Jornalista Andrade Junior

quarta-feira, 21 de agosto de 2024

Cidades privadas: uma solução para a reconstrução do Rio Grande do Sul pós-catastrofe

 JOÃO LOYOLA


As cidades privadas, ou “charter cities“, representam uma abordagem inovadora de governança urbana, unindo eficiência administrativa e liberdade econômica. Esse conceito, promovido por organizações como a Free Cities Foundation, tem mostrado resultados promissores em várias partes do mundo e pode ser uma solução viável para reconstruir áreas devastadas, como o Rio Grande do Sul após as chuvas devastadoras de maio de 2024.

Nessas cidades, a administração é realizada por empresas privadas que oferecem serviços essenciais como segurança, saúde e educação, financiados por uma taxa anual fixa paga pelos moradores. Esse modelo promove uma administração eficiente e voltada para as necessidades dos residentes, criando um ambiente propício ao livre mercado e à inovação. Em uma cidade privada, os serviços são competitivos e orientados para o mercado, resultando em custos reduzidos e qualidade aprimorada. Os moradores pagam por esses serviços através de uma taxa fixa, eliminando a necessidade de impostos altos e ineficientes.

Após as devastadoras chuvas de maio de 2024, muitas regiões do Rio Grande do Sul enfrentam enormes desafios para reconstruir suas infraestruturas e revitalizar suas economias. A criação de cidades privadas pode ser uma solução eficaz para esses desafios. Com a capacidade de atrair investimentos e gerenciar recursos de forma eficiente, essas cidades podem acelerar a reconstrução de infraestruturas críticas como estradas, pontes e sistemas de saneamento. Além disso, a criação de Zonas Econômicas Especiais (ZEDEs) dentro do modelo de cidades privadas pode atrair empresas interessadas em um ambiente regulatório favorável, incentivando a criação de empregos e estimulando a economia local.

O economista Claudio Shikida examina em profundidade a eficiência das cidades privadas, destacando que a autonomia administrativa e a competição entre essas cidades podem levar a uma melhor alocação de recursos e maior satisfação dos cidadãos. Ele argumenta que, ao contrário das cidades tradicionais, onde a burocracia pode atrasar processos e aumentar custos, as cidades privadas operam com incentivos de mercado que promovem a eficiência e a inovação.

Outro aspecto importante das cidades privadas é a capacidade de gestão de desastres. A administração privada pode ser mais ágil e eficaz na resposta a emergências, garantindo que os recursos sejam alocados de maneira eficiente e rápida, minimizando o impacto de futuras catástrofes naturais. Um exemplo notável disso é a ponte construída no Rio Grande do Sul em 2023, realizada através de uma cooperação cidadã de natureza privada. A ponte foi erguida em um curto período de tempo, com um orçamento abaixo do que o governo havia proposto, e resistiu com sucesso às chuvas de 2024.

Como funcionam as cidades privadas

Cidades privadas, ou “charter cities“, operam como comunidades administradas por entidades privadas em vez de governos tradicionais. Essas cidades são estabelecidas com um elevado grau de autonomia, permitindo que implementem suas próprias políticas econômicas, legais e administrativas. O objetivo é criar um ambiente de governança eficiente que promova desenvolvimento econômico e qualidade de vida para os moradores.

Em uma cidade privada, empresas ou organizações privadas são responsáveis pela gestão dos serviços públicos, como segurança, saúde, educação, infraestrutura e saneamento. Os moradores pagam uma taxa anual fixa, que cobre todos os serviços essenciais, substituindo os impostos tradicionais e permitindo uma administração mais previsível e eficiente. Essas cidades têm a liberdade de estabelecer suas próprias regulamentações e legislações, criando um ambiente favorável para negócios e inovação, desde códigos de construção até leis trabalhistas.

Os serviços essenciais são fornecidos por empresas que competem entre si, promovendo qualidade e eficiência. A administração privada foca em desenvolver e manter uma infraestrutura robusta e eficiente, atraindo investimentos e residentes. Além disso, com uma administração ágil, as cidades privadas podem responder rapidamente a emergências e desastres naturais, alocando recursos de forma eficaz.

