade, é possível preservar a vida das pessoas e a economia. A despeito de qualquer discussão política ou ideológica, quando o aço cessa de correr, as indústrias param. As pessoas cruzam os braços. Na falta dos anúncios das indústrias e do comércio que sustentam meios de comunicação, os cilindros onde se rodam jornais param em seguida. Vêm demissões inevitáveis. Os refrigeradores – aliás, feitos de aço – se esvaziam. Pode sobrar, quem sabe, apenas uma lata de sardinha para a família inteira. Ah, sim; é bom lembrar: sem o aço, nem a latinha existiria.
*Publicado originalmente em O Tempo (BH) e enviado pelo autor.
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