por Guilherme Fiuza
Os supremos companheiros estão dizendo que não voltaram
a julgar a prisão em 2ª instância por conta de “um caso particular”.
É verdade. Lula há muito tempo deixou de ser particular
Contornando o analfabetismo erudito das criaturas togadas
e falando em português: o STF quer revogar a prisão no Brasil.
Ou, mais precisamente, revogar a prisão para quem pode
contratar bons advogados. Mas você não precisa ser da elite
para participar da festa. Basta cometer crimes rentáveis que te
deixem com bala suficiente para os honorários – porque a
magnífica justiça nacional não vai querer saber de quem você
roubou a grana.
No supremo circo da re-re-reavaliação da possibilidade de
prisão após condenação em 2ª instância, a OAB, leal concubina
do PT, já deu um show de motivos pelos quais o STF deve soltar
o maior ladrão do país – perseguido por roubar honestamente
o povo. Só a fortuna torrada pela quadrilha petista com uma
multidão de advogados milionários na última década (desde o
mensalão) já valeria a lealdade eterna da OAB. Mas os motivos
são ainda mais nobres.
Eles querem soltar Lula para bombardear Sergio Moro, antes que
o banho de justiça desse estraga-prazeres chegue ao STF – o
que seria uma tragédia para toda essa alegre comunidade Lula Livre.
Os supremos companheiros estão dizendo que não voltaram a julgar
a prisão em 2ª instância por conta de “um caso particular”. É verdade.
Lula há muito tempo deixou de ser particular. Ele hoje é um bem
público, patrimônio inestimável dessa elite nacional que sempre
pôde viver acima das leis, numa boa – arrotando ética naqueles
discursos afetados e engordurados como os cabelos de seus
advogados empapados de gel.
Na real, é o seguinte: que papo é esse de prender os maiores
empreiteiros do país, até então intocáveis, só porque eles
privatizaram o Palácio do Planalto em sociedade com a quadrilha
petista? Com quem essa Lava Jato pensa que está falando?
É claro que ninguém diz isso. A elite parasitária diz que quer Lula livre
porque a MPB quer. A MPB diz que é porque a ONU quer. E todos eles
dizem que a OAB falou que está tudo certo. Enfim, toda essa
charmosa corrente da hipocrisia nacional é retroalimentada por
sua própria verdade trans, que jura ter nascido equivocadamente
no corpo de uma mentira cabeluda.
Mas o Supremo Tribunal Federal já não tinha decidido a favor da
prisão após condenação em 2ª instância? Já, mas isso não quer
dizer nada. O melhor de ser uma corte avacalhada é justamente
não precisar respeitar suas próprias decisões. Ao menos um pouco
de lucidez no picadeiro.
O relator da matéria é Marco Aurélio – aquele que interrompeu a
sessão do habeas corpus preventivo de Lula porque já tinha feito o
check in. Lula também já tinha feito o check out – várias vezes,
inclusive, mas essa linda coreografia tem sido atrapalhada ao longo
de um ano e meio pelo miserável estado de atenção do povo nas ruas,
exigindo o cumprimento da lei e a prisão do criminoso número um.
Dessa vez Marco Aurélio diz que a votação dos supremos companheiros
colocará o ladrão na rua.
Veja que cena sublime: o juiz relator da matéria em pleno
processo de julgamento na corte máxima do país dando entrevista
com palpite sobre o placar da decisão final do tribunal. Se você se
sentiu à beira de um campo de várzea, você se enganou. Na várzea,
juiz que vacila tem que correr mais que os jogadores e a torcida.
No planalto, juízes que vacilam são execrados pelo povo – e suas
excelências já sabem o que é o calor popular na nuca. O país
aprendeu com Sergio Moro que não existe malandro intocável, e aí
não tem mais volta: pode dar rasteira e botar a mão na bola que o
VAR vai botar cada delinquente sentadinho no seu lugar, que nem
o Lula. Pode demorar um pouco – tecnologia nova... – mas vai.
Publicado originalmente na Gazeta do Povo
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