Lula, Dirceu e os Tuiuiús: a realidade oculta do mensalão
“Deixar Lula fora do rol acusatório foi um atentado contra os mais comezinhos princípios que norteiam a ação penal pública incondicionada. Ele é o número um da quadrilha (Dirceu é o número dois)”Manoel Pastana*
Minha trajetória de faxineiro a procurador da República não foi por acaso. Além do conhecimento acadêmico, aprendi que na “matemática do direito”, dois mais dois podem ser quatro, vinte e dois, dois patinhos na lagoa ou simples ilusão ótica. Com isso, enxergo nas entrelinhas com a visão aumentada. Daí o sucesso na carreira profissional (nunca lamentei derrotas na Justiça), bem como a boa performance em concursos públicos (passei em seis concursos da área jurídica, sendo três em primeiro lugar). É com essa visão que escrevo este artigo.
Sou procurador da República, encontro-me na ativa e sempre busquei fazer cumprir a lei de fato e não apenas formalmente (de aparência, faz de conta). Por causa disso, representei contra o ex-procurador-geral da República Antonio Fernando, autor da denúncia do mensalão, por ele ter deixado de incluir o ex-Presidente Lula na acusação.
Deixar Lula fora do rol acusatório foi um atentado contra os mais comezinhos princípios que norteiam a ação penal pública incondicionada, pois ele não só é o número um da quadrilha (Dirceu é o número dois), como foi quem praticou atos materiais, que deixaram suas digitais impregnadas no esquema criminoso.
O número dois, José Dirceu, que na denúncia aparece como número um (apenas faz de conta), não deixou suas digitais na prática criminosa. Assim, juridicamente não é possível condená-lo. O número cinco, João Paulo Cunha (já condenado), o número três, José Genoino e o número quatro, Delúbio Soares, como se verá mais adiante, deixaram suas digitais no esquema criminoso.
Devido à fragilidade da prova (embora houvesse muitas provas, não foram atrás), o Supremo Tribunal Federal (STF) está sendo obrigado a se afastar um pouco da sua conhecida posição garantista para poder condenar (o excesso de justificativas nos votos condenatórios denuncia a fragilidade probatória. Quando há provas robustas, elas falam por si mesmas, não precisando de muita argumentação). Todavia, para alcançar Dirceu, o STF teria que ir bem mais longe do que já foi. Teria que se afastar completamente do devido processo legal, pois dentro do campo jurídico não há provas para justificar decreto condenatório contra Dirceu.
Do jeito que está instruído o processo, juridicamente não há a menor possibilidade de condenar Dirceu. A blindagem dele foi perfeita. No entanto, como o STF pode tudo (é a última Instância na dicção do Direito), pode, por exemplo, com base na “verdade imaginada” (*) romper a super blindagem e condená-lo. Isso, certamente, seria aplaudido pela sociedade e, apesar de ser ilegal, não se cometeria injustiça, uma vez que, de fato, Dirceu é culpado. No entanto, o que o afastamento do devido processo legal, com violação à segurança jurídica, estaria a contribuir para se fazer justiça hoje, amanhã poderá contribuir para se fazer injustiça com um inocente, dois inocentes, três inocentes, inúmeros inocentes, pois as decisões do STF servem de parâmetro para outras instâncias (no final deste artigo indico o que pode ser feito para alcançar tanto Lula como Dirceu sem violar o Direito).
Não falo aqui como procurador, mas como cidadão que tem a coragem e o conhecimento do procurador e acha errado que o número um, o verdadeiro chefe da quadrilha, fique de fora dando gargalhadas, ironizando o julgamento, debochando de nós todos (Lula diz que não fala nada sobre o mensalão porque não assiste ao julgamento, pois prefere assistir à “Carminha”).
Marcos Valério, que nem numeração tem na quadrilha (é peixe pequeno, uma sardinha no meio dos tubarões Lula e Dirceu), provavelmente ficará preso para o resto da vida, enquanto o chefão, o número um do mega esquema criminoso, sequer foi acusado. Não posso ficar calado diante desse absurdo. A verdade tem que ser dita e será, aconteça o que acontecer, pois não desisto jamais do que entendo que deve ser feito. Na atuação funcional, já fui até jurado de morte, que é bem mais grave do que ser ameaçado de morte, mas não recuei. Sou extremamente determinado no que me proponho a fazer.
