editorial de O Globo
Se é prática política desejável cumprir o prometido em campanha, o
governo Jair Bolsonaro deu um passo certo com a apresentação, segunda feira,
do conjunto de propostas do ministro da Justiça e Segurança Pública,
Sergio Moro, para o combate à corrupção, à violência e ao crime
organizado — portanto, também como forma de reduzir a epidemia de
homicídios que acomete o país.
As sugestões, dispostas em 14 projetos de lei e distribuídas por 34
páginas, abrangem mudanças no campo do Direito Penal e avançam em
questões operacionais importantes. Caso da ampliação da coleta de DNA de
todo condenado por crime doloso, logo na sua entrada no sistema
penitenciário; e da adoção definitiva do sistema de videoconferência,
para a tomada de depoimentos de presos, sem necessitar seu deslocamento
aos fóruns, fonte de grandes despesas aos estados e causa da retirada de
muitos policiais das ruas.
Um dos destaques do pacote, já esperado, é o estabelecimento em lei da
atual jurisprudência, assentada pelo Supremo, da prisão na confirmação
da sentença em segunda instância. Como vigorou desde o Código Penal de
1941 até 2009, quando houve mudança de entendimento do STF, e depois
retornando àquela jurisprudência em 2016, prestes novamente a ser
discutida na Corte, em abril. A iniciativa de Moro vai ao encontro dos
anseios da sociedade pelo fim da cultura de impunidade, em todo tipo de
crime. Antecipou o ministro que, caso o STF volte atrás, o governo
impetrará recurso.
Ao aceitar o convite de Bolsonaro, o juiz Sergio Moro, um dos
vetores-chave da Operação Lava-Jato, deixou no ar o temor de que, devido
à sua experiência, o superministério da Justiça e Segurança tivesse uma
inclinação maior para o combate ao crime do colarinho branco, quando o
país enfrenta uma crise de segurança pública que ameaça o próprio estado
democrático de direito.
Na apresentação das propostas, Moro foi convincente ao dizer que a
manutenção da prisão em segunda instância, muito marcada como medida
anticorrupção na política, também é instrumento necessário no
enfrentamento das organizações criminosas. Bem como algumas medidas
destinadas a agravar o cumprimento de penas, como uma progressão de
regime de prisão mais dura para autores de crimes hediondos, por
exemplo. E em especial os cometidos com arma de fogo, iniciativa
prudente para o momento em que se começa a liberalizar a posse de armas,
e se pretende fazer o mesmo com o porte. De fato, não adianta somente
aumentar penas, se elas não forem cumpridas em boa parte — 3/5 em vez de
2/5, como é hoje. O mesmo bem-vindo endurecimento do regime penal,
defende Moro, atingirá reincidentes. Além disso, propõe a restrição no
uso dos embargos infringentes, um dos recursos mais usados no Brasil e
que contribuem para consolidar a imagem de um país em que reina a
impunidade.
Cabe ainda aos parlamentares não serem corporativistas e criminalizarem o
caixa 2. Devem mais do que nunca entender o recado das eleições, contra
a corrupção e de clamor por mais segurança pública.
Seria impossível compor um conjunto tão amplo de propostas sem
divergências e polêmicas — saudáveis, para que o Congresso delibere, mas
sem desidratar o caráter de endurecimento do pacote, necessário para o
momento por que passa o país.
É certo que a tendência de haver um aumento no número de prisões é
preocupante, pela superlotação do sistema penitenciário. A ajuda do
governo federal, neste aspecto, não pode faltar aos governadores. Que se
construam mais presídios. Também neste sentido, falta entre as
iniciativas do governo uma política de desencarceramento, a fim de tirar
da cadeia autores de crimes leves. Aqui, cabe uma ajuda do Supremo,
acelerando a retomada do julgamento da Lei Antidrogas, que
descriminaliza o porte de drogas, uma importante causa de prisões
desnecessárias.
Outro ponto que não deve passar ao largo de um maior escrutínio é a
aplicação do conceito do “excludente de ilicitude” para evitar a punição
de policiais que matam. É compreensível que o agente público precisa
ser legalmente protegido neste enfrentamento que faz em nome da
sociedade. Mas, com o histórico que temos com “licenças para matar”,
cujo resultado é o oposto do que se deseja, apenas incentivam-se
quadrilhas com distintivo. O tema merece um intenso e específico debate.
Reconheça-se, porém, que se trata do mais incisivo e certeiro pacote de
que se tem notícia na área de segurança pública e no enfrentamento da
corrupção. A questão agora é aprimorá-lo no Congresso, mas também
defendendo-o de lobbies conhecidos.
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