Wilson Lima, Rodolfo Costa e Wesley Oliveira, Revista Oeste
A firme rejeição a indicações meramente políticas para cargos no Poder Executivo foi promessa de campanha de Jair Bolsonaro. O compromisso, reafirmado quando o presidente tomou posse, em janeiro de 2019, esteve presente em frequentes discursos. As recomendações de nomes não seriam aceitas nem mesmo de aliados. Transcorreram quinze meses, uma pandemia entrou na equação política, 33 pedidos de impeachment foram apresentados ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e o ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, autorizou a abertura de inquérito para apurar se houve tentativa de interferência política na Polícia Federal. De modo que um fator importante passou a interferir no cálculo: o fator Centrão, o bloco político tido como fisiológico, que negocia votos no Parlamento em troca de cargos em ministérios, secretarias, autarquias, departamentos, fundações e, claro, a liberação de verbas para emendas parlamentares em favor das bases eleitorais. Ressurge no Brasil, portanto, o conhecido presidencialismo de coalizão.
Nas últimas duas semanas, autorizados pelo presidente, os militares iniciaram uma aproximação com líderes de partidos como MDB, PSD, PL, PTB, Avante, Republicanos, Progressistas, PSC e Patriotas. As negociações ainda estão em curso, mas o governo sinaliza boa vontade. Três objetivos estão no radar do Planalto: ter uma base no Congresso capaz de ajudar a tocar o país depois da pandemia de covid-19, manter as contas públicas em ordem e assegurar que eventuais pedidos de impeachment e de abertura de processo penal contra o presidente não prosperarão.
“Quando converso com alguém, de partidos outros, vocês [da imprensa] falam que estou oferecendo cargo. Me acusem, tudo bem, mas com racionalidade”, disse o presidente Jair Bolsonaro, na manhã da terça-feira 28 de abril, no Palácio da Alvorada. “Converso praticamente com todos os parlamentares. Quando falo com o pessoal do PP… Eu já fui mais de dez anos do partido. Por que que eu não vou conversar com nomes do PP, já que foram meus colegas por 15 anos? Qual o problema? Eles que votam. Se eles têm algum pecado, o eleitor do Estado é que deve tomar providência. Eu não estou aqui para julgar, condenar, acusar, pedir cassação de qualquer parlamentar.”
As indicações do Centrão vêm sendo avaliadas pela equipe técnica dos ministros-generais Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) e Braga Netto (Casa Civil). O Gabinete de Segurança Institucional analisa cada nome como se fizesse uma investigação da Polícia Federal. A Controladoria-Geral da União foi incumbida de garantir mecanismos de controle para identificar atos suspeitos por parte dos futuros nomeados. E o Planalto, embora garanta que tratará os apadrinhados como aliados, também informa a disposição de exonerar rapidamente aqueles apanhados em irregularidades.
Cargos e verbas
O governo escolheu poucos articuladores para atuar no jogo com o Centrão. Bolsonaro chegou a orientar parlamentares próximos, que se tornaram interlocutores informais com o grupo. Um dos líderes do Centrão, o deputado Arthur Lira (Progressistas-AL), mantém diálogo permanente com alguns desses articuladores. Lira está de olho em órgãos como o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, cujo orçamento anual é de R$ 54 bilhões, e o Departamento Nacional de Obras contra as Secas, que administra R$ 1,1 bilhão.
Líder do Progressistas no Senado, Espiridião Amin (SC) é cauteloso ao falar sobre distribuição de cargos. “Não falo sobre esse assunto porque não vou indicar nenhum nome. O Bolsonaro vai dizer que não negocia, mas ele negocia, sim. A vida é feita de negociações, todo mundo negocia”, diz o senador.
De acordo com a estratégia em curso, o general Luiz Eduardo Ramos terá reuniões regulares com representantes do Centrão para tratar não apenas de cargos, mas também da liberação de emendas parlamentares.