Não se tem notícia de que em outro lugar do planeta tenha se formado uma organização criminosa com a gigantesca estrutura, extensão, dinâmica e audácia do mensalão. A coisa foi tão grave que, se comparado ao esquema PC Farias, Collor sofreu impeachment por causa de uma levíssima batida de carteira. Articulou-se esse megaesquema criminoso devido à ganância de Lula e José Dirceu pelo poder. Lula faz qualquer coisa pelo poder; para ele, ética, moral, lei tudo é irrelevante na conquista do poder. Basta ver a aliança que fez recentemente em São Paulo. Valério foi apenas um instrumento útil (e descartável) nas mãos deles.
Assim, quem deveria apodrecer na prisão não é Marcos Valério, mas sim Lula e José Dirceu, SE É QUE SE DESEJA PASSAR A LIMPO O BRASIL. Caso Lula e Dirceu ficassem o resto da vida na prisão (isso é possível desde que sejam tomadas as medidas corretas), ainda seria pouco pelo que fizeram, porquanto utilizaram o Estado brasileiro para a prática de inúmeros crimes. Ainda que eles não sejam punidos (o que é bem provável), deixarei o registro para a história em livros que já publiquei (na primeira edição do meu livro De Faxineiro a Procurador da República, publicado em 2008, já falava sobre o absurdo de Lula ter ficado fora da acusação e de não terem sido produzidas provas contra Dirceu) e que vou publicar (em breve publicarei um livro atualizado, inclusive com o julgamento, contendo os vereditos). As futuras gerações têm o direito de saber as informações reais e não apenas as oficiais. Acredito que se não for agora, um dia a verdade aparecerá.
O autor da denúncia do mensalão foi o ex-procurador-geral da República Antonio Fernando. Ele faz parte de um grupo conhecido por “Grupo Tuiuiú”, que domina a cúpula do Ministério Público Federal (MPF). Na época em que Geraldo Brindeiro era o PGR (procurador-geral da República), havia uns procuradores que se consideravam alijados do poder. Por causa disso, eles criaram um grupo que adotou o nome da ave do Pantanal que tem dificuldade para alçar voo, porquanto era assim que eles se sentiam. Os tuiuiús têm grande simpatia pela esquerda.
Para chegar ao poder, eles inventaram uma “eleição” que forma uma lista com três nomes dentre os quais o Presidente da República escolhe o PGR. O primeiro a ser “eleito” na primeira posição da lista foi Claudio Fonteles, justamente o principal líder tuiuiú. Ele foi nomeado, por Lula, o primeiro PGR do governo petista. De lá (junho de 2003) para cá, em todas as eleições, que ocorrem de dois em dois anos, tempo que dura o mandato do PGR, só dá tuiuiú. Os três nomes escolhidos na lista tríplice são de tuiuiús e o primeiro colocado é sempre o PGR (quando concorre à recondução) ou quem ele escolhe para ser o seu sucessor. Essa “eleição” é semelhante à que ocorre na Venezuela: os eleitos são conhecidos antes. Inclusive, são previsíveis os nomes dos componentes da próxima lista (vide no final do artigo).
Nas quatro nomeações para PGR no Governo Lula, ele observou a mencionada lista (sempre nomeou o primeiro colocado), o mesmo fez Dilma na sua primeira nomeação, ano passado. Como se vê, a “democracia” cultivada pelos tuiuiús tem perfeita sintonia com o Palácio do Planalto. A harmonia não foi rompida nem mesmo quando o tuiuiú Antonio Fernando ofertou a denúncia do mensalão, alardeando que o PT teria constituído uma “sofisticada organização criminosa” para se perpetuar no poder. Isso que é amor. Amor que não foi abalado por uma simples “denunciazinha” de formação de “sofisticada organização criminosa”. Isso é que se pode falar de casamento perfeito. É tanta fidelidade, é tanto amor, que o próprio Antonio Fernando se perpetuou no poder, sendo reconduzido e depois sucedido por outro tuiuiú, Roberto Gurgel, que também se perpetuou no poder, já reconduzido. Haja coração para tanto amor! Haja estômago para quem se preocupa com o cumprimento da lei suportar tudo isso.
