YURI VIANA/INSTITUTOLIBERAL
Comparar o Cristianismo com o socialismo é um exercício frequente entre religiosos, teólogos, sociólogos e até economistas. Muitos pastores evangélicos, padres e outros religiosos defendem a ideia de que o socialismo e o Cristianismo são conciliáveis, chegando a afirmar que ambos se confirmam. Entre eles, destacam-se pastores evangélicos adeptos da Teologia da Missão Integral, como Ed René, e padres que seguem a Teologia da Libertação. Eles sustentam que há uma mesma essência entre o socialismo e o Cristianismo verdadeiro, pois ambos falam sobre a divisão do pão, sobre atender ao necessitado e sobre um reino do “nós” em oposição ao “eu”.
Ed René, recentemente, declarou que os socialistas leram a Bíblia e, a partir disso, desenvolveram sua visão de mundo. Nada mais equivocado.
O primeiro problema dessa visão reside no fato de que ela se baseia em uma percepção romantizada (e equivocada) sobre o que é o socialismo. O socialismo não é e nunca foi sobre dividir o pão e ajudar o próximo como forma de se cumprir a justiça de Deus.
Para começar, o socialismo científico, aquele apresentado por Karl Marx, é totalmente materialista e sequer trabalha com a ideia da metafísica (do sobrenatural). A ideia de Deus ou de qualquer entidade transcendente não tem espaço no ideário socialista. “Deus é a criatura, o homem é o criador e o criador se submete à criatura”. Essa emblemática frase mostra claramente como o socialismo compreende a fé em Deus, enxergando-O como algo criado pela mente do ser humano e vendo o homem como servo de algo que ele mesmo concebeu.
Um segundo problema dessa suposta harmonia entre Cristianismo e socialismo pode ser observado ao analisarmos as experiências práticas socialistas ao longo do século XX. As revoluções socialistas sempre foram conduzidas com um propósito aparentemente nobre: acabar com a exploração dos burgueses ricos e poderosos sobre os proletários pobres e oprimidos. Esse suposto ideal humanista, que visa a erradicar a pobreza e a exploração do homem pelo homem, ainda hoje leva a conclusões erradas sobre o que é o socialismo. No tempo presente, após décadas de experiência sob regimes socialistas, ficou evidente que esses sistemas não foram capazes de eliminar a pobreza nem de gerar uma vida melhor aos proletários, mas sim o contrário. “Aqueles que nos prometem o paraíso na Terra nunca produziram nada além do inferno”, dizia Karl Popper.
Com a queda do socialismo em 1991, ficou evidente que os países que viveram sob regimes socialistas apresentavam indicadores socioeconômicos significativamente muito piores que os de seus pares. A disparidade entre as nações mais pobres do Leste Europeu, recém-libertas do socialismo, e a Europa Ocidental mais próspera é um exemplo evidente disso. Da mesma forma, a queda do Muro de Berlim revelou que a Alemanha Oriental socialista era significativamente mais pobre que a Alemanha Ocidental. A discrepância entre as duas Coreias é outro exemplo que dispensa comentários. Portanto, considerar apenas as supostas boas intenções dos revolucionários socialistas, sem avaliar os resultados concretos de seus governos, é um equívoco gigantesco.
Agora, retornemos ao ponto inicial. Preocupar-se com os menos favorecidos é um tema central na mensagem de Cristo. De fato, Ed René está correto ao afirmar que o Reino de Deus é o reino do “nós” e não do “eu”, onde se deve amar o próximo e compartilhar o pão. Entretanto, isso nada tem a ver com a defesa de um sistema no qual o governo toma à força os bens da população, prende e fuzila opositores e justifica seus atos como necessários para a construção de um mundo melhor. Sim, isso foi o verdadeiro socialismo, caracterizado pela tomada violenta de bens, pela eliminação de resistências e pela ascensão de uma nova elite governante que desfrutava de luxos e privilégios enquanto o restante da população vivia na miséria. Ademais, em regimes socialistas, a religião é desencorajada, quando não perseguida, pois qualquer pensamento que possa gerar a mínima ameaça ao domínio do Estado é reprimido.
Os cristãos devem exercer a caridade, amar e ajudar o próximo, independentemente de sua origem ou religião. Jesus nos ensinou a caridade genuína, que nasce do desejo sincero de ajudar o próximo.
A Bíblia é repleta de exemplos que nos impelem a cuidar dos necessitados e repartir o pão. Em Mateus 25:31-46 (O Juízo Final), Jesus ensina que ajudar os necessitados (dar comida ao faminto, água ao sedento, vestir o nu, visitar os doentes e os presos) é como servir ao próprio Cristo. O Bom Samaritano (Lucas 10:25-37) ilustra a importância de ajudar aqueles que estão em necessidade, independentemente de quem sejam. Nas cartas de Paulo, vemos a importância de se lembrar dos pobres (Gálatas 2:10). Em 1 Coríntios 16:1-4 e 2 Coríntios 8-9, Paulo também organiza uma coleta entre as igrejas gentias para ajudar os pobres da igreja em Jerusalém. Na passagem de Cornélio, um centurião romano, vemos que sua generosidade através de orações e esmolas foi notada por Deus.
