Dilma, Cristina e o 'efeito Orloff' - SUELY CALDAS
O ESTADÃO -
Ao analisar as contas públicas do governo federal, o Tribunal de Contas da União (TCU)
alertou para o risco de "argentinização do Brasil", referindo-se aos
truques e maquiagens a que o governo Dilma Rousseff tem recorrido para
manipular o resulta- do fiscal do País. Na Argentina, estatísticas
sociais e indicadores econômicos ficaram desacreditados, desmoralizados
desde que o governo interveio no Instituto Nacional de Estatísticas e
Censos (Indec), demitiu profissionais sérios e passou a maquiar
pesquisas e índices econômicos. O divórcio da realidade é tal que o
índice de inflação oficial em 2012 ficou em 10,8 % e o real, em 26,9%.
O alerta do TCU faz
lembrar o fenômeno "efeito Orloff" nas relações Brasil-Argentina. Nos
anos 1980, uma propaganda de TV no Brasil mostrava dois homens - um
bebendo uma dose de vodca e outro sóbrio e saudável que respondia ao
primeiro: "Eu sou você amanhã". O objetivo do anúncio era avisar que
bebida de qualidade não provoca ressaca. Mas os economistas brasileiros
rapidamente inverteram a ideia e passaram a chamar de "efeito Orloff" os
erros cometidos pela Argentina e depois repetidos no Brasil no
enfrentamento da hiperinflação. Para o TCU, o Brasil estaria começando a praticar o "efeito Orloff" ?
Não chega a tanto. Aqui
seria impensável destruir quase 80 anos de trabalho do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), transformando-o em uma
instituição servil, desonesta, mentirosa e desrespeitada mundo afora,
como é hoje o Indec argentino. Obrigado a trabalhar com índices oficiais
produzidos pelos governos dos países, o Fundo Monetário Internacional
(FMI) já ameaçou até suspender a Argentina, caso continue falsificando
estatísticas.
É verdade que os
mirabolantes truques do Ministério da Fazenda para alcançar a meta
fiscal tornam nossa contabilidade desacreditada, carregando junto bancos
públicos e empresas estatais, usados pelo governo como meros
instrumentos de maquiagem. E acabam produzindo efeito contrário ao
pretendido porque só o governo e mais ninguém acredita que a meta de
2012 foi cumprida e tampouco será a de 2013. Bancos, fundos de
investimentos, instituições financeiras e consultorias calculam seus
próprios números, já descontando a camuflagem, e é com eles que
trabalham.
Ou seja, além de
produzirem um resultado desacreditado, o ato de tentar falsear contribui
para nutrir o cenário de desconfiança em relação à economia brasileira,
já baqueada pela estranha combinação de inflação alta e crescimento
medíocre. E este é um cenário ruim para um país que precisa atrair
investimentos privados.
Mas há uma diferença
fundamental: enquanto a Argentina resolve o descumprimento de metas e
compromissos com falsificações grosseiras, gestos autoritários e
desrespeito às regras da democracia, intervindo e demitindo funcionários
honestos do Indec, o governo brasileiro não ousa fazer o mesmo com o
IBGE. E as triangulações financeiras - criticadas e contestadas- que faz
como Banco do Brasil, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e
Social (BNDES), Petrobrás e Eletrobrás podem até desaparecer da dívida
líquida, mas inevitavelmente aparecem e inflacionam a dívida bruta. E
isso o governo não esconde.
No câmbio
É verdade também que o
Brasil começa a enfrentar problemas na área cambial que a Argentina vive
há tempos, desde 2011. Porém há outra diferença a favor do Brasil: até
agora o País não perdeu reservas cambiais e a desvalorização do real em
relação ao dólar não tem sido mais grave do que têm enfrentado outras
moedas, desde que o Federal Reserve anunciou a retirada de estímulos à
economia dos EUA. Apesar disso, preocupa a fuga de capitais de
investidores estrangeiros: só da Bovespa saíram R$ 4,073 bilhões no mês
passado. E a explicação maior é a desconfiança com os rumos da economia,
além do desastre com as ações das empresas do Grupo X, de Eike Batista.
Já a vizinha Argentina
vem perigosamente perdendo reservas desde outubro de 2011, quando o
governo começou a aplicar medidas de controle do câmbio. Só este ano a
perda chegou a US$5,242 bilhões e entre 2010 e o mês passado o estoque
das reservas desabou de mais de US$ 50 bilhões para US$ 38 bilhões. E
como reagiu a presidente Cristina Kirchner? Na segunda-feira anunciou
anistia para quem fugiu do controle cambial: nos próximos 90 dias quem
repatriar ou legalizar dólares guardados em casa ou em caixas-fortes de
bancos poderá fazê-lo sem pagar qualquer taxa ou imposto: o cidadão
entrega os dólares não declarados a qualquer banco e recebe em troca
papéis garantidos pelo governo. Economistas argentinos apostam que a
anistia vai transformar o país em temporário paraíso de lavagem de
dinheiro.
Guardadas as diferenças
(a favor da brasileira), há uma semelhança entre Dilma e Cristina: como
as duas gostam de intervir na economia! E com enormes chances de cometer
equívocos. Exemplo no Brasil foi o programa de renovação das concessões
elétricas e redução da conta de luz: estrangulou a Eletrobrás e vem
sendo desfeito pelos reajustes concedidos à tarifa das empresas. Além
disso, o engessamento dos modelos dos leilões atrasou investimentos em
rodovias, ferrovias e aeroportos, fundamentais para aliviar gargalos da
produção industrial do País. Mas Cristina Kirchner faz muito pior.
Com a inflação fugindo
do controle, desde fevereiro ela decretou congelamento de preços dos
alimentos em supermercados. Era para ser temporário, mas já renovou duas
vezes e, na quinta-feira, fechou quatro supermercados por "desrespeito
ao congelamento". Criou uma lei determinando eleição com voto popular do
Conselho da Magistratura, intervindo diretamente no Poder Judiciário.
Felizmente, a juíza Maria de Cubría declarou a lei inconstitucional
porque "suprime a necessária independência política dos juízes". Sem
programas consistentes de governo, as duas vivem apagando incêndios,
evidentemente com mais erros do que acertos. Mas as ações de Cristina
são bem mais desastradas porque denotam desespero. Por isso, caro
leitor,por enquanto estamos livres do "efeito Orloff" e vamos torcer
para assim continuar .
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