O PT manter no poder (podendo tirar) quem o acusou de formação de quadrilha é muito estranho, não é? Muita gente, inclusive da oposição, elogiou a “independência” de Antonio Fernando. “Tem pai que é cego”, como diz o provérbio popular. Aliás, a “independência” de Antonio Fernando também foi elogiada, na época da denúncia, pelo então ministro da Justiça Marcio Thomaz Bastos (este sabia por que estava elogiando).
Na sustentação oral feita no STF, o advogado Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, que defende acusados no mensalão, disse que pediu ao ex-Presidente Lula que nomeasse Fonteles, assim como os demais do grupo (Tuiuiú) que o sucederam. A nomeação de Fonteles e de Antonio Fernando também teve a participação de outro advogado de acusados no mensalão: o ex-ministro da Justiça Marcio Thomaz Bastos. Vê-se que esse casamento entre os tuiuiús e o Planalto tem padrinhos de peso.
O casamento dos tuiuiús com o Planalto não termina nem quando eles deixam a ativa. Claudio Fonteles, já aposentado, foi nomeado membro da “Comissão da Verdade” e Wagner Gonçalves, outro tuiuiú aposentado, foi nomeado assessor da referida comissão. Assim que os tuiuiús chegaram ao poder, tiraram da corregedoria, sem amparo legal, o então corregedor-geral Edinaldo de Holanda e em seu lugar colocaram Wagner Gonçalves. Este como corregedor-geral e Fonteles como PGR aterrorizaram a vida de procuradores, que não tinham a simpatia dos tuiuiús.
Eu fui uma das vítimas deles. Acho que não gostaram de mim porque fui responsável pela ação que resultou na primeira cassação do mandato de um parlamentar federal do PT, no início do governo Lula (não sei agir por faz de conta). Outro colega que sofreu na mão deles foi Roberto Santoro. O “crime” do Santoro foi ter tentado investigar José Dirceu, quando era o poderoso chefe da Casa Civil (antes do mensalão vir a público). Após a perseguição, Santoro pediu exoneração e deixou o MPF. Outros colegas que também foram perseguidos pelos tuiuiús silenciaram. Eu não saí, embora pudesse ganhar mais na advocacia, nem me calei, pois não aceito que um grupo tome conta de uma excelente Instituição, como é o MPF, para perseguir ou favorecer, conforme o interesse em jogo. Isso é inaceitável.
Já representei contra vários tuiuiús, incluindo Claudio Fonteles e Antonio Fernando. Este eu representei para que fosse apurado crime de prevaricação, por ele ter deixado Lula fora da denúncia do mensalão. Eles arquivaram as representações da mesma forma como arquivaram as inúmeras representações sofridas por Lula. Certa vez, Fonteles arquivou uma representação contra Lula, feita pelo PFL (atual DEM), cuja argumentação pegaria mal até para um advogado de defesa que se preocupasse com a ética na advocacia. Aliás, Geraldo Brindeiro foi apelidado de arquivador-geral da República, no entanto, comparando-o com os seus sucessores, ele não passaria de mero auxiliar do aprendiz de aprendiz de arquivador.
Na época em que Fonteles e Wagner Gonçalves estavam na ativa, aquele como PGR e este como corregedor-geral, um procurador enviou ofícios para diversas empresas solicitando vantagens financeiras indevidas (parece mentira, mas infelizmente é verdade, tudo foi provado). O referido procurador foi ferrenho acusador de integrantes do governo FHC, caso esse procurador não fosse “queridinho” dos tuiuiús, ele teria saído algemado de dentro da Procuradoria, perdido o cargo e hoje certamente estaria cumprindo pena em uma penitenciária. O procurador PEDINTE DE VANTAGEM INDEVIDA sequer sofreu uma advertência.
Ao lembrar o que Fonteles e Wagner Gonçalves fizeram no MPF, tanto na perseguição como no favorecimento, fico imaginando as “verdades” que sairão dessa “Comissão da Verdade”. Será que o Brasil ainda tem jeito? Acredito que sim, por isso não me calo. Quem sabe um dia teremos a “Comissão da Vergonha”…
Com essa “leve” introdução, vamos aos fatos. Não deixe, caro leitor, de ver a observação que faço no final deste artigo. A cobra vai fumar!
Conforme a denúncia do mensalão, duas foram as fontes principais de recursos do esquema criminoso: empréstimos consignados em folha de pagamento a aposentados e contratos fraudulentos com as empresas de publicidades de Marcos Valério.