Peço ainda atenção especial aos dois exemplos bíblicos a seguir: a partilha dos bens (Atos 2:44-45, 4:32-37), na qual a comunidade cristã primitiva vivia em unidade, e aqueles que tinham posses vendiam seus bens para distribuir aos necessitados, e a passagem do jovem rico (Mateus 19:16-22, Marcos 10:17-22, Lucas 18:18-23), em que Jesus instrui um jovem rico a vender seus bens e entregar o dinheiro aos pobres.
Repare que nenhum desses exemplos, inclusive os dois últimos, sugere a ideia de um governo que tome para si os bens da população (se necessário, com violência) sob a justificativa de promover uma divisão igualitária de tudo com o intuito de combater a pobreza.
Ed René e os defensores de uma visão socialista dentro do Cristianismo argumentam que não pregam uma revolução violenta nem um modelo ditatorial nos moldes do que ocorreu no socialismo do passado, mas sim um governo democrático que atue fortemente na tributação (sobretudo dos mais ricos) para promover justiça social e inclusão. Sua visão de mundo está mais alinhada ao “socialismo Fabiano”, que defendia a transição gradual e democrática para uma sociedade socialista, utilizando a tributação progressiva, a ampliação do Estado de bem-estar social e a forte regulação estatal da economia como principais ferramentas.
Nesse ponto, poderíamos usar de uma argumentação econômica para elucidar os efeitos desastrosos que uma alta tributação e uma intervenção estatal em excesso geram sobre a economia, mas isso seria assunto suficiente para um novo artigo. Irei, então, argumentar de outra forma, a partir de uma ilustração interessante com a qual o leitor já pode ter se deparado nas redes sociais:
A imagem é autoexplicativa: Jesus nunca ensinou que devemos terceirizar nossas obras de caridade ao Estado. Cristo incentivou uma solidariedade voluntária e não a imposição governamental de tributos para fins assistenciais. A partilha dos bens na passagem de Atos (frequentemente usada para embasar a ideia de um socialismo cristão) expõe um ato voluntário dos cristãos da época, não algo imposto pelo Estado. O modelo de sociedade das comunidades cristãs retratadas em Atos surgiu espontaneamente e não como um sistema colocado de cima para baixo por um governo que assumiria para si o poder de redistribuir as riquezas. Não se deve confundir a ética cristã de generosidade espontânea com o assistencialismo estatal compulsório, que, em muitos casos, gera comodismo e desestimula a independência dos assistidos. “O maior cuidado de um governo deveria ser o de habituar, pouco a pouco, os povos a dele não precisar”, dizia Alexis de Tocqueville.
Ademais, é notório que grande parte do dinheiro arrecadado pelo governo não chega às mãos dos necessitados, sendo dissipado na manutenção da própria máquina pública, com todos os seus desperdícios, ineficiências e lobbies que beneficiam pessoas e empresas próximas ao poder (os “amigos do rei”), além das mordomias concedidas a congressistas e ministros — sem mencionar os desvios ilícitos da corrupção. Nesse arranjo, fica claro que muito pouco do que entra como arrecadação por uma ponta sai da outra em favor de pessoas necessitadas. É difícil crer que Cristo incentivaria um arranjo dessa natureza.
No diálogo com o jovem rico, mesmo após a negativa do rapaz em doar seus bens aos pobres, Cristo não sugeriu nenhum tipo de expropriação de patrimônio pelo Estado nem alguma taxação pesada sobre a riqueza do moço – como um imposto sobre grandes fortunas. Cogito ser provável que Cristo soubesse que o Estado romano usaria a maior parte desses recursos em benefício próprio, deixando apenas as sobras para os necessitados, nos moldes do que ocorre até hoje.
Diante disso, é possível afirmar que a mensagem cristã se fundamenta na liberdade e na caridade espontânea, sem terceirizar essa responsabilidade ao Estado, que utilizará essa justificativa (atender aos pobres) para avançar cada vez mais sobre os bolsos da população.
*Yuri Olegario Vianna é graduado em Administração Publica pela Unesp. É analista de investimentos CNPI certificado pela Apimec, atuando no setor bancário e em empresas privadas há mais de 15 anos. Investe em bolsa de valores através de ações e derivativos.
PUBLICADAEMhttps://www.institutoliberal.org.br/blog/politica/cristianismo-e-socialismo-sao-compativeis/
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