Exemplos de Cidades Privadas

● Honduras – ZEDEs (Zonas de Empleo y Desarrollo Económico)

As ZEDEs em Honduras são uma das iniciativas mais avançadas de cidades privadas. Essas zonas possuem autonomia para estabelecer suas próprias leis e regulamentos, distintos do resto do país. A primeira ZEDE, chamada Próspera, está localizada na ilha de Roatán. Próspera visa a criar um ambiente favorável para investimentos estrangeiros e locais, oferecendo um sistema jurídico baseado nas melhores práticas internacionais e infraestrutura moderna. Os resultados iniciais incluem a atração de várias startups e empresas tecnológicas, além de um crescimento acelerado na criação de empregos. A ZEDE Próspera tem se destacado como um modelo eficiente de gestão, com foco na redução de burocracia e aumento da transparência.

Um dos pilares fundamentais de Próspera é a adoção de um sistema jurídico baseado no common law, diferente do sistema civil law predominante em Honduras. Esse sistema é mais flexível e adaptável, permitindo uma resolução mais rápida e eficiente de disputas. Para garantir a imparcialidade e a justiça nas decisões, a ZEDE conta com tribunais independentes e arbitragem internacional. Esse modelo jurídico promove um ambiente de negócios seguro e previsível, essencial para atrair investimentos.

Próspera também simplificou significativamente suas regulamentações para facilitar a abertura e operação de empresas. Isso inclui processos de licenciamento mais rápidos e menos onerosos, além da eliminação de muitas barreiras regulatórias que costumam dificultar a atividade empresarial em outras partes de Honduras. Também inclui isenções fiscais para novos negócios e um imposto de renda pessoal e corporativo reduzido, destinado a atrair empresas e indivíduos de alta renda. A combinação de uma estrutura tributária atraente com um ambiente regulatório simplificado torna Próspera um destino atraente para investidores e empreendedores.

● Songdo, Coreia do Sul

Songdo é uma cidade inteligente situada próxima a Seul, desenvolvida através de uma parceria público-privada. Inaugurada em 2009, Songdo foi projetada para ser uma cidade sustentável, incorporando um sistema inovador de gerenciamento de resíduos, transporte público eficiente e edifícios de alta eficiência energética. A cidade emprega tecnologia de ponta para monitorar e gerenciar serviços públicos, proporcionando alta qualidade de vida aos seus moradores. Atualmente, Songdo abriga milhares de residentes e empresas internacionais, consolidando-se como um centro de inovação e sustentabilidade. A cidade continua a crescer e a atrair investimentos, destacando-se como um exemplo de como a tecnologia pode ser integrada à gestão urbana.

A infraestrutura de Songdo é altamente avançada e totalmente conectada por uma rede de fibra ótica que permite a comunicação em tempo real entre edifícios, sistemas de transporte e residentes. Sensores inteligentes monitoram e gerenciam diversos aspectos da cidade, desde o tráfego até o consumo de energia e a coleta de lixo. Essa infraestrutura inteligente garante que a cidade opere de maneira eficiente e responsiva às necessidades dos seus habitantes. O planejamento urbano de Songdo incorporou sistemas avançados de drenagem e gestão de águas pluviais para prevenir inundações. A cidade utiliza parques e áreas verdes como bacias de retenção para absorver a água da chuva, reduzindo o risco de inundações.

Songdo dedica aproximadamente 40% de sua área a espaços verdes, incluindo o Central Park, um espaço verde de 101 hectares inspirado no Central Park de Nova York. Esses espaços verdes são essenciais para a qualidade de vida dos residentes, proporcionando áreas para recreação, lazer e atividades comunitárias. Além de melhorar a qualidade do ar e a biodiversidade, esses parques ajudam a gerenciar a água da chuva, reduzindo o risco de inundações.

● Lavasa, Índia

Lavasa é uma cidade privada planejada localizada perto de Pune, desenvolvida pela Lavasa Corporation. Apesar dos desafios e críticas enfrentados, Lavasa foi projetada para ser uma cidade autossuficiente, com infraestrutura moderna que inclui escolas, hospitais e áreas de lazer. A cidade atraiu investimentos significativos em setores como turismo e educação, com o objetivo de oferecer uma alternativa aos centros urbanos superpovoados da Índia. Lavasa representa um esforço ambicioso para criar uma cidade privada que equilibre desenvolvimento econômico e qualidade de vida.

● Charter Cities Institute (CCI)

O Charter Cities Institute (CCI) está envolvido em diversos projetos globais de cidades privadas, promovendo o desenvolvimento de novas cidades com governança inovadora e econômica. O CCI colabora com governos locais e investidores para estabelecer cidades que possam servir como modelos de eficiência e desenvolvimento sustentável. Entre seus projetos, está a cidade de Nkwashi em Zâmbia, planejada para ser um centro de educação e negócios na África, com infraestrutura moderna e governança eficiente.