As movimentações deram munição à base bolsonarista de raiz, que agora quer mais atenção. Num café da manhã na última quarta-feira, 29 de abril, 22 parlamentares do PSL ouviram do presidente Bolsonaro e do ministro Luiz Eduardo Ramos que suas demandas serão prioritárias. Atendendo a pedidos insistentes do partido, o Executivo sinalizou que mapeará petistas e técnicos identificados com a esquerda para repassar os cargos ao PSL.
Hoje, segundo dados do Ministério da Economia, existem 10,4 mil cargos comissionados de livre nomeação, os chamados DAS (Direção e Assessoramento Superior). Muitas dessas vagas ainda são ocupadas por pessoas ligadas a partidos que não fazem parte da base do governo, como o próprio PT. Como o número exato de “infiltrados” continua um mistério, Ramos prometeu um levantamento criterioso.
MDB e DEM
Com uma das maiores bancadas do Congresso (34 deputados e 13 senadores), o MDB sinalizou ao Planalto que não pedirá cargos em troca de apoio. Em encontro com Bolsonaro, o presidente da sigla, deputado federal Baleia Rossi (SP), disse que o partido pretende se manter independente e os parlamentares votarão conforme a pauta apresentada. Rossi confirmou o compromisso de apoiar a agenda econômica do ministro Paulo Guedes.
Outro partido importante que não embarcará integralmente no governo é o DEM, que conta com 28 deputados e seis senadores. A maioria dos parlamentares apoia Rodrigo Maia. Depois dos conflitos entre Maia e Bolsonaro, uma adesão total seria inaceitável. O presidente do DEM e prefeito de Salvador, ACM Neto, esteve reunido na última semana com Bolsonaro para tentar algum tipo de acordo, mas não houve avanços significativos.
A conta do Planalto
Pela contabilidade da Casa Civil e da Secretaria de Governo, há potencial para a rápida construção de uma base consistente. Somando-se apenas as bancadas na Câmara de partidos do Centrão (Progressistas, PL, PSD, PTB, Avante, Republicanos, PSC e Patriotas) mais 22 parlamentares fiéis do PSL, será possível contar com 202 deputados. O Planalto aposta que dá para adicionar a esse número metade das bancadas do MDB e do DEM. Seriam mais 31 votos. Há ainda cerca de 20 parlamentares de partidos diversos que estão descontentes com suas siglas e podem embarcar no Aliança pelo Brasil ou defendem uma agenda semelhante à do governo federal. Na lista, estão nomes como Marco Feliciano (sem partido-SP), José Medeiros (Podemos-MT), Rodrigo Coelho (PSB-SC), Paula Belmonte (Cidadania-DF) e Rosana Valle (PSB-SP).
No Senado, a situação é ainda mais favorável. Os partidos do Centrão somam 25 votos e o presidente Davi Alcolumbre (DEM-AP) praticamente atua como representante do Planalto, ao lado de Fernando Bezerra (MDB-PE) e do líder do governo no Congresso, Eduardo Gomes (MDB-TO). Com as articulações bem encaminhadas, o governo obteve a simpatia de pelo menos metade da bancada do MDB e de outros senadores que têm uma atuação independente de seus partidos, como Marcos do Val (Podemos-ES), Chico Rodrigues (DEM-RR), Marcos Rogério (DEM-RO) e Roberto Rocha (PSDB-MA). Eis a conta simples: com 25 do Centrão, mais 20 senadores de outras bancadas, o governo teria 45 votos — maioria simples entre os 81.
Impeachment e processo penal
Com a nova base, o governo tem condições de frear movimentos em favor de um eventual impeachment. Os congressistas sabem que não há ambiente político, social ou econômico para que um pedido de impedimento consiga avançar. Para o Centrão, o cálculo político é simples. Impeachment não se faz sem povo nas ruas, não existem condições para mobilizações populares e Jair Bolsonaro tem uma base fiel de aproximadamente 30% do eleitorado. Base esta já consolidada semanas antes das eleições de 2018. As pesquisas de intenção de voto indicavam esse piso, que cresceu com o tempo a partir da adesão de outros grupos políticos, como os chamados “lava-jatistas” (apoiadores do ex-ministro Sergio Moro), os antipetistas e os liberais de centro que não contavam com outro candidato competitivo. Ou seja: mesmo se esses grupos de eleitores de ocasião abandonarem o bolsonarismo, a base de raiz persistirá.
