Jornalista Andrade Junior

domingo, 26 de maio de 2019

"Roubar e roubar"

J.R. Guzzo:

                      foto Andrade Junior
Quer fazer um teste para saber em alguns segundos como você ajuda a manter de pé um dos mais notáveis monumentos à concentração de renda que existem atualmente no mundo? 
Pegue as suas últimas contas de telefone ou de luz e vá até onde está escrito “total a pagar”. 
Se você é um morador de São Paulo, por exemplo, verá que 25% desse total é imposto puro, o ICMS — ao qual se somam outras taxas que o governo ainda consegue lhe arrancar. 
O que não se vê na conta é que quase 10% do ICMS arrecadado a cada vez que alguém acende a luz ou fala ao telefone vai direto para o caixa das três universidades públicas de São Paulo. 
Acontece todo santo mês, sem falhar nunca, e provavelmente vai continuar acontecendo até o fim da sua vida. 
Mais: esse pedágio é retirado de todo ICMS pago no estado — não só nas contas de luz, telefone ou gás, mas em qualquer outra coisa cuja existência o Fisco paulista consiga identificar dentro do território estadual.
Uma vez sacado do seu bolso, o dinheiro vai para jovens, em geral de boa família, estudarem de graça temas como arte lírica, ou educomunicação, incluindo aí “prática epistemológica do conceito” e “gestão democrática de mídias”. 
Podem estudar armênio. 
Podem tentar um diploma de semiótica sobre “linguagens imaginárias”, ou sobre a “imanência e transcendência na emergência do sentido”. 
É claro que o contribuinte paga todos os cursos das três universidades — e muitos deles são indispensáveis. 
Mas isso não melhora nada. 
Só significa, na prática, que os cursos úteis para a sociedade recebem menos dinheiro porque têm de dividir a verba com os inúteis. 
Aliviado por não morar em São Paulo? 
Esqueça. 
Há o dragão das universidades federais — um bicho que pega geral, até o último confim do Acre. 
A diferença é que o paulista, e os cidadãos de todos os estados que mantêm universidades, toma duas contas no lombo.
O fato é que os impostos pagos por todos os trabalhadores brasileiros são doados aos filhos das classes média e alta para que estudem na universidade pública sem pagar um centavo. 
Isso se chama transferência de renda do mais pobre para o mais rico — que passou no vestibular porque foi capaz de financiar seu ensino básico em escolas particulares. 
Não tem conversa: se o governo tira de todos e dá a alguns, está tomando dinheiro da pobralhada, que é 80% desse “todos”, e fazendo um presente para a minoria que forma o “alguns”. 
É um método praticamente infalível, se você quer manter as desigualdades neste país exatamente como elas estão. Uma excelente escolha, também, para fazer a pobreza no Brasil durar o máximo de tempo possível. 
Em compensação, o sistema nos dá as universidades federais “gratuitas” — são nada menos que 63 ao todo, que talvez sejam 68, segundo os caprichos da burocracia educadora nacional.
“Na Universidade Federal do ABC há uma licenciatura em ‘afro-matemática’ ”
Esse monstro é caro, injusto e burro. Dos cerca de 120 bilhões de reais do Orçamento federal de 2019 para a educação, quase metade vai para as universidades — o contrário do que a inteligência mais rudimentar recomenda a um país onde o ensino básico está em colapso há anos e que, por causa disso, ocupa o 119º lugar na classificação mundial dos países segundo a qualidade da sua educação. Grande parte dessa despesa vai para o lixo.
 Na Universidade Federal do ABC, que custa mais de 250 milhões de reais por ano, há uma licenciatura em “afro-matemática” — aparentemente, a equação de segundo grau ou a progressão geométrica, do jeito que os alunos aprendem hoje, são “brancas”, e “reproduzem o racismo nas salas de aula”. 
É preciso, portanto, “descolonizar os referenciais teóricos”. 
Há uma Universidade Federal da Integração Latino-Americana. 
Há uma da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira. 
Há uma Universidade Federal da Fronteira Sul e uma Universidade Federal do Pampa.
Nenhuma delas está entre as 150 melhores universidades do planeta segundo o ShanghaiRanking, um dos termômetros mais respeitados para medir a qualidade mundial da educação superior. 
Em outra lista de prestígio, a Times Higher Education, o resultado é pior: não há nenhuma brasileira entre as melhores 250. 
Dá o que pensar. 
Ou o Brasil se livra dos educadores, ou os educadores conduzirão o Brasil ao nível de instrução vigente na Idade da Pedra. 
Há outra consideração a fazer, na sequência. 
Um jeito conhecido de roubar dinheiro público é fechar-se numa sala com Marcelo Odebrecht, por exemplo. 
Outro é ensinar imanência e transcendência na emergência, com o dinheiro do ICMS que você pagou na sua última conta de luz. 
O primeiro jeito talvez acabe saindo mais barato.

Veja
























extraídaderota2014blogspot

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