A primeira fonte de recurso teve como suporte a edição da Medida Provisória 130/2003, que criou os empréstimos a aposentados, consignados em folha de pagamento. Ela foi transformada rapidamente na Lei 10.820/2003. Vê-se que a rapidez legislativa não se limitou à Medida Provisória do Setor Energético que causou “surpresa” na Presidente Dilma, conforme observado no voto do ministro Joaquim Barbosa. Essa “rapidez” digna de causar “surpresa” denota os tentáculos da organização criminosa dentro do Congresso Nacional.
Só que a quadrilha não contava com um transtorno: um parecer da Procuradoria Federal do INSS entendeu não ser possível a concessão dos empréstimos por bancos privados, pois eles não eram pagadores de benefícios previdenciários. Esse parecer impediu que os bancos envolvidos no esquema do mensalão se habilitassem aos empréstimos, e assim ficaram de fora do negócio lucrativo. O percalço, porém, foi passageiro, pois Lula, que havia editado a medida provisória 130, entrou em ação novamente e baixou o Decreto nº 5.180/2004, permitindo expressamente a concessão dos empréstimos por bancos privados, mesmo que não fossem pagadores de benefícios previdenciários. Isso possibilitou o ingresso imediato do BMG, um dos bancos envolvidos no esquema criminoso. De tão indecente o propósito criminoso, na época, a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) representou contra Lula, mas o tuiuiú Antonio Fernando arquivou a representação. Blindagem é blindagem e ainda dizem que o arquivador-geral da República foi Geraldo Brindeiro.
O trabalho do ex-Presidente Lula não se limitou a editar a medida provisória e depois o decreto para afastar o óbice colocado pelo parecer da Procuradoria do INSS. Ele fez mais. Após a publicação do decreto, o banco BMG foi habilitado para fazer os empréstimos, e aí Lula entrou em cena de novo: mandou mais de dez milhões de cartas (assinadas por ele) a aposentados anunciando as “facilidades” do empréstimo, que resultou em faturamento bilionário pelo BMG.
Outra fonte de recurso foram os contratos fraudulentos com as empresas de publicidade de Marcos Valério. Para viabilizar tais contratos, Lula baixou o decreto 4.799/2003, que modificou a forma de publicidade do governo federal, permitindo a contratação das empresas de Valério sem licitação.
Os atos normativos (a medida provisória e os decretos), assim como as milhões de cartas dirigidas aos aposentados, que proporcionaram as duas fontes bilionárias de recursos do mega esquema criminoso, são de autoria material do ex-presidente Lula.
O artigo 13 do Código Penal dispõe: “Art. 13 – O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido.” (grifei) À luz desse dispositivo penal, não há dúvida de que a conduta de Lula, editando os atos normativos e enviando as cartas aos aposentados, são causas dos crimes praticados na dinâmica do mensalão, pois se não fosse tal conduta o resultado não teria ocorrido, ou seja, o esquema criminoso não teria as fontes que produziram vultosos recursos. Ademais, a conduta dolosa evidencia-se pelo fato de ele, como presidente da República, ser o principal beneficiário do esquema criminoso, bem como ter se mantido silente, apesar de ter sido avisado cinco vezes da existência da organização criminosa, que se articulou dentro do seu ambiente de trabalho no Palácio do Planalto.
Com efeito, de acordo com o artigo 29 do Código Penal que preceitua: “Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade.” Lula deveria ser denunciado juntamente com os demais acusados.
O tuiuiú Antonio Fernando, então PGR, não só deixou de fora da acusação o número um (Lula), como não apresentou provas contra o número dois, José Dirceu. Ele tachou José Dirceu de líder da quadrilha. Ocorre que Dirceu não editou nenhuma medida provisória, nenhum decreto e não assinou cartas enviadas a aposentados. Ele não assinou sequer um bilhete. Tudo indica que Dirceu é autor intelectual desses atos normativos, mas essa acusação só teria êxito se o autor material, aquele que apôs a sua assinatura, isto é, Lula, tivesse sido denunciado. Como Lula foi blindado, eliminou-se o elo para chegar a Dirceu.
