Jornalista Andrade Junior

sexta-feira, 29 de maio de 2020

Ó, CÉUS!

 por Fernando Fabbrini.

FOTO ANDRADE JUNIOR
Como ousam vilipendiar nosso sagrado idioma?
Enrubescido. Indignado. Pasmo. É tarefa penosa encontrar vocábulos que definam meu estado de espirito frente aos eventos hodiernos. Eis que, reunidos em rotina laborativa no planalto central, o mandatário supremo e seus auxiliares referiram-se ao fraterno e desinteressado cenário político utilizando-se de termos reprováveis. Diria mais: a bem da verdade, foi ouvida uma catadupa de expressões chulas, extremamente impróprias à costumeira civilidade de nossa gente.
É sabido que nossa tradição latina sempre pautou-se pela austeridade, pela ponderação, pelo controle escrupuloso das emoções. Assim, inspirando-nos em modelos nórdicos, helvéticos e britânicos, zelamos para que arroubos d’alma nunca interfiram em colóquios, de modo a lesar o livre e comedido manifesto de pontos-de-vista em detrimento dos arrazoados do interlocutor. Frieza e compostura norteiam nossas atitudes.
Já nos idos de 1500, em mares bravios, comandantes lusos tratavam com exacerbada fidalguia seus subordinados. Mesmo enquanto borrascas fustigavam as valorosas naus, tais líderes emitiam ordens cavalheirescas e serenas aos marujos - indivíduos sensíveis, de educação refinada. Nas areias paradisíacas da Bahia, onde aportaram e agradeceram aos céus, a elegância era preservada a priori. Caso lhes caíssem sobre as cabeças um fruto de coqueiro ou de outra espécie de nossa exuberante biodiversidade, bem-humorados, exclamariam apenas:
- Estás a ver? A árvore malandrinha me pregou uma peça!
Mais tarde, os imigrantes souberam enriquecer nossa língua agregando excertos de seus “modus vivendi” originais. Outrossim, o decantado idioma tupiniquim ornou-se de terminologia pitoresca, qual uma aquarela multicolorida, abrilhantando-se com fragmentos de raízes germânicas, hispânicas, italianas, polacas.
Com ênfase, posso afirmar que até minha pessoa, oriunda de ancestrais da região Toscana, jamais teria ouvido de familiares um único, mísero termo de baixo calão. Digo e reafirmo: nada, sequer durante os efusivos encontros em torno da lauta mesa quando, ligeiramente alcoolizados, ítalos trocavam impressões afáveis sobre política, autoridades, agremiações futebolísticas e vizinhos. Da mesma forma, em tempo algum referiram-se a um presente ou ausente atribuindo-lhe maternidade desabonadora ou genética duvidosa. Tudo isso, enfim, foi fundamental para lapidar nossas formas de comunicação, alcançando a excelência neste cadinho de raças.
O cancioneiro popular exibe a pureza de uma vestal. Prova disto são as letras das melodias de sucesso no país que descrevem a fisiologia feminina e seus encantos naturais com extrema delicadeza e reverência. As novelas – tão estimadas pelas famílias no aconchego dos lares! – são arautos diuturnos de valores como dignidade, tolerância, honestidade e compaixão. Os temas selecionados para os mais concorridos horários televisivos são notadamente edificantes. Ouvem-se diálogos salpicados de pérolas virtuosas, indispensáveis à formação de nossos jovens e a expansão de seus vocabulários. Eventos de cunho artístico primam-se pela decência e respeito às crenças, pudores e valores íntimos dos espectadores – incluindo impúberes. Nos estádios, malgrado compreensíveis ânimos exaltados, exclamações injuriosas ao torcedor adversário ou diatribes dirigidas ao árbitro são terminantemente rejeitadas. Nas ruas e estradas, motoristas verbalizam carinhos mútuos a cada instante.
Portanto, é justa e oportuna a indignação advinda da elite intelectual e artística nacional, lídima representante do cerne da brasilidade. Contumaz zeladora das mais caras tradições, dos bons modos, da altivez, da independência e da ética, jamais bajulou poderosos de outrora para usufruir de privilégios, sinecuras, prebendas ou contrapartidas financeiras.
Destarte, num país como o Brasil - educado, cooperativo, unido, incorruptível – e onde sempre se buscou o interesse do cidadão comum pelas vias mais sublimes e civilizadas - não poderemos jamais tergiversar: falar palavrão é foda, mesmo.




 Publicado originalmente em O Tempo de Belo Horizonte e enviado pelo autor.

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