por Gil Castello Branco
Em 2008, em entrevista concedida ao jornal Gazeta do Povo, do Paraná, o então ministro do Planejamento, Orçamento e Gestão, Paulo Bernardo, afirmou: “Contingenciamento é como o Natal: acontece todos os anos”.
É verdade. Contingenciamento é medida recorrente. Trata-se do bloqueio temporário de recursos para ajustar o orçamento aprovado no ano anterior ao real comportamento das receitas e despesas, de forma a que o governo possa cumprir a meta fiscal. Ao longo do ano, dependendo da conjuntura econômica, o contingenciamento pode ser reduzido, ampliado e até tornar-se, de fato, corte efetivo. A contenção dos gastos ocorre nas despesas discricionárias, como limpeza, luz, água, obras e equipamentos. Não são afetadas as despesas obrigatórias, como os salários, pois não há como deixar de pagá-las.
Desde 2009, pelo menos, o orçamento do Ministério da Educação sofre contingenciamentos, com exceção de 2013 e 2014, ano de eleição presidencial. O maior deles ocorreu em 2015, quando foram bloqueados R$ 9,4 bilhões. Naquele exercício, somados todos os órgãos federais, o contingenciamento atingiu R$ 70 bilhões, o maior da história.
Neste ano, o governo bloqueou cerca de R$ 30 bilhões. Em 2018, a expectativa era de que o Produto Interno Bruto (PIB) cresceria 2,5% em 2019, o que não irá acontecer. Há risco até de um novo resultado negativo. O menor volume de transações econômicas reduz a arrecadação dos impostos, diminui a receita e inviabiliza o alcance da meta estipulada pelo Congresso, de déficit de R$ 139 bilhões. Se o presidente descumprir a meta sem o aval do Legislativo, cometerá crime de responsabilidade e estará sujeito ao impeachment.
Em valores absolutos, o maior bloqueio de verbas discricionárias foi mesmo na Educação, que teve sustados R$ 5,7 bilhões no decreto de contingenciamento. Proporcionalmente, porém, o ministério mais afetado foi o de Minas e Energia, que está impedido de executar R$ 3,8 bilhões, quase 80% de seu orçamento de despesas discricionárias. A Defesa perdeu 38% e a Infraestrutura, 39%. Nesse ranking, a Educação aparece com a nona maior perda, com o percentual de 24,6%.
O bloqueio de verbas das universidades trará, sem dúvida, inúmeras dificuldades para as instituições. Mas é só a ponta do iceberg com o qual o país irá colidir se mantiver o rumo atual. Estudo da Contas Abertas mostra a situação dramática:
Por incrível que possa parecer, embora 1/3 dos domicílios brasileiros não possuam esgoto, o contingenciamento bloqueou 31,5% das verbas de saneamento. Depois do que vimos em Mariana e Brumadinho, e do que está para acontecer em Barão de Cocais, foram bloqueados 24,8% em verbas de ação relacionada à segurança de barragens. Existem 13 milhões de desempregados e o bloqueio de iniciativas ligadas ao emprego alcançou R$ 59,2 milhões. Uma das poucas atividades bem-sucedidas para minorar os impactos dos desastres ambientais, o alerta de cheias e inundações, teve suspensão de verbas de 20,4%. A dotação para prevenção de uso de drogas foi 100% contida. E o que dizer do bloqueio médio de 35,8% em ações de proteção dos direitos humanos, incluindo idosos, indígenas, comunidade LGBT e outros segmentos?
A OAB, o Ministério Público, o Legislativo, o Judiciário, e todos os agentes que estão debatendo o contingenciamento nas universidades, precisam ir além. É imprescindível focar no problema central, ou seja, nas reformas que reduzam o tamanho do Estado e o déficit público, notadamente as despesas com pessoal e previdência, que crescem ano a ano e comprimem as demais.
A economia está na UTI. De 2014 a 2018, o déficit primário (sem o pagamento dos juros) acumulado foi de R$ 535,4 bilhões! Em março, a dívida pública atingiu 74,8% do PIB. Nesta semana, novo contingenciamento será anunciado.
O bloqueio do orçamento é um paliativo que baixa a febre, mas não cura a doença. Tal como disse o petista Paulo Bernardo, o contingenciamento acontece todos os anos, como o Natal. Mas não dá para esperar que o equilíbrio das contas públicas seja um presente de Papai Noel.
Com O Globo
extraídaderota2014blogspot
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