Com ou sem Fundo Eleitoral, o novo presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Luís Roberto Barroso, já afirmou que não pretende adiar as eleições para 2021 por causa da covid-19 — nem os parlamentares querem isso. A partir de agosto, portanto, o Congresso entra em recesso branco e todos os políticos passam a dirigir a atenção integralmente para as disputas nas bases eleitorais. Simplesmente, não haveria tempo suficiente para viabilizar um processo de impeachment — no caso da ex-presidente Dilma Rousseff, o início se deu em dezembro de 2015, um ano não eleitoral, e decolou na retomada dos trabalhos legislativos, em 2016; foi um semestre inteiro de discussões.
Se o panorama político demonstra a inexequibilidade de um impeachment, os caminhos jurídicos para remover Bolsonaro de sua cadeira são igualmente complexos. Mesmo que sejam reunidas provas contra o presidente em alguma das três investigações em curso no Supremo Tribunal Federal — relacionadas a fake news e a declarações do ex-ministro da Justiça Sergio Moro sobre suposta interferência política na Polícia Federal —, há etapas a cumprir depois dessa fase. Primeiramente, a Procuradoria-Geral da República (PGR) teria de reunir as provas e decidir apresentar denúncia contra o presidente. Depois, Bolsonaro somente seria processado caso a abertura de ação penal fosse autorizada pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara e, em seguida, pelo plenário, com dois terços dos votos a favor. Tem mais. A denúncia, uma vez aceita, voltaria ao STF, onde teria de contar com a maioria dos votos.
Na PGR, há o sentimento de que o procurador-geral da República, Augusto Aras, dificilmente apresentará denúncia contra o presidente. E, com o Centrão já no jogo do Planalto, as possibilidades de impedimento ou condenação numa ação penal são mais que improváveis. São absolutamente remotas.
Movimento natural
A aproximação de Bolsonaro com os partidos do Centrão é avaliada como natural, dado que o sistema político brasileiro foi constituído como presidencialismo de coalizão, como avalia o advogado eleitoral e analista político Acácio Miranda. “O Poder Executivo brasileiro precisa ter força no Parlamento para poder governar. Sem uma base, as pautas não avançam. Isso não é exclusividade do governo federal. Acontece nos governos estaduais e até nos municipais”, comenta.
“O presidente Bolsonaro teve muita dificuldade no primeiro ano de mandato justamente por ir contra o modelo de coalizão, e por isso repensa seu governo. Seja qual for a ideologia do presidente, o Centrão sempre vai querer compartilhar o poder. Então, o que Bolsonaro vai fazer não é novidade”, completa Miranda.
Os chamados ministros palacianos, aqueles que despacham no Palácio do Planalto, garantem que o presidencialismo de coalizão que passa a vigorar terá semelhanças com o modelo que o país experimentou nos governos Itamar Franco (1992-1994) e Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), baseado em acordos legítimos e democráticos. O que se viu posteriormente, nos governos petistas (2003-2016), foi a mera compra de votos mediante operações criminosas como o Mensalão e o Petrolão.
Uma semana após a saída do ex-ministro da Justiça Sergio Moro, a sensação no Palácio do Planalto é que o governo ganhou duplamente com o episódio. O Centrão viu na saída de Moro uma sinalização favorável do governo e, do outro lado, o presidente não viu reduzir-se significativamente sua base de apoio popular. Na prática, o governo perdeu um grande ministro, mas pode ter ganhado uma grande base parlamentar. Agora, cabe ao eleitor vigilante acompanhar o xadrez político do Centrão.
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Quantos parlamentares cada partido pode entregar?
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