por Vilma Gryzinski
O único sinal de vida política efervescente no reino parecia acabado e sepultado: Nigel Farrage.
Ou, como dizem seus fãs: “Ni-gel, Ni-gel”. Pronunciado à inglesa, naaaaaijel.
São homens e mulheres em geral de cabelos tão brancos quanto o tom de pele, ironizados como velhos atrasados, burros, ignorantes, preconceituosos e coisas piores quando votaram no plebiscito de 2016 a favor por sair da União Europeia.
Eram dados por tão acabados e sepultados quanto “Ni-gel”, o untuoso líder do Ukip, com seus dentes tortos, figurino antiquado (e, pior ainda, imitando a classe alta), pint de cerveja rapidamente à mão, múltiplas mulheres saídas do quadro de funcionárias do Parlamento europeu.
Assim que o Brexit foi aprovado no referendo, desafiando o universo das previsões e dos bons conselhos de todas as elites, Nigel Farrage saiu do Ukip, o partido extremamente minoritário que vestiu a camisa da ruptura.
Foi uma das múltiplas surpresas que bagunçaram o mundo político da Inglaterra – no caso, falamos especificamente do país dominante do Reino Unido onde o Brexit prevaleceu.
Propulsionada à chefia do governo pelo Partido Conservador, onde o Brexit não tinha maioria, Theresa May prometeu o óbvio: iria cumprir fielmente a decisão da maioria do eleitorado e promover um processo racional e vantajoso de desengajamento.
Fez e continua fazendo o exato oposto, com tanto sucesso em seus fracassos que a turma contra o Brexit passou a sentir uma exultação nada secreta.
Os coroas atrasados, pensavam, diziam e escreviam, estavam vendo só no que tinham votado. Se o referendo fosse hoje a decisão seria muito diferente. Tinham sido enganados pela campanha do Brexit e por Nigel Farage (duas coisas separadas), exatamente como no filme com Benedict Cumberbatch.
Pois não é que os esses eleitores resolveram se revoltar de novo? E através do mesmo Nigel Farage, que criou o genialmente autoexplicável Partido do Brexit?
Saindo de zero, menos ainda do que na época do referendo, o novo partido está com até 32% das preferências para as eleições do Parlamento Europeu, uma farsa grotesca à qual a incompetência terminal da primeira-ministra condenou o reino a participar, mesmo fadado a sair do mecanismo?
O Partido Trabalhista, que também está perdendo eleitores, vem em seguida, com 24%. Os conservadores, massacrados pela revolta do eleitorado contra políticos traidores, ficam em quarto lugar, atrás dos Liberal Democratas, com ridículos 12%, um vexame histórico.
Quase três quintos, ou 57%, dos eleitores que votaram no Partido Conservador na última eleição geral, em 2017 – um desastre desnecessário inventado por Theresa May, pretendem votar agora no Partido do Brexit.
E não é só isso não. As eleições para o Parlamento Europeu nunca são muito animadas e, compreensivelmente, eleitores furiosos comparecem mais, para manifestar sua raiva. Na última pesquisa, 51% disseram que votarão, no próximo dia 23, para “garantir que o Brexit siga em frente”.
Mas mesmo em eleições gerais, ainda sem perspectiva imediata, o novo partido está chegando a rivalizar com os trabalhistas.
A vitória por default que o partido recriado à imagem esquerdista de seu líder, Jeremy Corbyn, esperava cair em seu colo, diante da derrocada dos conservadores, começou a parecer menos inevitável.
Cerca de 20% dos eleitores dizem que votariam no partido de Nigel Farage para o Parlamento Nacional. Eleitores tradicionais do trabalhismo e muito contrários ao Brexit estão mudando para o Liberal Democrata ou o Verde.
“Se perguntassem a você quem foi a pessoa com maior influência política nos últimos 40 anos? A minha resposta imediata seria Margaret Thatcher”, escreveu o analista Philip Johnston. “Mas em segundo lugar viria Nigel Farage, em razão do impacto estremecedor que o Brexit teve na política.”
Imaginem só, o ex-corretor de commodities com imagem de figura folclórica grudadinho na fabulosa senhora Thatcher, a mulher que ganhou o direito a ter sua própria era.
Só para lembrar: a filha de verdureiro com cabelo engomado e sotaque aperfeiçoado para imitar as classes superiores também não era levada a sério.
Não dá para imaginar “Ni-gel” atacando adversários de Hayek na mão e sintetizando o espírito do liberalismo em frases tão magnificamente simples como Thatcher, mas ele está aprendendo.
Numa entrevista recente a Andrew Marr, um veteraníssimo da BBC, Farage foi confrontado com os ataques de sempre: xenófobo, homófobo e outros bichos, com base em declarações cretinas do passado.
Farage respondeu que o Partido do Brexit chegou ao topo das pesquisas sem ter uma única participação em programas do topo da grade da BBC. Aliás, em todos os comícios que está fazendo pelo reino – aqueles do “Ni-gel” –, não tem sequer uma câmera da BBC.
“Podem se preparar para uma bela surpresa”, avisou ele.
Depois do resultado do Brexit, ninguém mais deveria se dar ao direito de levar um susto com a revolta do eleitorado. Mas parece que Nigel Farage está tirando mais uma surpresinha do bolso de algum de seus pavorosos blazers com gola e cotoveleira de veludo.
Veja
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