Além de Lula ficar fora do processo, rompendo o elo probatório que levaria ao autor intelectual, Antonio Fernando fez de tudo para manter Marcos Valério calado. Valério destruiu provas. Tanto o delegado Zampronha como 19 membros da CPI (tinha 20 membros) assinaram requerimento, solicitando a Antonio Fernando que pedisse a prisão de Valério, mas o tuiuiú disse que não havia elementos nem necessidade da prisão (se destruir provas não for justificativa para pedir prisão, o que então será?). O tuiuiú não queria era que Valério abrisse a boca. Isso ficou mais evidente quando Marcos Valério o procurou para colaborar na investigação, objetivando os benefícios da delação premiada. Antonio Fernando não aceitou, alegando que a delação seria “prematura” e “inoportuna” (meu Deus!).
Sem delação premiada, Valério não entregou Dirceu. Além disso, negou qualquer relacionamento com ele, o que era de se esperar. Inclusive Antonio Fernando fez questão de fazer tal registro (para um bom entendedor…). Está na fl. 27 da denúncia: “Não obstante negar a existência de qualquer relacionamento com o ex Ministro José Dirceu, Marcos Valério afirma que esteve na Casa Civil aproximadamente em quatro ocasiões e que a finalidade de suas visitas a esse órgão era a de se encontrar com a Sra. Sandra Cabral, secretária de José Dirceu, para tratar da candidatura de Delúbio Soares.” Destaquei.
“Procura-se demonstrar” na denúncia que José Dirceu tinha relação com Marcos Valério. Para isso traz-se à baila um favor que Valério fez a Dirceu. Está na fl. 27 da denúncia, vejamos: “Marcos Valério também confirmou que se valeu da sua influência junto aos Bancos Rural e BMG para solucionar problema enfrentado pela ex-esposa do então Ministro José Dirceu, que pretendia vender o seu imóvel, obter um empréstimo e arrumar um emprego. Marcos Valério e Rogério Tolentino resolveram todas as três pendências acima, o que evidencia a troca de favores no esquema.”
Esse depoimento de Valério, dizendo que fez favores para a ex-mulher de Dirceu seria relevante para incriminar o ex-chefe da Casa Civil, se Valério tivesse delatado o esquema, ou seja, tivesse entregado Dirceu. Assim, suponhamos que Valério tivesse dito que recebeu ordem de Dirceu para conseguir empréstimos bancários ao PT. Como provavelmente essa ordem não teria sido escrita, certamente a defesa de José Dirceu iria alegar que Valério estaria mentindo para conseguir o benefício da delação premiada. Aí esse fato de Marcos Valério ter conseguido o emprego para a ex-mulher de Dirceu, que poderia ser provado (e de fato foi provado), teria relevância para demonstrar que Valério não estava mentindo na delação. Ocorre que Marcos Valério negou envolvimento de José Dirceu no esquema criminoso. Inclusive, chamou a minha atenção o fato de Antonio Fernando fazer questão de registrar isso na denúncia, ou seja, que Valério “negou qualquer envolvimento com José Dirceu”. Isso deixa, nas entrelinhas a blindagem de José Dirceu.
Na instrução criminal apurou-se que Valério não mentiu ao afirmar que fez favor à ex-mulher de José Dirceu. De fato, Maria Ângela, a ex-mulher de Dirceu, ganhou um emprego no BMG, obteve um empréstimo de R$ 42 mil no Banco Rural, bem como conseguiu vender seu apartamento com ajuda do advogado de Valério.
O que a ajuda à ex-mulher de Dirceu prova o envolvimento deste no mensalão? NADA. Absolutamente nada. Muito pelo contrário, prova (formalmente) que se Marcos Valério não mentiu sobre a tal ajuda informada, também não teria mentido quando disse que “não tinha nenhum relacionamento com Dirceu”.
No caso de João Paulo Cunha, foi possível pegá-lo, porque ele fora presidente da Câmara dos Deputados e celebrou contrato com empresa de Marcos Valério, utilizada no esquema criminoso, sendo que a mulher de João Paulo Cunha pegou dinheiro de Marcos Valério (R$ 50 mil, uma ninharia perto do volume gigantesco de dinheiro movimentado pelo mega esquema criminoso).
Acontece que Dirceu não firmou contrato com empresa alguma de Marcos Valério, como foi o caso de João Paulo Cunha. Ademais, a ex-mulher de Dirceu, da qual está separado desde 1990, não recebeu dinheiro de Marcos Valério, como foi o caso da mulher de João Paulo Cunha. Aliás, os favores que Marcos Valério fez para a ex-mulher de Dirceu sequer configuram crime autônomo, porquanto o emprego foi conseguido em banco privado. E para acabar com qualquer possibilidade jurídica de pegar Dirceu, a prova produzida na instrução criminal foi no sentido de que sequer José Dirceu pediu tais favores a Marcos Valério para beneficiar a ex-mulher, pois as testemunhas ouvidas negaram que tenha havido pedido de José Dirceu.
