- FERNANDO DANTAS O ESTADÃO
Com 35
partidos registrados no Tribunal Superior Eleitoral e 27 deles
representados na Câmara de Deputados, uma presidente em processo de
impeachment, a economia devastada pela crise de governabilidade e uma
colossal coleção de escândalos de corrupção, o Brasil tem um sistema
político difícil de defender.
O regime foi nomeado de
“presidencialismo de coalizão” em 1988, ano de promulgação da
Constituição, pelo cientista político Sérgio Abranches. Como o termo
sugere, cada presidente tem que formar uma coalizão partidária para
governar, já que nenhum partido político brasileiro é, nem de longe,
grande o suficiente para garantir maioria nas duas casas do Congresso.
Mesmo alianças de dois ou três partidos são insuficientes, quando se
considera que as necessárias emendas constitucionais exigem sólidas
maiorias de 3/5.
À primeira vista, o presidencialismo de coalizão
parece um sistema pouco inteligente e nada prático de governar um país.
Afinal, é evidentemente difícil para o Executivo liderar uma base
parlamentar com diversos partidos, cada um com seus interesses e
bandeiras particulares. A forma de arrebanhar maiorias para as medidas
de governo inclui necessariamente expedientes fisiológicos, como a
distribuição de cargos e verbas, quando não descamba para esquemas
ilegais.
Entretanto, apesar de todos esses problemas, e da visão
negativa da sociedade sobre a forma de fazer política no Brasil, há um
grupo de cientistas políticos que considera que o presidencialismo de
coalizão funcionou razoavelmente bem no Brasil desde a redemocratização.
Eles alegam, para começar, que o País fez progressos notáveis desde a
década de 80, como a própria democratização, o fim da hiperinflação e os
grandes passos na inclusão social. Se o sistema político fosse tão ruim
assim, como se explicariam esses avanços?
De forma simplificada,
a visão é de que os presidentes no Brasil têm poderes fortes, podendo
emitir medidas provisórias, iniciar legislação, pedir urgência para
matérias em trâmite no Congresso, vetar leis, comandar o processo
orçamentário e criar e extinguir ministérios e estatais. Isto daria a
capacidade de consolidar maiorias no Congresso, mediante repartir o
governo com os partidos aliados e atender demandas mais paroquiais dos
políticos, mas que não necessariamente resvalam para o terreno ilegal.
Mesmo
com a grande crise política e econômica atual, alguns pesquisadores
consideram que, ainda que de maneira conturbada e sofrida, a democracia
brasileira continua a avançar na direção certa.
Abranches, que
batizou o sistema, vê em ação “instituições resilientes e mecanismos que
levam a soluções de impasses”. A atual crise, para ele, ecoando os
tempos de Collor, deriva em grande parte do fato de a presidente
afastada, Dilma Rousseff, não ter nenhuma habilidade no trato com o
Congresso, o que é obviamente fundamental no presidencialismo de
coalizão. Em linha semelhante, o cientista político Carlos Pereira acha
que os governos do PT monopolizaram demasiadamente o poder nas próprias
mãos do partido, em detrimento dos aliados, levando aos escândalos (uma
via torta de conseguir as maiorias) e à crise do impeachment de Dilma.
Pereira já vê avanços de governabilidade no governo Temer, no qual o
PMDB repartiu bastante o governo com os partidos aliados.
De
qualquer forma, os dois pesquisadores observam que, apesar de
relativamente funcional, o sistema político necessita de reparos. Esta
agenda menos ambiciosa e, portanto, mais factível, inclui itens como
cláusulas de desempenho para conter a fragmentação partidária, fim das
coligações proporcionais e mudanças (que já começaram) no financiamento
das campanhas. Se este diagnóstico estiver certo, a crise atual são as
dores de um sistema em penosa evolução, mas não em desmoronamento.
*Colunista do Broadcast, serviço de informações da Agência Estado, e consultor do Ibre/FGV
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