Soluções para o Rio Grande do Sul

Dada a situação crítica do Rio Grande do Sul após as chuvas de 2024, as cidades privadas podem oferecer soluções práticas e eficazes. A implementação de um modelo similar ao das ZEDEs em Honduras poderia ser particularmente benéfica. Ao criar zonas com autonomia administrativa e regulatória, o estado poderia atrair investimentos significativos para a reconstrução de infraestruturas críticas. Inspirando-se na ZEDE Próspera, essas zonas poderiam ser desenhadas para reduzir a burocracia, aumentar a transparência e proporcionar um ambiente favorável ao desenvolvimento econômico.

A abordagem de Songdo, na Coreia do Sul, pode servir de exemplo para implementar tecnologias avançadas na gestão urbana e infraestrutura sustentável no Rio Grande do Sul. A integração de sistemas inteligentes de gerenciamento de resíduos, transporte público eficiente e edifícios de alta eficiência energética poderia não apenas acelerar a reconstrução, mas também garantir a sustentabilidade a longo prazo.

A experiência de Lavasa na Índia destaca a importância de uma infraestrutura moderna e autossuficiente. Para o Rio Grande do Sul, desenvolver espaços com escolas, hospitais e áreas de lazer bem planejadas pode atrair novos moradores e investidores, revitalizando a economia local. Além disso, o modelo de Lavasa pode ser ajustado para evitar os erros do passado, focando em uma governança transparente e eficiente.

O Charter Cities Institute pode desempenhar um papel crucial no apoio ao desenvolvimento de novas cidades privadas no Rio Grande do Sul. Com a experiência adquirida em projetos como Nkwashi, o CCI pode colaborar com autoridades locais e investidores para estabelecer cidades modelo que promovam a eficiência administrativa e o desenvolvimento sustentável.

Benefícios e desafios

As cidades privadas oferecem benefícios significativos, como eficiência administrativa, um ambiente regulatório favorável e serviços de alta qualidade. A gestão privada pode ser mais ágil e menos burocrática, promovendo uma alocação eficiente de recursos. As cidades privadas podem criar regulamentações que incentivam investimentos e inovação. A competição entre fornecedores de serviços pode resultar em melhor qualidade e menores custos. No entanto, a implementação de cidades privadas pode enfrentar resistência de governos locais e comunidades, e garantir que esses projetos sejam sustentáveis e beneficiem todos os moradores pode ser um desafio.
Comparando com o modelo de cidades privadas, como a ZEDE Próspera em Honduras, as cidades inteligentes do Rio Grande do Sul operam sob uma estrutura de governança tradicional, com forte influência de políticas públicas e regulamentos nacionais. Em contraste, cidades privadas como Próspera possuem autonomia administrativa e simplificam regulamentações, criando um ambiente de negócios mais dinâmico e eficiente. Além disso, cidades privadas oferecem regimes tributários competitivos e infraestrutura desenvolvida com investimentos privados, enquanto as cidades gaúchas dependem de fundos públicos e parcerias público-privadas para suas iniciativas.
A comparação revela que, enquanto as cidades inteligentes do Rio Grande do Sul mostram como a tecnologia pode ser integrada na infraestrutura existente para melhorar a vida dos cidadãos, as cidades privadas destacam-se pela governança autônoma e redução da burocracia, promovendo um desenvolvimento mais rápido e flexível. A combinação de elementos de ambos os modelos pode ser benéfica para o futuro do desenvolvimento urbano no estado, promovendo eficiência, inovação e sustentabilidade.

No quesito de infraestrutura para evitar novos desastres, além do exemplo de Songdo, temos o exemplo de Rotterdam, nos Países Baixos, exemplo líder em adaptação às mudanças climáticas e gestão de inundações. A cidade implementou várias infraestruturas inovadoras, como parques flutuantes que podem acomodar a elevação do nível da água e praças de água que servem como reservatórios temporários durante chuvas intensas. Além disso, Rotterdam possui um sistema de diques e barreiras móveis, como a Maeslantkering, que podem ser fechadas para proteger a cidade contra tempestades e elevações do nível do mar.

*João Loyola é associado do IFL-BH.
































PUBLICADAEMhttps://www.institutoliberal.org.br/blog/economia/cidades-privadas-uma-solucao-para-a-reconstrucao-do-rio-grande-do-sul-pos-catastrofe/

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