Foi escandaloso o esforço para manter Valério de boca fechada, e depois “tentar” encontrar “provas” do envolvimento dele com Dirceu. Outro escândalo foi a retirada de Sílvio Pereira, ex-secretário-geral do PT, do processo, e depois “tentar” encontrar “provas” para dizer que ele agia a mando de Dirceu. À fl. 51 das alegações finais do MPF, no item 81, Gurgel escreveu: “Sílvio Pereira foi um dos responsáveis pelas indicações para o preenchimento de cargos e funções públicas no Governo Federal, área chave para o sucesso da empreitada.” Nos itens seguintes das alegações finais, Gurgel informa que Sílvio Pereira atuava nos bastidores do Governo, negociando as indicações políticas, que proporcionariam os desvios de recursos em prol de parlamentares.
Para confirmar suas alegações, Roberto Gurgel transcreve declarações de testemunhas ouvidas na instrução processual, que, embora falem apenas de Sílvio Pereira como responsável pelas nomeações (nenhuma cita José Dirceu), Gurgel concluiu que Sílvio Pereira era o longa manus (executor de ordens) de Dirceu. Assim escreveu o tuiuiú “acusador”: “Os depoimentos comprovam que Sílvio Pereira comportava-se como um membro do Governo Federal, atuando como longa manus de José Dirceu. Cabia-lhe negociar com os parlamentares as indicações para os cargos do governo, reportando-se sempre a José Dirceu.”
A conclusão de que Sílvio Pereira agia em nome de Dirceu foi dada por Roberto Gurgel, pois nenhuma testemunha fez tal afirmação. Contudo, havia uma forma de saber se Sílvio Pereira agia ou não em nome de José Dirceu. Era só interrogar o próprio Sílvio Pereira e perguntar a ele se as negociações a que se referiam as várias testemunhas eram feitas em nome de Dirceu ou do Lula. É que, segundo as testemunhas, cujos depoimentos foram transcritos por Gurgel nas alegações finais, Sílvio Pereira agia dentro do Palácio do Planalto. Por exemplo, Gurgel transcreve o depoimento de PEDRO HENRY (fl. 51 das alegações finais), que diz o seguinte: “QUE algumas vezes, SILVIO PEREIRA participou de reuniões no Palácio do Planalto e acha que o mesmo falava em nome do Governo”.
Com efeito, ao invés de Gurgel tirar conclusão de que Sílvio Pereira agia em nome de Dirceu, por que não perguntou ao próprio Sílvio Pereira em nome de quem ele agia, se de Dirceu ou de Lula? Só que os tuiuiús não deixaram Sílvio Pereira falar. Ofertaram a suspensão processual e o tiraram do processo. Assim está escrito à fl. 4, item 3, das alegações finais ofertadas pelo PGR Roberto Gurgel: “O processo está suspenso em relação a Sílvio Pereira, que está cumprindo as condições propostas…(prestação de serviço à comunidade)”
Como que tiraram Sílvio Pereira do processo se era ele o longa manus (executor de ordens) do chefe da quadrilha? Como que tiraram Sílvio Pereira do processo se o nome dele é citado na denúncia 50 vezes? Como que tiraram Sílvio Pereira do processo se era ele que poderia dizer em nome de quem ele agia, se de Dirceu ou de Lula ou dos dois?
Ao Sílvio Pereira, em vez de ser ofertada suspensão processual, deveria ser ofertada a delação premiada e ele iria falar, até mesmo para explicar sua presença dentro do Palácio do Planalto. Ele demonstrou que fala bastante, tanto que ainda na época do inquérito deu entrevista, dizendo que em conversa com Marcos Valério, este lhe disse que se abrisse a boca “derrubaria a República”. As evidências indicam a razão de os tuiuiús o retirarem do processo: o homem fala muito. Mais uma prova inequívoca da blindagem de Dirceu e Lula. Caro leitor, isso parece mentira, mas é a pura verdade, eu não seria louco de inventar tal absurdo. A sociedade precisa saber a realidade oculta por essa acusação de faz de conta. Isso é o resultado da aliança de tuiuiús com o governo petista. Estamos diante de dois escândalos: um foi o próprio esquema criminoso, o outro foi a “acusação” do esquema. Prefiro morrer a me calar diante desses escândalos.
