JOSÉ PASTORE O ESTADO DE S. PAULO
Assim, se as empresas acharem vantajoso adotar uma jornada de trabalho acima do estabelecido em lei (35 horas por semana), cabe a elas convencer seus empregados e pagar as horas extraordinárias. Do lado dos empregados, cabe avaliar a proposta e, sendo atraente, propor o valor da hora extra (não inferior a 10% da hora normal). Havendo acordo, a jornada é alterada. Não havendo acordo, fica como está na lei. Dessa forma, empregados e empregadores exercitam a liberdade de fazer o que mais lhes convêm.
O sistema é ilustrativo para o Brasil. Nele fica claro que a lei não é revogada, mas que as partes só negociam quando veem nisso um jogo de ganha-ganha. Quando o jogo não compensa, fica tudo debaixo da lei. Não há retirada ou revogação de nenhum direito. A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) está repleta de regras rígidas, que são de difícil ou impossível aplicação universal. Por exemplo, a que estabelece um limite máximo de dez minutos para os empregados entrarem e saírem do trabalho (art. 58).
Quando há quatro movimentações diárias, os 2,5 minutos para cada entrada ou saída podem ser suficientes para quem trabalha em uma papelaria, mas não para quem trabalha em uma grande siderúrgica, onde se gastam cinco minutos para atravessar o pátio e que requer um bom tempo para entrar no uniforme e se ajustar aos equipamentos de proteção da saúde. Por que não permitir que as partes negociem o tempo que lhes parece mais razoável para fazer as movimentações? Assim como esse, há vários dispositivos para os quais as partes podem encontrar uma solução diferente da lei.
Pela CLT, um empregado com 49 anos de idade pode gozar suas férias em dois períodos, mas o seu colega de 50 anos não pode (art. 139). Considerando-se que os dois e seus familiares têm necessidades semelhantes, por que não deixar isso para as partes acertarem? Em nenhum desses casos é preciso revogar a CLT, e sim permitir que as partes encontrem a melhor solução para o que precisam. Dou mais um exemplo. Pela regra da CLT, todas as promoções de empregados, cujas funções constem de planos de carreira, têm de ser feitas levando em conta, em primeiro lugar, a antiguidade e, depois, o merecimento (art. 461).
E se as partes concordarem que, para determinadas atividades ou situações, o mérito deve anteceder o tempo de firma? Por que não permitir que isso seja objeto de negociação e acordo coletivo? A rigidez persiste nas regras estabelecidas por portarias, súmulas, instruções normativas, etc. Por exemplo, um enfermeiro de hospital que precisa fazer um atendimento de fisioterapia a uma pessoa que mora perto de sua casa tem de ir primeiro ao hospital para registrar a entrada em serviço no ponto eletrônico (Portaria 1.510/2009 do Ministério do Trabalho), para depois voltar ao local de origem e ali realizar o referido atendimento.
É o jogo do perde-perde, no qual empregado e empregador desperdiçam uma ou duas horas em locomoção desnecessária. Por que não permitir que as partes encontrem a melhor forma de registrar a jornada de trabalho? Afinal, é fácil fazer isso até pelo telefone celular. É infindável o número de proteções que podem ser mantidas, ajustadas e melhoradas por negociação e de forma diferente do que estabelece a lei ordinária. A última palavra fica sempre com as partes. Se uma não quer, prevalece o que está na lei. Pelo que vejo na imprensa, essa é a intenção do governo brasileiro. Não é preciso ir à França para perceber que se trata de uma boa ideia.
*É PROFESSOR DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO, PRESIDENTE DO CONSELHO DE EMPREGO E RELAÇÕES DO TRABALHO DA FECOMERCIO-SP E MEMBRO DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS
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