Mal-estar diplomático - JANIFFER ZARPELON
A fuga do senador boliviano Roger Pinto Molina de La Paz para o Brasil gerou um mal-estar entre o Palácio do Planalto e a cúpula do Itamaraty. Após ser condenado a um ano de prisão por corrupção na Bolívia, o senador boliviano acabou passando 454 dias trancado na Embaixada do Brasil, à espera de um visto de saída. Pressionado por problemas de saúde do senador boliviano, o diplomata brasileiro Eduardo Saboia, encarregado de negócios da embaixada, tomou a decisão unilateral de trazer Pinto Molina ao Brasil, o que aparentemente não foi autorizado nem pelo Itamaraty nem pelo Planalto, pegando de surpresa a presidente Dilma Rousseff.
Além de causar grande irritação de parte da chefia do Executivo brasileiro, essa ação gerou também desconforto por parte da diplomacia brasileira pela ausência do respeito à hierarquia e às linhas de autoridade dentro da organização que tanto preza pelo seu insulamento burocrático.
Esse evento acabou revelando um déficit da liderança política do Itamaraty no governo Dilma – diferentemente do governo Lula, no qual, apesar da descentralização da política externa brasileira nesse período, a atuação do Itamaraty era muito mais ativa.
Já a relação entre o ministro Antonio Patriota (Relações Exteriores) com a chefia do Executivo estava cada vez mais desgastada. Principalmente pela restrição, no contexto da política externa brasileira, da atuação do Itamaraty – que teve por décadas grande autonomia –, somando-se aos cortes das verbas ministeriais e à possibilidade de não haver concurso para novos diplomatas no ano que vem. Assim, a vinda do senador boliviano Roger Pinto foi o estopim da quebra de uma relação que já estava muito prejudicada, causando a saída de Patriota e a entrada, no seu lugar, do embaixador Luiz Figueiredo, que representou o Brasil na Rio+20.
Outro aspecto que deve ser ressaltado sobre a fuga do senador boliviano é que a Convenção Interamericana estabelece que, quando uma pessoa solicita asilo em um país e o pedido é aceito, sua nação de origem deve emitir o salvo-conduto prontamente, o que a Bolívia não fez. Até porque o salvo-conduto é apenas uma garantia onde a pessoa está de que ela não vai sofrer nenhuma retaliação até chegar ao Estado que concedeu o asilo. Resumindo: não é uma exigência que impede a saída.
Diante do exposto, o que impedia, então, o Brasil de oficialmente trazer esse senador? Será que houve negligência do Itamaraty e do governo federal neste caso? Ao conceder asilo político para Pinto Molina no ano passado, o Brasil não deveria ter se esforçado para fazer respeitar essa decisão em vez de deixá-lo por tantos dias dentro da embaixada brasileira? São perguntas que ainda devem ser respondidas. Mas uma coisa é fato: essa ação acabou revelando um mal-estar dentro do Itamaraty pela falta de congruência e liderança política, com a relativa perda de autonomia no processo decisório da política externa brasileira.
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