À fl. 42 das alegações finais, o PGR, Roberto Gurgel, após afirmar que José Dirceu seria o mentor do mensalão, apresenta como “prova” declaração de Marcos Valério que disse ter ficado sabendo (ouvir dizer) por intermédio de Delúbio que José Dirceu tinha conhecimento dos empréstimos ao PT. Vejamos trecho da declaração de Marcos Valério, transcrita nas alegações finais de Gurgel: “No início de 2003, o Sr. Delúbio procurou o declarante, afirmando que o Partido dos Trabalhadores, em razão das campanhas realizadas, estava com problemas de caixa em diversos diretórios, oportunidade em que propôs que as empresas do declarante tomassem empréstimos e os repassassem ao Partido dos Trabalhadores que restituiria os valores com juros e acréscimos legais. (…) Naquele momento o declarante alertou o Sr. Delúbio sobre o risco da operação proposta, especialmente, de quem garantiria o pagamento no caso de saída de Delúbio do Partido ou qualquer outro evento, visto que se tratava de uma operação baseada na confiança, já que não seria e não foi documentada. O Sr. Delúbio esclareceu que o então Ministro JOSÉ DIRCEU e o Secretário SILVIO PEREIRA eram sabedores dessa operação de empréstimo para o Partido e em alguma eventualidade garantiriam o pagamento junto às empresas do declarante.” Destaquei.
Essa é a “prova” que o tuiuiú Roberto Gurgel, ratificando “acusação” feita por outro tuiuiú (Antonio Fernando), afirma que José Dirceu tinha envolvimento com os empréstimos fraudulentos ao PT. Ora, como que uma declaração de um acusado (Marcos Valério), que diz ter ouvido (ouvir dizer) de outro acusado (Delúbio), que José Dirceu era sabedor do empréstimo e, por isso, estaria comprovado o seu envolvimento (de Dirceu) no fato criminoso?
Além da declaração ser extremamente frágil, já que partiu de um réu, que não foi lhe dado o benefício da delação premiada, portanto, estava livre e solto para mentir, a declaração não diz absolutamente nada sobre o envolvimento de Dirceu. Apenas fala que ele sabia do empréstimo, mas isso não o incrimina, ainda mais que, pelo tom da declaração, Delúbio poderia estar apenas usando o nome dele para conseguir convencer Marcos Valério, tanto que Delúbio teria dito (na versão de Valério), que Dirceu sabia do empréstimo e poderia garantir o pagamento no caso de alguma eventualidade.
A seguir transcreverei trecho que está nas alegações finais feitas por Gurgel, que mais uma vez mostra que essa acusação era para não dar em nada. Em tal trecho, o tuiuiú utiliza declarações de Roberto Jefferson para “incriminar” Dirceu. À fl. 44, item 72, das alegações finais, Gurgel transcreve trecho do depoimento de Jefferson, no qual este afirma que, em 2005, Dirceu teria lhe dito que, juntamente com Lula, recebeu um grupo da Portugal Telecom para tratar do adiantamento de oito milhões de euros que seriam repartidos entre o PT e o PTB: “QUE em um encontro com JOSÉ DIRCEU na Casa Civil ocorrido no início de janeiro de 2005, o então ministro afirmou que havia recebido, juntamente com o Presidente Lula, um grupo da Portugal TELECOM e do Banco Espírito Santo que estariam em negociações com o Governo brasileiro (…)” Grifei.
Essa “prova” trazida por Roberto Gurgel nas alegações finais contra Dirceu (“esqueceu” que Lula também participou), além de ser extremamente frágil, pois se trata da declaração de um codenunciado (ele deveria ser arrolado como testemunha), dizendo que ouviu (“ouviu dizer”) de outro acusado (Dirceu), não ajuda em nada o quadro probatório. É que, se pelo menos Jefferson estivesse na reunião ou fosse outra pessoa que lhe tivesse dito, mas foi o próprio Dirceu, falando que estaria tentando conseguir dinheiro para o partido de Jefferson, ou seja, Dirceu poderia ter inventado tal estória para enganar Jefferson no sentido de que estaria tentando arrumar o dinheiro para o partido deste (PTB). Ademais, não há informação nem houve acusação nesse sentido de que a tal reunião resultou em alguma coisa, ou seja, o dinheiro pretendido saiu ou não saiu? A negociata, afinal, foi exitosa?
