Percival Puggina
Poucas coisas tão postiças quanto a sabedoria dos intelectos vaidosos. E poucos tão infelizes quanto os que pretendem fruir o poder com esse canudinho, no próprio copo, como refresco.
A vaidade corriqueira das celebridades fugazes que causa frenesis em auditĂłrios de pouco juĂzo e a decorrente dos atributos fĂsicos sĂŁo menos malĂ©ficas que a dos enfatuados pelo prĂłprio intelecto. Para estes, todo espelho Ă© mĂĄgico e lhes atira beijos. Lambem seus tĂtulos. Devoram as prĂłprias palavras apĂłs pronunciĂĄ-las para que nada se perca de seu sabor. E vĂŁo engordando de lipĂdios um orgulho autĂłgeno, encorpado pelas lisonjas alheias e pelas que generosamente dedicam a si mesmos.
De quem falo? Bem, pessoas assim estĂŁo por toda parte. NĂŁo posso dizer que formam um exĂ©rcito numeroso porque nĂŁo hĂĄ exĂ©rcito composto apenas por generais de quatro estrelas. Andam dispersos, portanto. Mas se hĂĄ um lugar onde, por dever de ofĂcio, se reĂșnem expoentes de tal conduta, esse lugar Ă© o STF. Chega a ser divertido assisti-los desde a perspectiva pela qual eles mesmos se veem. Aferi-los pela infinita rĂ©gua com que se medem. Apreciar o esforço que fazem para ostentar sabedoria. As frases lhes saem lustradas, polidas como corneta de desfile. NĂŁo que isso seja mau em si, mas chama atenção como parte da grande encenação das vaidades presentes. Imagino que por vezes se saĂșdem assim: "E sua vaidade como vai, excelĂȘncia?". Ao que o outro retruca, cortesmente: "Bem, bem, recuperando-se do que li ontem no Twitter, mas as perspectivas sĂŁo boas, obrigado ministro".
Nada mais prĂłprio do que a palavra "corte" para designar aquele colegiado (cuja institucionalizada importĂąncia – esclareço porque nĂŁo quero ser mal entendido – ergue-se a despeito dessas fragilidades humanas). Ă uma corte. Ă uma corte onde todos exercem, sobre o Direito a que estamos submetidos, uma soberania irrestrita, que flutua em rapapĂ©s e infla os egos Ă beira do ponto de ruptura.
Ali, cada um que fala se percebe como o Verbo. As palavras saem numa espécie de sopro divino, criador, forma verbal das cintilaçÔes de astro rei. Ante tal brilho só se chega usando óculos escuros e protetor solar.
Os membros de nossa Suprema Corte talvez se bastem com a prĂłpria vaidade. Mas a vaidade ou a fruição do poder como refresco sorvido nesse canudinho nĂŁo sĂŁo suficientes para os fins que pretendem. HĂĄ uma distinção que jĂĄ era bem conhecida dos romanos. O poder (“potestas”) nĂŁo se confunde com autoridade (“auctoritas”) aquele se pode dizer inerente ao cargo, esta porĂ©m depende de atributos com reconhecimento social, entre os quais nĂŁo se inclui a vaidade.
Foi-lhes dado, senhores, o poder para decidir o que bem entendam, mas hĂĄ uma Constituição. Decidam, mas instituir uma “religiĂŁo” e verdades estatizadas como ferramenta do poder nĂŁo gera autoridade reconhecida entre cidadĂŁos livres.
publicadaemhttps://www.puggina.org/artigo/vaidade,-a-sorrateira-inimiga-da-autoridade__17610





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