Jornalista Andrade Junior

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2025

Viagem à vida real Alcolumbre e Motta são fruto de um sistema político que tem como efeito inevitável produzir Alcolumbres e Mottas

 J.R. Guzzo -


Gente otimista, em geral, gosta de citar o ditado segundo o qual a hora mais escura da noite é aquela que vem logo antes de o sol nascer. 


Levando-se em conta que os problemas do curto prazo têm a tendência desagradável de serem sempre mais incômodos no aqui e no agora, o que atrapalha mesmo é a escuridão de hoje — por mais que haja esperança na luz de amanhã. Ninguém aqui vai negar, portanto, que é duro aguentar a treva da eleição de Hugo Motta para presidente da Câmara e de Davi Alcolumbre para presidente do Senado. Também não se discute que a possível luz ainda está muito longe, só nas eleições de 2026, e esperar pelo futuro não paga os boletos do presente. Mas a questão aqui não é ficar discutindo o que seria o ideal. É conviver com o que é necessário. 


Os dois, Alcolumbre e Mota, são exatamente o que o Brasil não precisa para dar certo em alguma coisa. A vida política brasileira, a um momento qualquer, vai ter de se orientar por um conjunto mínimo de princípios — uns três ou quatro, não mais que isso, mas pelo menos esse tantinho. Se continuar sendo uma atividade basicamente criminosa, como é hoje, não há Deus, nem direita e nem esquerda que resolva. Não há registro de que nenhum dos dois seja capaz de reconhecer o que poderia ser um princípio — mesmo se bater de cara com um princípio no meio da rua. Mas eles também não vêm de Marte, nem da Suécia. São Brasil em estado puro, e é preciso conviver com ambos e com aquilo que trazem consigo. Não é opcional.

Alcolumbre e Motta são fruto de um sistema político que tem como efeito inevitável produzir Alcolumbres e Mottas. O Brasil não está organizado para funcionar como um país de leis, e muito menos onde o Estado existe para servir à população. É justamente o oposto. O Estado, a vida pública e as instituições no Brasil, no mundo das realidades, existem apenas para manter a corrupção fora do Código Penal, garantir a impunidade perpétua dos corruptos e considerar que a única função útil dos cidadãos é pagar o máximo de impostos para sustentar uma máquina estatal cada vez mais incompreensível. Essa linha de montagem condena o Brasil a ter o Senado e a Câmara que estão aí. É isso mesmo que eles querem, e é para isso que existe política neste país. 


A ordem institucional que manda no Brasil não é uma aberração; é um método. Esqueça por um minuto Lula, o PT e Alexandre de Moraes. Eles são o resultado, e não a causa, da miséria moral, da brutalidade e do bloco de más intenções que são o corpo, a alma e o cérebro da vida política nacional de hoje. Seu oxigênio, desde sempre, é a ignorância sistêmica da população — vítima de um dos piores sistemas de educação pública do mundo, conforme se comprova em todas as avaliações internacionais. Isso forma o bioma dos sonhos de todo vigarista político solto na praça — uns 70%, talvez até mais, dos que você vê aí todo dia. Onde entra a ignorância sai a consciência. Onde não há consciência não há noção de princípios, só de interesses. É tudo o que os Alcolumbres querem.

As leis, a prática e a realidade estabelecem que esse povo todo, que não sabe fazer direito as quatro operações básicas da aritmética e não consegue entender um texto escrito em português simples, só tem uma oportunidade de abrir a boca sobre o seu país — a cada quatro anos, nas eleições gerais. Todos os cuidados são tomados pelos políticos de todas as naturezas, então, para impedir que eleições criem qualquer risco de se aferir a vontade real da população. Não estão interessados em eleitores. Estão interessados em clientes. O resultado é que o Brasil tem eleição, mas não tem decisão popular, não de verdade, sobre quem governa, e principalmente sobre o que os governantes têm de fazer no governo.


Todos os truques para fraudar as eleições estão em vigor nos sistemas políticos e eleitorais do Brasil de hoje. Fale com qualquer político brasileiro, salvo algumas exceções, e diga que você gostaria de sugerir uma única melhoria, por modesta que seja, nesse almanaque de trapaças — ele vai entrar em estado de choque. Ninguém aceita mexer em nada, é claro, porque melhorar qualquer coisa prejudica a vida deles — a única em que estão interessados. Temos, assim, o voto obrigatório, que anula a vontade dos eleitores conscientes e responsáveis, e abre a política para todo tipo de demagogo, aventureiro e bandido. Não temos o escrutínio público dos votos; temos o computador do TSE. Temos mais de 30 partidos, ou gangues que só representam os seus proprietários. 


Os políticos brasileiros fogem do voto distrital, método de escolha vital em qualquer democracia séria do mundo, como o lobisomem foge da prata em noite de lua cheia. O parlamentar, por esse sistema, só pode ser eleito se ficar em primeiro lugar na eleição do distrito em que se candidatou — e só pode se candidatar em um distrito. Somem aí os malfeitores eleitos com votos caçados no Estado inteiro, mas que não seriam ninguém se tivessem de convencer os eleitores de um bairro, uma cidade ou um conjunto de cidades. 