Com se vê, juridicamente, não tem como pegar José Dirceu. Todos os até agora condenados de alguma forma deixaram suas digitais no esquema criminoso, como foi o caso de João Paulo Cunha; Marcos Valério e seus sócios; os funcionários da Visanet e do Banco Rural também deixaram suas digitais, alguns talvez involuntariamente, como tentou demonstrar o revisor, Ricardo Lewandodowski. O mesmo aconteceu com os funcionários do BMG. O número três do esquema, José Genoino, deixou suas digitais ao avalizar os empréstimos fraudulentos ao PT, o mesmo aconteceu com o número quatro, Delúbio Soares, que também deixou suas digitais, avalizando os referidos empréstimos.
José Dirceu, o número dois, não deixou suas digitais no esquema. Quem deixou suas digitais impregnadas para todos os lados foi o número um, o ex-Presidente Lula (pegando este, autor material, pegar-se-ia Dirceu, autor intelectual). Mas como Lula não foi acusado, não se tem como, juridicamente, chegar a Dirceu. Veja-se que os dois foram blindados. O número um foi mais blindado porque ficou de fora, mas o número dois também foi blindado, pois as “provas” apresentadas contra ele juridicamente são imprestáveis. Se Lula, que praticou atos materiais, tivesse sido denunciado, se tivesse sido ofertada delação premiada a Marcos Valério e a Sílvio Pereira, bem como arrolado Roberto Jefferson como testemunha (ou até como delator), não sobraria pedra sobre pedra. O castelo do crime teria desabado ainda por ocasião do oferecimento da denúncia. Hoje não seria preciso inúmeras sessões para julgamento, pois as provas falariam por si próprias, sem precisar de tanta argumentação.
A propósito, demonstração de que a acusação era para inglês ver, observa-se no comportamento de Antonio Fernando. Logo após ele ofertar a denúncia, pediu a prisão de todos. Jogou para a galera sabendo que seria impossível ser decretada, como de fato não foi. O momento que ele deveria ter pedido a prisão era quando Marcos Valério destruía prova, mas não pediu, porque sabia que seria decretada, aí ficaria difícil manter a boca de Valério fechada.
O STF pode condenar Dirceu, não obstante a absoluta imprestabilidade do quadro probatório. Contudo, não acredito que irá condená-lo e isso eu já anunciava no meu livro publicado em 2008. Para condenar Dirceu, os ministros do STF terão que ir bem mais longe do que foram até agora. Até aqui eles se afastaram um pouco do garantismo penal exacerbado que imperava na Corte, mas, embora as provas sejam escassas, não se afastaram do devido processo legal, porquanto há algumas provas raquíticas, que corroboradas com uma caneta Mont Blanc daqui, uma passagem aérea dali, e excessiva argumentação, com apoio na doutrina nacional e alienígena avessa ao garantismo, deu para justificar as condenações até agora prolatadas. A condenação de Dirceu não dá nem para fazer isso. Ele foi muito bem blindado. Para condená-lo, o STF terá que lançar mão da “verdade imaginada”, o que acredito não fará.
Atenção!!! Está no meu site www.manoelpastana.com.br a versão completa deste artigo (aqui é um resumo).
(*) Nele explica-se o que é “verdade imaginada”, que o STF poderá utilizar para condenar Dirceu de qualquer jeito. Também informo como alcançar juridicamente tanto Lula como José Dirceu, bem como o que Marcos Valério deve fazer para não passar o resto da vida na prisão. Falo da última “eleição” para PGR que manteve Gurgel em primeiro lugar na lista (tudo indicava que ele iria perder, mas…), bem como os nomes que estarão na lista para a nomeação do próximo PGR no ano que vem. Isso e outras coisas estão no artigo completo, que é um projeto do meu próximo livro, falando sobre os bastidores do poder.
As informações oficiais sobre o mensalão divergem da realidade. O meu trabalho é informar a realidade, pois a desinformação (da realidade) ilude pessoas boas e endeusa demônios.
*Procurador da República no Rio Grande do Sul. Autor do livro autobiográfico De Faxineiro a Procurador da República. www.manoelpastana.com.br
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