Jornalista Andrade Junior

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Entrevista Eliana Calmon: "As coisas ruins têm que vir a público"

No último dia como corregedora do Conselho Nacional de Justiça, Eliana Calmon afirma que a missão do STF no julgamento do mensalão é mostrar como se faz justiça. Para ela, o caso ajuda a acabar com a imagem de "semideuses" dos juízes.

Ao deixar o CNJ, a ex-corregedora diz ao Correio que está convencida de que o julgamento do mensalão vai mostrar ao país uma Justiça cada vez mais desatrelada do poder ...


No último dia de expediente na função de corregedora do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a ministra do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Eliana Calmon teve tempo para reafirmar cada uma das suas convicções a respeito da magistratura brasileira. Reiterou a necessidade de desmistificar a imagem de "semideuses" dos juízes da mais alta Corte do país, o Supremo Tribunal Federal, falou sobre a polêmica expressão "bandidos de toga" e disse que a missão do STF no julgamento do mensalão é mostrar como se faz Justiça, assim, com letra maiúscula. Em entrevista exclusiva ao Correio, a ministra não poupou críticas sequer ao CNJ: "O colegiado é tímido, não está aberto às mudanças". Aproveitou para dizer que não pretende ser advogada e, muito menos, concorrer a algum cargo eletivo."Quem doou quer o quê? Minha alma? Essa eu não dou".


A senhora se arrepende de algo da sua gestão? Valeu a pena ter dito que há bandidos de toga?

Não me arrependo de nada. Valeu, sim. Hoje, grande parte da magistratura tem a exata medida de compreensão das minhas palavras.

E o CNJ ainda tem muito a evoluir para combater irregularidades no Judiciário?

O colegiado é tímido, não está aberto às mudanças. O corporativismo é muito forte, penetrante. Vai e volta. É derrotado, mas consegue vitórias. Temos que estar muito atentos evitar que o CNJ seja um arremedo do que é a Justiça piorada.

Se há tantos bandidos de toga, por que surgem mais escândalos no Legislativo e no Executivo do que no Judiciário?

Esses dois poderes têm mais visibilidade. E, no Judiciário, há um pouco menos de corrupção, pois trabalha com pouco dinheiro, e as pessoas são selecionadas em concursos. Corrupção no Judiciário é provocada por falta de gestão e fiscalização, porque essas corregedorias locais não fiscalizam coisa alguma. Então, magistrado com 25 anos é lançado numa comarca e ganha uma autoridade sem saber ser autoridade. E, muitas vezes, é cooptado por amigos infiéis, entre aspas.

Ficou alguma rusga com o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Cezar Peluso?

Não. Sempre o tratei como ministro do Supremo Tribunal Federal e, da mesma forma, ele sempre me recebeu muito bem. A cabeça dele é diferente da minha. Como é um juiz voltado para o passado, na cabeça dele, sou abominável. Ele quer uma magistratura austera, calada, discreta. Eu quero que seja indiscreta em relação aos seus feitos. As coisas ruins da instituição têm de vir a público, porque é ao público que devemos satisfação.

De que forma vai continuar colaborando com a evolução do Judiciário?

Ontem (terça-feira), fui eleita diretora da Escola Nacional de Formação de Magistrados. Precisamos formar magistrados que tenham responsabilidade por coisas que a magistratura não pensa, como a gestão. Não me interessa um juiz que fala três idiomas e faz uma sentença em 30 páginas. O que me interessa é que ele saiba gerir, se comportar como agente público e que ele aprenda a Constituição de 1988.

Quais os planos da senhora, depois de se aposentar no Superior Tribunal de Justiça, daqui a dois anos?

Não serei política. Não me acho apta para passar por um processo eleitoral, inclusive, colocando em risco meu patrimônio. Gasta-se muito em eleição.

Não aceitaria doações?

A questão é a seguinte: quem ia ser meu dono. (A pessoa) doa, eu aceito, e não ponho em risco meu patrimônio. Mas quem doou quer o quê? A alma de Eliana Calmon? Essa eu não dou. Também descarto ser advogada. Não tenho mais idade para ser advogada de balcão, acompanhar o funcionamento do fórum, pedir para juiz marcar audiências. Também não faria advocacia de lobby, porque acho que ninguém ia me contratar, ia? Você me contrataria? (risos)

Como a senhora enxerga o impacto do julgamento do mensalão para a imagem do Judiciário?

Chegou a vez da abertura do Poder Judiciário. A TV Justiça é um negócio fantástico. A gente está vendo as entranhas. Por exemplo, vemos que ministros do STF, que estavam no Olimpo, quase semideuses, são de carne e osso: brigam, fazem baixarias, têm iras, ódios, afetos, choram, sentem dor na coluna, acusam golpes... Desmistificou. Isso é fantástico!

O STF de hoje é diferente de tempos atrás?

Completamente. STF sempre foi um tribunal alinhado com o poder. O que desatrelou o Judiciário do poder foi a Constituição de 1988. No passado, era um modelo criado para um país atrasado, de elites, patrimonialista, em que o Judiciário era chancelador das safadezas todas.

Qual a missão do STF no julgamento do mensalão?

Dizer para que serve a Justiça

A segurança dos juízes ainda é um grande problema. Como reverter esse quadro?

O mais importante para a segurança do juiz é o serviço de inteligência. Todos os atentados contra magistrados foram detectados pelo serviço de inteligência. No caso da Patrícia Acioli (assassinada em Niterói por policiais em agosto do ano passado), a inteligência da Polícia Federal acusou, mas não acreditaram.

O que é mais viável extirpar: os bandidos de toga ou as execuções de magistrados?

A gente vai acabar com as execuções. Bandido de toga vai demorar. O filão é bom, tem muita gente enriquecendo.

Por Gabriel Mascarenhas e Diego Abreu
Fonte: Jornal Correio Braziliense - 06/09/2012

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