por Antônio Augusto Mayer dos Santos.
No último final da semana, em Brasília, aconteceu mais uma carreata alvejando o Supremo Tribunal Federal. A terceira em duas semanas. Esse conjunto de carros identificados com bandeiras e pessoas verbalizando palavras de ordem, se submetido à ótica jurídica, vai revelar a ocorrência de um acontecimento dotado de inquestionável magnitude. Na prática, os enfileiramentos de carros que vêm acontecendo dão visibilidade ao exercício de duas das mais importantes liberdades públicas asseguradas pela Constituição Federal: a liberdade de expressão e a liberdade de reunião.
Embora um congressista tenha tentado barrar o seu acontecimento, esta manifestação outrora inimaginável contra o STF e seus ministros se desenvolveu de forma ordeira, na exata definição que a Carta Magna dispõe: “todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização”, conforme o inciso XVI do seu artigo 5º.
Reunidos a partir das redes sociais, os partícipes dão voz a milhões de outros brasileiros que não digerem mais, por exemplo, que o STF, um empregador obeso, disponha no seu quadro funcional, de 24 juízes convocados distribuídos entre 10 gabinetes, 798 funcionários em comissão ou funções de confiança, 340 estagiários (270 de nível superior e 70 de nível médio), 197 recepcionistas, 46 servidores sem vínculo efetivo, 65 servidores “cedidos a outros órgãos” (especialmente ao STJ, TSE, CNJ, Senado Federal e Câmara dos Deputados, entre outros) e 10 servidores “em outros órgãos”. Em verdade, os integrantes das carreatas dão sonoridade ao coro crescente de cidadãos que não toleram mais o excesso de individualismos onde cada ministro é um STF em si. Ou que alguns ministros contrariem a jurisprudência do próprio tribunal tornando-a sinuosa e insegura.
Isso, porém, não é o ponto central da ira. A maior inconformidade é aquela que diz respeito ao excesso de interferência do tribunal nos demais Poderes, sobretudo no Executivo. Segundo uma pesquisa nacional do instituto Paraná Pesquisas divulgada em maio de 2020 pelo site Diário do Poder, para 39% dos brasileiros, o STF “interfere muito” nas prerrogativas presidenciais. Neste sentido, chama a atenção o fato de que em relação ao período antes mencionado, foram concedidas 14 medidas liminares contra atos privativos do Poder Executivo Federal somente em 2020, o equivalente a 55% a mais que em 2019.
A reação social, cada vez mais eloquente e ruidosa, faz todo o sentido. Afinal, o Supremo jamais foi tão proeminente quanto hoje. Arvorou-se o papel de entidade. Tornou-se um fim em si mesmo. Porém, isso não significa um STF vigoroso. Pelo contrário. É um STF invasivo, propenso a confrontos externos e internos e que ultimamente não permite os conflitos esfriarem. Um ator político que se vale da prerrogativa da “última palavra” para vulnerar as prerrogativas dos demais Poderes. Um tribunal que vai fazendo o que bem entende através de protagonistas que não hesitam adjetivar pessoas e acontecimentos fora dos autos. Um pretório onde alguns ministros atuam em prol da consolidação de seus poderes individuais ao invés da soberania do plenário.
Consolidado, esse desapontamento crescente e ininterrupto que o STF vem irradiando desbordou as fronteiras da comunidade jurídica e comprometeu a sua credibilidade. Ao menos por ora. A sociedade, diversas instituições e entidades públicas ou privadas, meios de comunicação e integrantes de carreiras públicas passaram a nutrir um misto de decepção e desconfiança pelo órgão de cúpula do Judiciário brasileiro.
As carreatas são críticas diretas protagonizadas por contribuintes fartos de intermináveis e supremos conflitos.
*Antônio Augusto Mayer dos Santos - Advogado, Professor de Direito Eleitoral e Escritor.
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