Câmara passa dos limites no caso Donadon
O Globo - Editorial
Depois da experiência de deputado como constituinte em 87, Luiz Inácio Lula da Silva encerrou a carreira no Congresso, onde contabilizou a existência de uns "300 picaretas".
O que dizer, então, dos 280 - incluindo os votos nulos, abstenções e os ausentes - que, direta e indiretamente, preservaram o mandato de um deputado condenado e preso por roubo? À margem de qualquer ironia, a decisão do plenário da Casa de manter o mandato do deputado Natan Donadon, de Rondônia, recolhido à Penitenciária da Papuda, em Brasília, é uma da mais desastrosas tomadas no Congresso sob a inspiração do abusivo sentimento corporativista existente entre parlamentares.
Atinge órgãos vitais da Câmara, e num momento em que o Congresso, sensível aos clamores nas ruas por ética na política e efetivo combate à corrupção, busca uma "agenda positiva", na tentativa necessária de reduzir a distância que o separa do mundo real. Tanto que o presidente da Câmara, Henrique Alves (PMDB-RN), diante do desastre, decidiu, em boa hora, não referendar a decisão do plenário e convocar o suplente de Donadon, Amir Lando, do PMDB de Rondônia.
O assunto irá para a Justiça, mas a Mesa da Casa precisava tomar uma atitude clara de redução de danos, na tentativa de impedir o ineditismo de um deputado precisar de ordem de juiz para comparecer ao local de trabalho, algemado, mesma condição em que se recolherá à cadeia, depois do expediente.
A extravagância do caso de um político preservado por seus pares embora condenado por formação de quadrilha e peculato arranha fundo a já desgastada imagem do Poder Legislativo - um desserviço à democracia.
Trata-se, agora, de deputados e senadores trabalharem para fechar as brechas legais e de regimento que permitem a ocorrência de fatos escabrosos como este.
Henrique Alves, por sua vez, já decidiu apressar a votação da proposta do fim do voto secreto em processos de cassação. E precisa ser rápido, pela proximidade do desfecho do julgamento dos mensaleiros, quatro deles com mandatos de deputado federal - João Paulo Cunha, José Genoino, os dois do PT, Pedro Henry (PP) e Valdemar Costa Neto (PR).
Outra providência urgente é pulverizar a contradição existente na própria Constituição - que tanto vincula a perda de mandato à decisão do Judiciário como passa esta responsabilidade para o plenário das Casas legislativas -, com a aprovação de emenda do senador Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE), pela cassação automática do parlamentar condenado em última instância.
Não se deve esquecer, também, que, nas raízes do escândalo, está a proliferação de partidos de aluguel, em que se encastela boa parte do baixo clero, sólido pilar do corporativismo no Congresso. Tudo devido a um entendimento míope do princípio da representatividade, pelo qual muitos dos 30 partidos existentes atuam com descabidas prerrogativas no Congresso. Não se pode perder tempo para fazer essas reformas.
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