Com a campanha restrita a uma área geográfica limitada, não haveria mais desculpa para torrar bilhões do Erário a cada eleição. Mais que tudo, o voto distrital traria para o Brasil a noção, até hoje proibida por aqui, de que a cada cidadão cabe um voto — não mais e nem menos. Nada falsifica mais a vontade popular quanto o estelionato do “voto proporcional” que existe hoje. Com o país dividido em 513 distritos (para ter como base a composição atual da Câmara dos Deputados), todos com o mesmo número aproximado de eleitores, o voto de um cidadão passaria, enfim, a valer exatamente o mesmo que o voto de outro cidadão — independentemente de onde ele mora. 


O voto distrital, honestamente fixado pela matemática, daria aos eleitores dos Estados onde há mais eleitores direitos iguais aos dos Estados onde há menos eleitores. Hoje o voto da metade norte do Brasil vale mais que o voto da metade sul — é daí que saem, justamente, os Alcolumbres e os Mottas da vida, mais os Liras, os Calheiros, os Severinos e o resto.

As leis, a prática e a realidade estabelecem que esse povo todo, que não sabe fazer direito as quatro operações básicas da aritmética e não consegue entender um texto escrito em português simples, só tem uma oportunidade de abrir a boca sobre o seu país — a cada quatro anos, nas eleições gerais. Todos os cuidados são tomados pelos políticos de todas as naturezas, então, para impedir que eleições criem qualquer risco de se aferir a vontade real da população. Não estão interessados em eleitores. Estão interessados em clientes. O resultado é que o Brasil tem eleição, mas não tem decisão popular, não de verdade, sobre quem governa, e principalmente sobre o que os governantes têm de fazer no governo.


Todos os truques para fraudar as eleições estão em vigor nos sistemas políticos e eleitorais do Brasil de hoje. Fale com qualquer político brasileiro, salvo algumas exceções, e diga que você gostaria de sugerir uma única melhoria, por modesta que seja, nesse almanaque de trapaças — ele vai entrar em estado de choque. Ninguém aceita mexer em nada, é claro, porque melhorar qualquer coisa prejudica a vida deles — a única em que estão interessados. Temos, assim, o voto obrigatório, que anula a vontade dos eleitores conscientes e responsáveis, e abre a política para todo tipo de demagogo, aventureiro e bandido. Não temos o escrutínio público dos votos; temos o computador do TSE. Temos mais de 30 partidos, ou gangues que só representam os seus proprietários. 


Os políticos brasileiros fogem do voto distrital, método de escolha vital em qualquer democracia séria do mundo, como o lobisomem foge da prata em noite de lua cheia. O parlamentar, por esse sistema, só pode ser eleito se ficar em primeiro lugar na eleição do distrito em que se candidatou — e só pode se candidatar em um distrito. Somem aí os malfeitores eleitos com votos caçados no Estado inteiro, mas que não seriam ninguém se tivessem de convencer os eleitores de um bairro, uma cidade ou um conjunto de cidades. 


Com a campanha restrita a uma área geográfica limitada, não haveria mais desculpa para torrar bilhões do Erário a cada eleição. Mais que tudo, o voto distrital traria para o Brasil a noção, até hoje proibida por aqui, de que a cada cidadão cabe um voto — não mais e nem menos. Nada falsifica mais a vontade popular quanto o estelionato do “voto proporcional” que existe hoje. Com o país dividido em 513 distritos (para ter como base a composição atual da Câmara dos Deputados), todos com o mesmo número aproximado de eleitores, o voto de um cidadão passaria, enfim, a valer exatamente o mesmo que o voto de outro cidadão — independentemente de onde ele mora. 


O voto distrital, honestamente fixado pela matemática, daria aos eleitores dos Estados onde há mais eleitores direitos iguais aos dos Estados onde há menos eleitores. Hoje o voto da metade norte do Brasil vale mais que o voto da metade sul — é daí que saem, justamente, os Alcolumbres e os Mottas da vida, mais os Liras, os Calheiros, os Severinos e o resto.

Bolsonaro e quem pensa como ele nessa questão podem ser traídos tanto por Alcolumbre como por Motta, é claro, mas a partir de agora o ônus da traição passa a ser deles — e, de qualquer maneira, fica difícil fazer política se você conta sempre que vai dar tudo errado. É diferente do que fez o deputado Marcel van Hattem, uma das vozes mais ativas da oposição. Ele lançou sua candidatura, mas com a intenção clara e definida de fazer um protesto público — mesmo porque ele é de um partido tão pequeno que não poderia receber função nenhuma das novas presidências. 


Mas a história é outra com a direita como um todo. Com um governo cada vez mais fraco, incapaz de mudar sua conduta e que imagina resolver seus problemas com os bonés do Sidônio, nunca se pode perder nada tendo apoio no Congresso. Deputados e senadores, pela situação penal de muitos deles, têm medo do STF. Mas têm pânico da rua, do povo e da sua cólera — e pulam de qualquer barco quando sentem que não é mais seguro ficar nele. 



J.R. Guzzo - Revista Oeste





















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